O rádio AM é uma espécie em extinção (Por Manuel Coutinho)

Setenta e cinco anos de história do rádio correm o risco de serem apagados para sempre. O desemprego também ameaça agravar no setor. Recentemente, o rádio AM passa por um processo de desprezo e abandono que fez com que a maioria das emissoras sejam vendidas para grupos evangélicos, a maio parte sem capacitação para trabalhar em rádio. Mais grave do que isto, é a recente mensagem de um internauta de Fortaleza, Ceará, que denunciou que várias emissoras de rádio AM de lá simplesmente saíram do ar.

Um dos motivos deste quadro gravíssimo pelo qual passa o rádio AM é o desinteresse de publicitários e ouvintes mais jovens no setor. Mas o motivo mais grave é a concorrência desleal que o rádio FM está fazendo, desde os últimos 30 anos, sobre o rádio AM. O romantismo esquerdista de alguns intelectuais, que queriam jornalismo nas FMs, aliado à preguiça das elites políticas e econômicas (inclusive latifundiários, dirigentes esportivos e banqueiros de bicho), ignorou o aspecto negativo da coisa, que é de restringir, de um lado, a programação musical das FMs (o noticiário político, econômico e esportivo não expulsou a música comercial das FMs, como sonhava a esquerda intelectual ortodoxa, mas sim o que havia de mais qualitativo e original na música) e, de outro lado, a popularidade do rádio AM, antes fartamente responsável pelo jornalismo e transmissões esportivas. Quiseram ser "modernos", defendendo, com unhas e dentes, a transformação do rádio FM em clone ou imitador de rádio AM. Os cenários políticos de Sarney, Collor e FHC beneficiaram muito o monopólio das FMs na chamada "programação falada". Em 1986, houve as concessões de FM a grupos políticos, e não pense que as FMs "apolíticas" que adotam programação tipo rádio AM (só um exemplo, a Band FM de uns anos atrás) não participaram dessa ciranda. Elas, quando muito, são reféns do processo. E, para quem pensa que FM transmitindo futebol ou entrevista com Pedro Malan é "democrática", a raiz de toda essa enganação está na ditadura militar, no período mais duro, o AI-5. Mas, pera aí, por que a ditadura quis investir em FMs "informativas" se censurava duramente a informação?

Simples. Tinha que dar um "jeitinho". Na verdade, o alvo da repressão dos generais foi o rádio AM. Foi em 1969, início da execução do AI-5, que a ditadura instalou o rádio FM no Brasil. E o que as FMs do Norte/Nordeste e do interior do país faziam, tocar bossa nova e baião? Não. Elas vinham com aqueles grosseiros "programas de locutor", arranjados por latifundiários para propagar a "ordem" entre os camponeses, na medida em que suas lideranças eram assassinadas. E, claro, para distrair o "povão" e aproveitar o clima da Copa de 70, as FMs transmitiam futebol, o que hoje ainda dizem ser "novidade".

Até 1969 o rádio AM reinava absoluto. O rádio AM é o rádio de raiz. No Brasil, surgiu oficialmente nos anos 20 (embora suas primeiras transmissões já sejam feitas em 1919), e se tornou um dos maiores meios de comunicação do Século XX no mundo inteiro. Inspirou a televisão, revolucionou a sociedade e consagrou milhares de profissionais. Teve seu auge nos anos 40, com os programas de auditório, novelas e os musicais. Nos anos 50, esboçou seu perfil atual e, nos anos 60, viveu momentos de "rádio jovem" divulgando a música pop (no Brasil, a Jovem Guarda).

Nos anos 70 ainda continuou popular, mas a ditadura iniciou o processo de desmoralização. O rádio AM se bregalizou, ganhando o estigma de "rádio de empregadinha". As primeiras emissoras FM populares entraram no ar. Nos anos 80 é que a coisa desandou, com a segmentação das FMs lançada no Rio de Janeiro a partir da Fluminense FM foi deturpada pelo resto do país, primeiro no Norte/Nordeste/Centro Oeste, depois no próprio Sul/Sudeste (que hoje se assemelha com o rádio nordestino do início dos anos 90). Rádios alternativas e rádios AM foram duramente lesadas pelo vampirismo de FMs comerciais, que ora parasitavam o formato rock (89 FM de São Paulo), como parasitavam o rádio AM (Band FM). No que se diz a este último, as coisas pioraram quando redes de emissoras AM mais populares (Jovem Pan 1, Rádio Bandeirantes AM, CBN e até a LBV Mundial), passaram a ter afiliadas em FM, algumas nas mesmas regiões que as afiliadas existentes em rádio AM. São as "rádios clones" de AM nas ondas de FM. Cidades como São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Sorocaba, Porto Alegre, já possuem "clones" de rádio AM, bancadas muitas vezes por obscuras FMs, com donos metidos até em corrupção, que decidem "lavar dinheiro" alugando a retransmissão de AMs poderosas para tanto livrá-lo da falência quanto da investigação pela justiça. Empresários assim passam a ter a fama de "idôneos", lamentavelmente. E o rádio AM jogado ao abandono, à "evangelização" que soa para o rádio AM como a "extrema unção" que os padres dão aos condenados à pena de morte.

A meta agora é reativarmos o espaço do rádio AM. Sim, os velhos kilohertz, antigamente denominados kilocyclos. A história do rádio perderá com a extinção do rádio AM, extinção essa que, do contrário que pregam os tecnocratas, não contribui em nada para a democratização do rádio no Brasil e no mundo. A única coisa que favorecerá é o bolso de quem já se enriquece com rádio, dos Sérgio Nayas e Hidebrando Pascoal da vida às famílias Marinho, Camargo e Saad. É preciso até mesmo BOICOTARMOS retransmissoras em FM da Jovem Pan AM, CBN e Bandeirantes AM, porque o rádio AM, como espaço, precisa revitalizar-se, e é necessário obrigarmos nossos empresários de rádio, além dos anunciantes e ouvintes mais jovens, a valorizar o rádio AM NO RÁDIO AM, não nas ondas de FM. Para levarmos em frente um espaço de rádio que fez muito pelo nosso povo e fará muito mais. As FMs deveriam ficar na sua missão específica de tocar música, passar alguma entrevista e informação e só. O direito das FMs termina quando começa o direito das AMs. Devemos também escrever para a imprensa. Mostrarmos nossa indignação latente. Reclamarmos tanto do vampirismo das FMs no perfil de programação de rádio AM quanto da monocórdica programação religiosa das AMs atuais.

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