ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O MODELO GRAVITACIONAL E O MODELO DE PROGRAMAÇÃO LINEAR NA ELABORAÇÃO DE UMA MATRIZ O-D PARA LINHAS DE TRANSPORTE PÚBLICO

Eric Amaral Ferreira
Eiji Kawamoto
Escola de Engenharia de São Carlos
Departamento de Transportes

RESUMO
Os objetivos deste artigo são: 1) mostrar que matriz Origem-Destino (O-D) de passageiros em linhas de transporte coletivo pode ser obtido combinando um modelo matemático com dados facilmente coletáveis tais como número de passageiros embarcados e desembarcados em cada ponto de parada ou estação; 2) mostrar que o modelo gravitacional, comparado ao modelo de programação linear, é mais simples e versátil; e 3) comparar o desempenho dos modelos. Os resultados da comparação, conduzida com os dados apresentados por KIKUCHI (1992), autor da aplicação do modelo de programação linear, mostram que o desempenho do modelo gravitacional é superior ao do modelo de programação linear para os mesmos dados de entrada.

Abstract
The objectives of this paper are: 1) to show that a passenger Origin-Destination table (O-D) for a transit line may be obtained combining a mathematical model with easily collectable data such as boarding/alighting counts at each stop point or station; 2) to show that the gravity model is simpler and more versatile; and 3) to compare the performance of the models. The results of the comparison, conducted using the data presented by KIKUCHI (1992), the author of the application of the linear programming model, show that the performance of the gravity model is superior to the linear programming model for the same input data.

1. INTRODUÇÃO
Muitos dos problemas de planejamento e operação (tarifas diferenciadas, serviços expressos, limitação de pontos de parada, etc.) em transportes públicos como a eficiência e o nível de serviço, são resolvidos total ou parcialmente com a utilização de matrizes Origem-Destino (O-D). A obtenção de uma matriz O-D que represente os desejos e anseios da população depende do tipo de pesquisa (domiciliar, nos pontos de parada, etc.), quanto mais elaborada a pesquisa maior seu custo e o tempo de preparação e tabulação dos dados, além de haver a necessidade de treinamento dos pesquisadores e da habilidade dos usuários e/ou moradores.

A busca por métodos que minimizem os tempos de preparação e tabulação dos dados é desejável principalmente para cidades onde o desenvolvimento urbano ocorre de forma acelerada e dinâmica, e, onde os órgãos gestores e as empresas operadoras não possuam recursos financeiros para efetuar pesquisas amplas de Origem-Destino.

Neste trabalho são comparados dois métodos de obtenção de matrizes origem-destino que utilizam dados de embarque-desembarque ao longo de linhas de transporte de massa: o método baseado no modelo gravidade restringido e o método para resolução de um sistema de equações lineares e desigualdades (Método de Programação Linear).

O método de gravidade restringido supõe como no caso de aplicação convencional, que o número de viagem que ocorre entre os pontos i e j de uma linha é diretamente proporcional ao número de passageiros embarcados no ponto i, ao número de passageiros desembarcados no ponto j, e ao comprimento da viagem entre i e j. A diferença fundamental está nesta última suposição. Nela está implícito que o usuário de transporte coletivo vê na caminhada um modo alternativo de viagem e que, portanto, dificilmente toma uma condução para viagens de curta distância, principalmente em se tratando de usuários economicamente carentes. Além disso, adota-se como restrição adicional o comprimento médio (ou total) da viagem.

O método de resolução de um sistema indeterminado de equações lineares e desigualdades, utiliza informações de embarque-desembarque ao longo de uma linha de transporte, bem como informações a respeito de alguns pares de pontos selecionados. O conjunto de equações lineares representa a equações de conservação do fluxo baseado na contagem de embarque-desembarque, e o conjunto de desigualdades representa as informações de alguns parâmetros desconhecidos dados por uma série de valores. Os elementos da matriz O-D são derivados para minimizar a expectativa de erro entre os valores "verdadeiros" e os valores calculados.

2. Descrição do problema
Dada uma linha de transporte público de passageiro com n pontos de parada ou estações, uma matriz O-D especifica o volume de passageiros que viajam entre pontos genéricos i e j. O método mais utilizado e também o mais simples para estimar esse volume é o do "santinho" em que cada usuário que embarca no transporte coletivo recebe de um pesquisador de campo um cartão com a inscrição do nome ou código do ponto ou da estação de embarque, e ao desembarcar, entrega-o a outro pesquisador que o deposita num recipiente com a inscrição do horário e do nome ou código do ponto de ônibus ou da estação de desembarque. O total de cartões existentes num recipiente indica o volume de usuários com destino àquele ponto num determinado horário. Portanto, cada recipiente indica um destino, ou seja, uma coluna da matriz, e os cartões indicam a origem. Assim, para se preencher uma dada célula daquela coluna, basta que se conte os cartões com o ponto de embarque correspondente ao da célula. Apesar da aparente simplicidade, o método requer considerável trabalho de preparação dos materiais de pesquisa e de treinamento de pesquisadores de campo.

Por outro lado, existem métodos de pesquisas simples como a de contagem dos usuários que embarcam e desembarcam em cada ponto ou estação. Além da simplicidade e de não depender da boa vontade ou da habilidade dos usuários, é uma pesquisa relativamente barata. O nível de instrução do pesquisador pode ser relativamente baixo, e nos períodos entre-picos um pesquisador pode fazer a contagem tanto dos passageiros que embarcam como daqueles que desembarcam. O problema desse método é que não há como identificar o ponto de origem de um usuário que desembarca num determinado ponto.

Apesar disso, a grande simplicidade desse tipo de pesquisa tem motivado vários autores a buscarem uma forma de elaborar uma matriz O-D associando esse método simples a um modelo matemático. Neste trabalho será feito uma análise comparativa de dois desses modelos: o modelo gravitacional e o modelo de programação linear.

3. MODELOS

3.1 Modelo Gravitacional Restringido
O modelo gravitacional restringido é muito utilizado no processo seqüencial de previsão de demanda, e tem como finalidade estimar o número de viagens entre duas zonas de tráfego. A principal diferença entre o modelo de gravidade aplicado na distribuição de viagens e o aplicado neste trabalho está no sinal do expoente. No modelo de distribuição de viagens original é negativo, uma vez a escolha de um determinado destino fica inibido à medida que se aumenta a distância da viagem. No caso do transporte coletivo pode ser visto com sendo resultado de um processo em que se teve como um modo concorrente a caminhada. Assim, as pessoas que escolheram o transporte coletivo foram motivadas por algumas de suas vantagens em relação à caminhada, quais sejam: a rapidez e o conforto físico, os quais somente aparecem a partir de certa distância. E essas vantagens crescem com a distância. Assim, a probabilidade de um passageiro que embarca num ponto desça no ponto seguinte é quase nula, e aumenta à medida que aumenta a distância. A Equação (1) descreve o número de viagens entre os pontos i e j.

(1)
 
Vij= número de viagens entre os pontos i e j;

Ai.= constante de origem;

Bj.= constante de destino;

Oi = número de viagens geradas em i;

Dj = número de viagens atraídas por j;

Cij= função custo (tempo ou distância de viagem); e

ak = constante a ser adotada para o k-ésimo grupo de origens.

A denominação "restringido" deve-se ao fato de que os volumes de viagens devem obedecer a duas restrições básicas: a) o total de viagens originadas em uma zona deve ser o total de viagens originadas em uma zona deve ser igual ao total de viagens distribuídas a partir dela; e b) o total de viagens que se dirigem a um ponto deve ser igual ao total de viagens atraídas por ele (para maiores detalhes ver Novaes, 1986 ou Erlander & Stewart, 1990). As Equações (2) e (3) são as restrições mencionadas.

(2)

(3)

Kawamoto (1994) discorre sobre o modelo Gravitacional Restringido e apresenta uma aplicação a uma linha de transporte por ônibus. Nesse trabalho o autor considerou, além das restrições representadas pelas Equações (2) e (3), o tempo médio de viagem, o qual foi calculado a partir dos tempos de viagem entre dois pontos consecutivos e dos dados de embarque e desembarque.

Quanto à constante ak, ela pode ser manipulada a fim de reduzir ou aumentar o número de viajantes que embarcam em um dado ponto e desembarcam no ponto seguinte. No presente trabalho, o valor de ak foi adotado em conformidade com a observação empírica. Uma pesquisa preliminar realizada com os dados coletados na cidade de São José do Rio Pardo mostrou que apenas 1% dos passageiros desembarcam antes de completar 1000 m de viagem.

3.2 Modelo de Programação Linear
O modelo consiste em minimizar os erros da matriz O-D fazendo com que o volume de passageiros estimado para cada célula da matriz fique o mais próximo possível do centro do espaço de soluções viáveis. Essa tarefa é realizada com o auxílio do método de programação linear.

As duas primeiras restrições do problema de programação linear são constituídas pelas Equações (2) e (3), consideradas também no modelo gravitacional.

(2)

(3)

As outras restrições advêm das consultas feitas pelo pesquisador aos funcionários da empresa operadora ou aos analistas familiarizados com o padrão de O-D da linha. Especificamente, a consulta refere-se ao número de passageiros que embarcam em um ponto e desembarcam no ponto seguinte. A resposta pode ser fornecida em termos de número absoluto ou relativo ao total de passageiros embarcados naquele ponto, ou ainda em termos de um intervalo de variação. Com esses dados adicionais definem-se outras restrições, mostradas pela Equação (4).

s1(i,j) £ Vij£s2 (i,j) para (i, j) = (1, 2)…,(n-1, n) (4)

onde s1(i,j) e s2(i,j) são limites inferiores e superiores dos valores estimados para Vij, respectivamente. Caso não haja informações a respeito dos limites de Vij, os limites inferiores e superiores, s1(i,j) e s2(i,j) são determinados pelas Equações (5) e (6), respectivamente.

s1(i,j) = max {[Oi], [Dj], 0} (5)

s2(i,j) = min [Oi . Dj] (6)

O exemplo apresentado por Kikuchi (1992) demonstra que modelo produz estimativas razoavelmente precisas para a matriz O-D. A grande vantagem do modelo de programação linear é que outras restrições, baseadas nas informações completas ou incompletas, podem ser adicionadas a fim de aumentar a precisão dos resultados.

4. Dados utilizados
A comparação de desempenho dos modelos foi feita com base nos dados utilizados por Kikuchi (1992) para demonstrar a aplicabilidade do modelo de programação linear. Trata-se de
 

5. RESULTADOS E CONCLUSÕES
O presente trabalho comparou os resultados observados no campo com os resultados obtidos através do modelo de Programação Linear, modelo de Gravitacional Restringido, os resultados encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Total
0
4
103
12
256
180
1237
607
701
1104
939
1760
1
0
2
60
7
404
219
1250
504
994
1100
548
1811
6901
0
3
84
9
476
323
1139
605
663
1038
914
1646
0
2
68
4
335
284
1123
631
706
1106
958
1679
0
17
5
167
118
497
213
278
409
331
679
2
2
51
1
85
64
500
132
149
400
628
700
2713
1
30
3
180
124
443
237
262
412
364
657
2
35
2
145
118
455
250
276
427
366
636
1
0
34
37
161
90
81
97
117
162
3
9
1
58
58
150
58
58
100
135
150
784
7
1
49
35
127
69
76
121
107
195
18
1
49
37
138
74
80
121
103
177
2
680
494
1170
553
713
1166
958
1533
4
9
568
426
1192
882
594
1167
928
1500
7267
6
419
311
1155
636
715
1142
1021
1861
12
575
389
1347
692
726
1083
903
1535
0
14
83
29
23
40
5
70
5
19
19
55
20
20
40
20
70
264
13
10
41
23
26
42
38
70
33
17
51
25
25
36
29
49
9
49
199
137
215
275
533
6
63
50
106
106
225
365
500
1417
49
214
127
149
244
222
412
8
70
67
113
247
282
629
7
67
27
91
151
298
7
8
48
48
90
147
300
641
85
57
70
117
109
203
20
25
48
111
132
304
11
20
36
15
97
8
13
13
35
17
100
179
16
21
38
36
68
5
12
31
39
93
7
9
23
10
9
4
10
24
10
49
6
11
11
21
2
8
11
28
8
22
9
10
7
19
10
39
9
10
20
6
9
24
0
11
11
1
10
11
3
8
3
8
0
12
0
0
0
0
0
13
0
0
0
Total
0
4
121
19
1137
852
3204
1769
1987
3175
2836
5162
20266

Nota: Primeira linha: valores observados à campo
Segunda linha: valores calculados pelo modelo de programação linear
Terceira linha: valores calculados pelo modelo gravitacional
Quarta linha: valores calculados pelo modelo gravitacional

Nos valores do modelo de Programação Linear o programador possuía noção do número de passageiros que embarcavam e desembarcavam em determinadas estações, este conhecimento contribuiu para a convergência do modelo.

O Método de Gravidade Restringido utiliza como restrição o valor tempo, distância ou valor da tarifa entre estações, porém os valores obtidos na tabela 1 foram calculados sem o conhecimento destas informações, admitiu-se que as distâncias entre estações eram constantes, e a partir desta premissa calculou-se os valores da matriz, obviamente os valores calculados poderiam estar mais próximos dos valores observados se as distâncias entre pontos fosse conhecida, pois estes valores auxiliam na calibração do modelo.

O Método Gravitacional utiliza apenas um analista, enquanto que na programação linear pode ser utilizado mais de um analistas para promover diferentes conjuntos de valores, e o procedimento de cálculo é repetido para cada conjunto de valores estimados. A média dos resultados pode ser usada como medida de agrupamento de passageiros na O-D.

A simplicidade, facilidade e a rapidez computacional do Método Gravitacional tornam-o mais atrativo quando comparado ao Método de Programação Linear, pois este requer conhecimentos de programação linear, maior número de interações para a convergência do modelo, conhecimentos prévios do comportamento dos usuários em alguns pontos ao longo da rota e da sensibilidade dos programadores para arbitrar valores a estes pontos,
 
 
 

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Endereços para correspondência:
Eric Amaral Ferreira ([email protected])
Eiji Kawamoto ([email protected])
Professor Associado
 
 

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