Roberto Miller Maia abre o jogo sobre a Brasil 2000
Por Rodney Brocanelli
No panorama histórico
de indigência das rádios paulistanas, uma delas acabou se
destacando como uma das poucas que se deixava ouvir sem irritar
os seus ouvintes fiéis. Estou falando da Rádio Brasil 2000 FM.
Para contar um pouco de sua história entrevistei Roberto Miller
Maia, apelidado de homem-enciclopédia graças a seu alto grau de
conhecimento em matéria de rock and roll. Maia liderou uma
pequena revolução na emissora (que antes tocava pagode e funk),
explorando o lado mais underground do rock. Nesse bate-papo,
publicado originalmente no e-zine Ruídos (http://www.ruidos.com.br), Roberto Maia conta sua
trajetória na Brasil 2000; fala dos programas que criou e ajudou
a colocar no ar, como Clube das Mulheres e Garagem; fala também
sobre seu parceiro nessa empreitada radiofônica, o Tatola; e faz
um histórico sobre as "college radios"
norte-americanas, emissoras de baixa potência ligadas a
universidades. Maia ainda dá a sua versão sobre as
circunstâncias que o levaram a deixar a rádio. E, como não
poderia deixar de ser, também entra nessa entrevista o famoso e
popular jabá. Leia a seguir os principais
trechos dessa conversa.
(Rodney Brocanelli) Pergunta - A primeira pergunta é simples:
quem é Roberto Maia?
Roberto Maia - Dos meus 43 anos de vida mais da metade foi ligado
ao jornalismo, principalmente o jornalismo cultural enfocado
basicamente na música. Foi um caminho natural, porque gostar de
música sempre me fazia muito bem, e foi um caminho de
sensibilização para mim. Minha formação primeiramente foi a
de engenheiro eletrônico. A ligação entre a comunicação com
a tecnologia é algo que eu já vislumbrava nos anos 70. Eu
achava que num futuro essas coisas iriam estar muito ligadas e as
pessoas que entendessem um pouco mais de tecnologia poderiam
utilizá-la melhor nessa área da comunicação, dentro da área
da mídia de massa. É o que está acontecendo agora, com essa
questão da possibilidade de redes. A tecnologia hoje é um
grande aliado para a democratização da comunicação, uma coisa
que eu sempre gostei muito de fazer. Então eu comecei como
engenheiro, depois por necessidade profissional me tornei
jornalista e fiz faculdade. Eu comecei em rádio em 1977 na
Rádio Cultura AM escrevendo textos. Depois, trabalhei em
estúdios de gravação, fiz produção de discos e fiquei 14
anos na Brasil 2000.
Pergunta - Você foi um dos fundadores da rádio?
Maia - Praticamente isso, porque eu dava aula de comunicação na
Faculdade Anhembi-Morumbi, tinha uma longa amizade com todos lá
dentro e eles conheciam meu acervo musical, que eu estava
começando. Eu fazia uma rádio interna no pátio, numa proposta
de socialização dos alunos. Essa idéia deu tão certo que fui
convidado para participar da rádio. No começo da Brasil 2000 eu
cuidava de uns boletins sobre videotexto.
Pergunta - Em que ano e quais circunstâncias começou a rádio?
Maia - Foi em 1986, mas foi aos trancos e barrancos. Eu ainda
não estava lá como diretor, fazia apenas algumas
colaborações, como esses boletins. Na época a Anhembi-Morumbi
tinha uma parceira com a Faculdade Ibero-Americana e isso
dificultava muito para se fazer as coisas lá dentro da emissora.
Numa sociedade acaba tendo esse tipo de problema: ou os dois são
muito afinados esteticamente ou não, o que era o caso. Então a
Brasil 2000 tinha uma linha mais neutra e nunca chegou a ser uma
rádio efetivamente universitária, um projeto que depois eu pude
conduzir.
Pergunta - Como é que se deu a virada na Brasil 2000?
Maia - A rádio naquela época tocava até pagode, numa visão
errada de populismo. As pessoas achavam que o Brasil era vítima
de um imperialismo musical vindo do exterior e o fato de tocar
pagode seria uma forma de resistência. Eu pensei na questão de
se dar um salto de popularidade, no sentido de dar uma
abrangência maior e ter umas pinceladas de anarquia, nonsense,
diferenciação para captar essas pessoas que estavam aí
perdidas. E foi uma coisa certeira, muito bem-vinda, uma coisa
necessária. Eu fiquei feliz com essa captação de ouvintes a
partir dessa mescla de popularidade com diferenciação.
Pergunta - A proposta de se mudar a filosofia e fazer uma rádio
underground foi aceita logo de cara?
Maia - Teve aquele problema da transição, de tirar aquele
passado, aquelas coisas que tinham um certo ranço. Não foi
fácil pegar uma rádio que tinha pagode e funk e transformar
numa coisa alternativa. Essa idéia de ter uma diferenciação
dentro do grande mercado acabou sendo aceita depois. O mercado
gosta de algumas pessoas que o desafiem, por incrível que
pareça. Uma das coisas que a Brasil 2000 sempre teve de muito
positivo foi ser simpática a vários segmentos. A imprensa
gostou, o mercado respondeu bem, os artistas também, isso porque
era uma rádio muito sincera, trabalhávamos com pessoas sem
vícios. Isso nos ajudou a crescer.
Pergunta - Você se inspirou em algum modelo que já existia ou
seguiu uma linha própria que estava na sua cabeça?
Maia - Basicamente não foi seguir um modelo ou outro, mas juntar
várias possibilidades. Uma coisa que mais me atraia mesmo foi o
conceito de "college radios", uma coisa que mudou o
mercado norte-americano, um dos mercados mais difíceis de serem
mudados; mas isso aconteceu porque era uma rede em todos os
Estados Unidos. A dureza aqui era fazer uma coisa isolada, uma
espécie de oásis no mercado. Eu me inspirava mesmo nessa
questão de pegar uma rádio e poder trabalhar com
universitários. Queria tocar uma música que ninguém tava
tocando, possibilitar que bandas novas aparecessem e novos
valores em outras áreas culturais pudessem dar o seu recado. Eu
gostaria que isso tivesse sido expandido, que outras faculdades
tivessem comprado essa idéia. Eu acho que o grande mérito, mais
do que a diferenciação da linguagem de alguns programas, foi o
de a gente trabalhar
com pessoas muito novas, saindo da faculdade.
Pergunta - Explique o conceito de college radio.
Maia - Varia muito, mas a questão básica é que é uma coisa
para o campus. Ela tem permissão oficial para funcionamento. É
tudo feito pelos próprios alunos. O modo de transmissão pouco
importa, pode ser por AM e até mesmo por fios mesmo que levam a
programação para ser veiculada em caixas de som dentro dos
dormitórios dos estudantes, que é onde eles passam a maior
parte da vida deles. Isso é uma coisa interessante até porque
é um país mais frio, as pessoas lá são mais estudiosas
(risos). De uma certa maneira eles levam muito a sério esse
período na universidade, assim como eles levam muito a sério o
lazer na universidade. Tem desde transmissão por onda
eletromagnética até transmissão por cabo, mas o importante
mesmo é que está todo mundo ouvindo uma mensagem, isso é
dinâmico.
Pergunta - Qual é a college radio mais proeminente?
Maia - Não existe. Lá o que ganha é a força vinda pela massa.
São 500, 600... Nenhum DJ de college rádio fica famoso, mas o
que acontece de legal é que todos exercitam alguma coisa e os
mais ousados partem para o grande mercado. Aí, vai se trabalhar
com música ou virar um profissional de rádio.
Pergunta - Voltando para a Brasil 2000, essa virada para o
underground se deu em qual época?
Maia - Eu entrei com essa idéia entre 1989 e 1990 e depois teve
uma reformulação estrutural total, mas como a rádio era muito
pobre em termos tecnológicos e financeiros o processo foi muito
lento. Era uma emissora que não faturava nada, não tinha ibope.
Foi uma reforma que aconteceu passo a passo, mas deu para fazer
uma estrutura muito respeitada.
Pergunta - Quais as coisas que você destacaria dessa fase? Maia
- Aconteceram muitas experiências, muitas noovidades e uma coisa
acabou complementando a outra. Fiz alguns programas muito
interessantes que eu desenvolvi, mas que foram escutados somente
por algumas pessoas e passaram despercebidos. Tinha um programa
que eu fazia à noite chamado Noites Futuristas. Era uma
auto-entrevista de um músico contando a sua vida, um
documentário sonoro. As rádios da Alemanha vinham fazendo isso
de se criar ambientações sonoras e foi uma fonte de
inspiração. É uma coisa que eu gostaria de retomar em termos
de rádio. Uma coisa que eu estava achando brilhante era o de
expandir o papel da emissora dentro da realização de shows.
Estávamos conseguindo abrir espaços para bandas do exterior
virem fazer shows aqui. Era interessante que acabávamos
colocando bandas underground em locais que não faziam parte do
circuito, como a Broadway, e pensávamos expandir isso para
outros lugares aqui de São Paulo.
Pergunta - E em termos musicais?
Maia - Nós trouxemos essa coisa de gravadoras novas e
independentes, foi uma revolução invisível. Fui responsável
pelo lançamento de coisas que nunca iriam sair aqui no Brasil. O
Creed não tinha nem gravadora aqui no Brasil. Cheguei a procurar
uma representação para a banda aqui. Eles tinham contrato com a
Sony, mas o contrato de distribuição deles não abrangia a
América Latina. Teve o disco do Santana, o
"Supernatural". Era um disco que iria ser lançado
aqui, mas os próprios caras da gravadora não acreditavam. Eu
fiz com que eles investissem no álbum. Eu também procurei
representação para a Sub Pop no Brasil depois do estouro do
Grunge. Fiz um esforço danado para trazer o Mangue Beat para
São Paulo, que foi através de um festival chamado Rec Beat. Foi
uma loucura, muito suado. Veio o Chico Science quando ninguém
nem sabia falar o nome dele. Esse movimento liderado por ele foi
uma das coisas mais interessantes que apareceu, mas não foi
devidamente explorada como devia.
Pergunta - Vocês chegaram a ter um selo para lançar discos,
não?
Maia - Pois é, tentamos fazer uma coisa. O primeiro foi o do
Nuno Mindeles Na verdade, eu o DJ Magoo fizemos uma vaquinha e
bancamos o lançamento de um álbum dele, isso em 1991. E
colocamos lá o selo Brasil 2000 para ajudar na divulgação.
Depois lançamos o Clip Independente, que era um programa com
bandas novas e todos tocavam ao vivo no estúdio da emissora.
Nenhuma chegou a dar um passo maior na carreira, mas dá para
destacar Anjo dos Becos e Malaco Soul, que é um grupo que hoje
toca na noite. Tinha também A Casa Caiu, de um cara bem
talentoso, mas que era meio maluco, o Paulo De Tarso.
Pergunta - E a resposta do mercado publicitário para essas
iniciativas?
Maia - Nessa primeira fase foi difícil. Os empresários que
ouviam tinham uma simpatia pela Brasil 2000 e ajudavam com
anúncios. Isso eu vejo isso muito hoje na Kiss FM: eles têm uma
dificuldade tremenda de sobreviver comercialmente. Mas como não
sei quem é dono de não sei o que lá ouve a rádio acaba dando
uma forcinha, mas isso acaba não sendo suficiente porque os
custos de uma rádio são muito altos. Uma emissora tem uma
despesa mensal de R$ 40 a R$ 50 mil, dependendo de sua estrutura,
e há um montante de investimento na casa de R$ 1 milhão. Os
equipamentos são muito caros, o consumo de energia é alto e
caro.
Pergunta - E a audiência?
Maia - O problema é que tínhamos uma estrutura muito precária.
Quem chegasse na Rua Heitor Penteado, onde ficava a rádio, não
conseguia ver a antena porque ela ficava coberta por um monte de
prédios. Nossa antena era pequena, bem mais baixa que os
prédios, então era impossível de se ouvir. O sinal saía por
trás dos prédios, dava uma volta e nunca chegava na região da
Av. Paulista, na Zona Sul, no bairro do Jabaquara. Ficávamos
presos à zona oeste. Enfim, nosso alcance era limitado e não
tínhamos como fazer milagres. Nosso transmissor era de 5 kW. Com
um transmissor que era ruim, antena ruim, tudo, então não tinha
como... Qualquer rádio transmitia mais do que a gente. Nós
ficávamos com tudo isso contra nossa estrutura. Se a nossa
antena ficasse na Paulista seria melhor.
Pergunta - E a questão do jabá. Como a Brasil 2000 lidava com
isso?
Maia - O consumidor em geral não sabe o que o preço do disco
significa, mas você tem embutido no valor uma porcentagem de
custo e a verba de marketing. Entenda marketing como quiser, esse
dinheiro pode ser usado para o que se quiser: fazer cartazes,
levar a banda para entrevistas, fazer camisetas, adesivos etc. De
um disco que vende 100 mil cópias, pelo menos o dinheiro lucrado
da venda de 20 mil cópias é para isso.
É uma conta meio maluca, isso vira um dinheiro em caixa. Se
você tem uma banda nova não vai possuir essa verba porque
ninguém te conhece, então se pega emprestado de um conjunto
muito famoso. Por isso é que se fala erroneamente que uma banda
consagrada ajuda a lançar bandas novas. Não é isso, é porque
a verba que sobrou para divulgar um cara que vendeu dois milhões
de cópias vai ser usada para divulgar a banda nova. Essa verba
é o que se convencionou a se chamar de jabá porque ela é
utilizada ao bel prazer do diretor de marketing. Dá para se
fazer todo tipo de coisa com essa verba: comprar um Mercedes para
sortear na emissora ou então levar o ouvinte para ver um show do
U2 em Miami e depois passear com o Bono de limusine, por exemplo.
Tudo isso é fruto dessa verba de marketing que o pessoal chama
de jabá. Isso em outras épocas entrava no bolso de alguém
diretamente, sem constrangimento, para o programador ou qualquer
pessoa que mande na rádio. Essa verba de marketing virou um
conforto, faz-se tudo para a rádio com essa grana, tornou-se uma
facilidade para quem trabalha. E qual a moeda disso? Divulgar o
determinado artista.
Não existe o estar pagando para tocar, mas existe um acordo de
cavalheiros. Como o U2 está dando ao ouvinte da rádio uma
oportunidade de uma promoção que leva o sujeito para Miami, em
contrapartida tem que se mostrar o trabalho dos caras. Por que
uma banda fica famosa? Tem sempre aquele trabalho de marketing.
Por mais que uma banda seja brilhante ou excelente alguém
precisou falar sobre ela, instigar as pessoas a gostarem daquilo.
E também existem as armações, que não duram nada. Se a banda
for ruim, não vai adiantar. Tem que existir um mínimo de
talento, de empatia com aquele grupo de pessoas a quem você vai
oferecer esse produto. Isso tudo deveria ser uma coisa mais
clara, ficou uma coisa obscura durante todos esses anos. Se tudo
fosse às claras, não existiria corrupção.
Pergunta - E a entrada do Tatola, como aconteceu?
Maia - Eu o conhecia há muito tempo, ele trabalhava em
gravadora, tinha o Não Religião. O Tatola respeitava o meu
trabalho, sempre dizia que eu era o crítico de que ele mais
gostava pelo fato de eu ser o menos radical e mais abrangente. A
gente conversava muito sobre música e ele me pedia dicas. O
Tatola tinha saído da 89 FM e nos encontramos numa outra
circunstância. Eu não sei lidar bem com o mercado fonográfico,
não sei conversar essa conversa deles, não tinha paciência
para ouvir que tem que tocar Pink Floyd, não tenho mesmo
paciência para isso. Eu acabava sendo perigoso para uma coisa
mais de conversar com o mercado.
E o Tatola veio para isso, para ser a cara da Brasil 2000 no
mercado. E eu continuava na minha área. Acabou sendo uma
equação incessante. No nosso programa o que funcionava é o
fato de cada um ter a sua opinião. Tínhamos opiniões
diferentes. A gente discordava mesmo e não tínhamos problema
nisso. É arriscada uma coisa dessas, pois quando se faz um
programa onde há discordâncias pode dar briga porque um vai
entrar no mundo infantil do outro. Tínhamos diferenças
ideológicas fortes, de gosto, mas afinidades profissionais muito
grandes.
Pergunta - Nessa época em que o Tatola entrou, a rádio mudou um
pouco sua filosofia...
Maia - Foi um passo no sentindo de se angariar mais ouvintes.
Nós conseguimos um bom transmissor e eu queria chegar cada vez
mais na audiência jovem. Naquela época houve um salto pop de
mercado. O que tínhamos de combater, no bom sentido, eram
expressões justamente pops, as boys bands, o axé. Então
tivemos que utilizar ferramentas extremamente pops também.
Acabamos colocando bandas mais aceitáveis para conseguir isso.
Então, a rádio atraía as pessoas com mais Deep Purple, Pink
Floyd, Led Zeppelin, com canções conhecidas e misturávamos com
coisas novas, mais underground.
Pergunta - Hoje se reclama de que o rádio sempre toca as mesmas
músicas e que não há mais ousadia. De quem é a culpa? Dos
ouvintes ou dos programadores?
Maia - Ambos, primeiro porque os programadores de rádio não
conhecem música. São pessoas que vão parar nas emissoras por
algum motivo que não é a vocação. Ou então são pessoas
queriam exercer a função de locutor e não conseguiram. Todo
mundo entra numa emissora querendo ser locutor. Se em troca se
oferece uma vaga de produtor o fulano se assusta, nem sabe o que
é isso e recusa. O que se quer mesmo é falar, porque existe a
imagem de que quem está falando manda em tudo, mas na verdade
não manda. Então o programador não conhece muito, o
coordenador conhece menos ainda, existe a pressão das
gravadoras. A programação de rádio fica aquela coisa
pré-fabricada e não se ousa nunca, pois quem ousar está mais
arriscado a ficar sozinho.
O ouvinte, por incrível que pareça, compactua com esse tipo de
coisa. Se é tocada uma coisa muito diferente, ele troca de
estação e vai buscar uma emissora que tenha alguma música
conhecida na qual ele possa cantar junto, tem muito isso. É uma
coisa difícil de equacionar, mas é verdade. Deve existir um
feeling. É a mesma coisa que um show, nenhuma banda dá um show
só com hits, a não ser Rolling Stones com seus 40 anos de
estrada. No caso de uma banda que não tem esse passado, ela deve
misturar os hits com coisas novas até compor o show. E tem que
fazer bem isso.
Pergunta - Como é que você encarava a concorrência?
Maia - O rádio no Brasil é autoral. É como o cinema de diretor
famoso, ele conduz as coisas como quer. Era o que eu fazia na
Brasil 2000. Agora, as rádios mais empresariais, como a 89 FM,
estão acima de qualquer oscilação. Tem uma ou outra coisa
nova, mas acaba sendo muito padronizado, muito cerceado pelos
limites do mercado. Quando se é mais autoral, não se tem essa
preocupação com a concorrência, uma vez que.eles não estão
pensando no novo, mas no mercado, como se manter nele.
Quando se quer ousar, a preocupação é outra, mais estética,
em trazer coisas novas: programas novos, bandas novas. Não tem
ninguém preocupado na 89 FM em comprar discos, saber qual é
banda que tem um potencial porque a divulgação da gravadora vai
trazer isso pronto para ele. A 89 FM tem o mérito de se manter
acima dos modismos, apesar de algumas fases mais horríveis. Por
outro lado, a rádio teve algumas fases mais ousadas, como na
época do Fábio Massari.
Pergunta - Nessa segunda fase da rádio, depois da vinda do
Tatola, você criou novos programas. Fale um pouco sobre eles.
Maia - Eu queria fazer coisas que diferenciassem do que estava
acontecendo nas outras rádios, como a idéia do Lançamento
Nosso de Cada Dia. Pegamos um horário no qual a regra era tocar
músicas conhecidas e pouco papo e fizemos o contrário. Era uma
opção e deu certo, porque alguém vai parar para ouvir. No
mínimo os ouvintes iriam escutar para xingar, tipo: "pô,
esses caras não param mais de falar!".
Foi também a idéia do Clube das Mulheres. Eu achei interessante
acordar com mulheres no ar. Queria quebrar um pouco o conceito de
que as rádios de rock eram uma coisa mais masculina. E no lugar
coloquei as mulheres falando o que os homens queriam ouvir delas.
Unimos dois perfis: o da Marcela, desbocada, que não tinha papas
na língua e não tinha um verniz intelectual para ficar
filtrando o que ia dizer, com o da Fabi, que é jornalista
formada. Elas interagiam com o ouvinte, sendo mães, vamps,
coitadas... A química entre a Fabi e a Marcela era uma coisa
muito legal.
Pergunta - A Brasil 2000 era uma das poucas emissoras que abriam
espaço para o ouvinte...
Maia - Nós nunca atendemos o ouvinte fora do ar para perguntar o
que ele queria dizer; no máximo, era para pedir que ele
esperasse um pouco. Hoje na rádio alguns telefonemas de ouvintes
são gravados para serem colocados no ar depois. Nós tínhamos
um método interessante, que era o de colocar o ouvinte no ar
sozinho com dois apresentadores. Isso servia para abafar qualquer
tipo de imprevisto, como o fulano xingar. Mas o nosso segredo era
a espontaneidade. Nós que estávamos no ar não sabíamos o que
iria acontecer. A idéia do Discagem Direta do Ouvinte era do
cara do outro lado mostrar o que ele queria ouvir e falar o que
ele quisesse, criticar alguma coisa. Mas obviamente vai viciando
um pouco, as mesmas pessoas acabam ligando e acaba cerceando um
pouco os outros ouvintes que gostariam de ligar.
Pergunta - E o Garagem?
Maia - Eu conhecia o André Barcinski desde a época em que ele
lançou o livro dele, o Barulho. Ele e o André Forastieri já
tinham feito um programa ao vivo na Brasil 2000 com o Joey
Ramone, em 1991, numa das vezes em que ele esteve no Brasil, e
foi uma loucura. Daí eles tinham ido para a Gazeta FM, numa
experiência que acabou sendo traumática para eles porque
tiveram de sair de lá meio às pressas. Eu lembro que
aconteceram varias pressões lá. Muito tempo depois, eles
retomaram a idéia do programa, levaram o projeto a várias
emissoras e eles acertaram conosco. As pessoas que se ofendem com
eles são muito infantis; eu acho que eles são necessários,
saudáveis e engraçados. Eu gostava mais de ouvir o falatório
deles em vez das músicas que tocavam no programa.
Pergunta - Vocês chegaram a ter algum tipo de problema por causa
do Garagem? Pressão de gravadora, coisas do tipo?
Maia - Não, o único episódio que teve foi com o Nando Reis,
que xingou os caras no programa do João Gordo na MTV. Eu achei
isso uma bobagem da parte dele. Penso que agora ele não teria
mais essa postura. Outro dia eu vi os Titãs naquele programa do
Marcos Mion, o Descontrole. O Mion estava detonando a banda e
eles lá junto, dando risada. Se fosse há algum tempo, eles
achariam isso o fim da picada. Nós vivíamos brincando com o
pessoal do Gagarem e vice-versa. Quando o André virou editor do
Folhateen, a gente dedicou um programa inteiro a ele numa
homenagem. Da mesma forma, quando ele saiu a gente começou a
criticar o caderno. Tudo isso era de brincadeira, uma coisa de
brincar com a gente mesmo. A gente gozava muito da cara dos
Titãs. Na parada, a gente dizia "não agüento mais esse
primeiro lugar" ou então "pô, essa música tocando de
novo!", o tipo de coisa que todo mundo que trabalha em
rádio tem vontade de dizer.
Pergunta - Com todo esse trabalho desenvolvido nesses 14 anos,
programas de sucesso, experimentações de linguagem, tudo isso
que fez a fama da Brasil 2000, por que você acabou saindo?
Maia - Primeiramente aconteceu um desentendimento do Tatola com a
diretoria, que acabou virando uma coisa muito pessoal. Como o
Tatola fazia a parte comercial da rádio, ele tinha direito uma
porcentagem na receita da rádio. Era um contrato de risco,
quanto mais a rádio faturava, mais ele ganhava. Ele quis refazer
o acordo, numa tentativa de reajustar esse percentual, e houve a
briga. Ele acabou não continuando. Existem versões
mirabolantes, mas o mais incrível é que foi uma coisa besta,
uma briga de comadres, uma coisa estúpida. Trabalhar com o
Tatola era bom. Era uma das pessoas com quem mais me entendia
profissionalmente, apesar de termos diferenças totais. Ele era
aberto ao meu discurso anarquista-revolucionário e me aceitava
como crítico.
Foi uma enorme tristeza acabar com a dupla, ela merecia um pouco
mais de sobrevida para fazer um pouco mais do que queríamos
fazer. Depois da saída dele, continuei fazendo meu trabalho e
queria retomar um pouco o experimentalismo. Agora que eu tinha
uma antena melhor, um alcance melhor, um público maior, pensei
em porque não tirar os Smoke In The Waters da vida
e colocar coisas mais novas ou diferentes. Daí eu tomei
conhecimento indiretamente da contratação do Lélio Márcio
Teixeira para administrar a rádio e eu achei isso uma atitude
muito estranha e arbitrária. Ele até é um amigo meu fora do
meio, mas achei estranho a diretoria, ligada à Faculdade,
contratar uma pessoa sem que eu soubesse. E foi por isso que eu
saí.
Pergunta - O fato do Lélio ter mantido muito do que você criou
na Brasil 2000 foi uma vitória sua?
Maia - É como você ter um restaurante no qual sai o cozinheiro
chefe e todo mundo vai sentir que o sabor é diferente. Eu acho o
Kid Vinil uma pessoa brilhante, não tenho nada a falar contra
ele, mas de jeito nenhum um programa do estilo dele vai preencher
a lacuna do era o Lançamento Nosso de Cada Dia. Não era um
programa técnico, não era um programa para quem queria conhecer
as músicas. A idéia do programa era a ironia. O que falta na
Brasil 2000 hoje não é o Lançamento, mas era o espírito do
programa.
A rádio hoje está querendo reviver alguns programas, algumas
coisas em termos de parada musical que fazíamos, mas é por aí.
Tem que enterrar tudo e mudar, tirar o nome de Sessão da Tarde,
mudar... Do contrário vai ficar a ameaça que a nova direção
ainda não assumiu, que ela está com medo. O interesse do Lélio
é outro, é uma questão de afinidade. E também a universidade
não quer perder aquilo que ela conseguiu. É uma rádio
respeitada pelo universitário, tem uma certa simpatia. O Lélio
se tornou um cara administrativo, que não dá muito palpite na
programação, a não ser ouvir o que as gravadoras querem. Ele
não tem o instrumental, nem a vontade de mudar. O que ele quer
fazer é o programa de futebol.
Pergunta - Você tem alguma inimizade com o Lélio?
Maia - Tenho mágoa apenas com as pessoas que o colocaram lá na
emissora sem me falar nada. Acho ele interessante naquilo que
faz, mas se eu quisesse trabalhar com ele já o teria chamado há
muito tempo. Quando eu e o Tatola estávamos na Brasil 2000, ele
nos procurou logo depois que ele saiu da 97 FM, e uma das idéias
dele era colocar aquele programa de futebol no horário
da Voz do Brasil logo após o 2000 Volts, mas não tinha nada a
ver... Nós fizemos alguns programas de futebol com o Marcelo
Frommer e o Casagrande, mas era uma outra coisa. Ouvíamos o
programa deles na 97 FM e achávamos sofrível. Não era o tipo
de programa que a gente queria, muito menos o tipo de linguagem.
Pergunta - Por que você, com uma bagagem dessas, não tem
convite de outras emissoras?
Maia - As pessoas sempre me perguntam isso. Quem trabalha em
rádio não entende de música, acha que é uma coisa
"empresarial". E tem outro lance: as pessoas acham que
quem tem uma especialidade como eu é uma coisa muito cara
e também não tem como encaixar naquele buraquinho onde querem
colocar. Enfim, convite nem de rádio comunitária (risos).
Hoje, Roberto Maia é um dos sócios do Rock Bar Café
(http://www.rockbar.com.br). Além disso, ele transmite uma
programação
musical pessoal na Internet através do site http://www.shoutcast.com
(é só
digitar as palavras Momento Maia no mecanismo de busca).