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RÁDIO DIGITAL: DECISÃO ANTES DA HORA?

           A tecnologia digital tem potencial para transformar o mais popular meio de comunicação do Brasil, o rádio. Áudio de melhor qualidade, serviços interativos, economia de potência na transmissão e a ampliação do número de emissoras são algumas das possibilidades futuras permitidas com a digitalização do setor.

           Porém, no que depender apenas dos interesses comerciais e de mercado, como vem ocorrendo até agora, o país poderá perder a oportunidade de democratizar o sistema de radiodifusão sonora. Está em jogo um mercado de bilhões de reais, que promete gerar novas oportunidades de negócios e movimentar a indústria de componentes eletroeletrônicos. Quatro consórcios internacionais disputam a preferência dos radiodifusores brasileiros para implantação da tecnologia digital sonora: o norte-americano Iboc (In-Band On-Channel), os europeus DAB Eureka (Digital Audio Broadcasting) e DRM (Digital Radio Mondiale) e o japonês ISDB-TSB (Integrated Services Digital Broadcasting - Terrestrial). A preocupação de entidades da sociedade civil é que, sem uma discussão pública, o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem deixado a definição, ainda que em caráter experimental, a cargo dos interessados na manutenção do status quo da radiodifusão sonora.

           Desde setembro do ano passado, a Anatel já autorizou 15 emissoras a realizarem testes com padrões digitais. Destas, 13 optaram pelo norte-americano Iboc. Apenas a Radiobrás e a Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) estão testando o padrão europeu DRM, e ninguém demonstrou interesse pelo DAB Eureka e pelo ISDB-T. As transmissões experimentais estão sendo realizadas em nove cidades e no Distrito Federal.

           No final de agosto deste ano, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, afirmou, em sua fala na abertura do Congresso da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET), em São Paulo, que o decreto de transição do sistema analógico para o digital poderá ser publicado até dezembro. O material de divulgação dos principais representantes do mercado radiofônico brasileiro na Feira Broadcast & Cable, paralela ao evento da SET, confirma que o assunto está mais do que decidido para algumas autoridades do governo e para o empresariado.


RELEVÂNCIA SOCIAL

           No entendimento de entidades da sociedade civil, as autorizações da Anatel podem criar uma situação de difícil reversibilidade, uma vez que as emissoras participantes dos testes estão importando equipamentos e configurando seus estúdios e estações de acordo com as especificações de um determinado padrão tecnológico - seja ele Iboc ou DRM. Procurada, a assessoria de imprensa da Anatel informou que a agência não se manifestaria sobre a questão. Segundo a assessoria, tudo o que há para ser informado está disponível no site www.anatel.gov.br . No Ministério das Comunicações, a solicitação de informações sobre a posição do governo a respeito do rádio digital no Brasil também não foi atendida.

           Mais de cem entidades da sociedade civil organizada formaram, em abril deste ano, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reivindica junto ao governo federal a criação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), para discutir a definição de um padrão tecnológico a ser adotado no país, que leve em conta o interesse social e a democratização da comunicação.

OPÇÃO CONSERVADORA

           Para quem defende a ampliação do número de canais como caminho para a democratização, o Iboc é considerado o padrão mais conservador. Além do alto custo de equipamentos para migrar para o digital (em torno de US$ 100 mil), a empresa iBiquity, detentora dos direitos de exploração da tecnologia, cobra licença no valor de US$ 5 mil, o que pode inviabilizar as pequenas emissoras e as rádios comunitárias. Por outro lado, a vantagem do Iboc, apontada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), está no fato de que permite a convivência dos canais AM e FM analógicos com o novo digital, sem que haja necessidade de mudar a freqüência no dial.

           "Nossos radiodifusores são conservadores. A opção pelo Iboc é a preservação do status adquirido ao longo dos anos, não muda nada", avalia a doutora em Comunicação Nélia Del Bianco, professora da Universidade de Brasília (UnB), para quem a forma como está se configurando o rádio digital o torna aquém do seu potencial inovador. "O Iboc não serve para as rádios comunitárias, e sem uma política governamental, dificilmente elas poderão se integrar ao modelo. Além disso, ninguém vai pagar US$ 5 mil por uma tecnologia proprietária", afirma a professora.

           "O Iboc é o padrão que as grandes emissoras querem e tentam impor", critica o coordenador de comunicação da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária no Rio Grande do Sul (Abraço/RS), Josué Franco Lopes. "Se isso ocorrer, excluirá as rádios comunitárias e as pequenas rádios comerciais", assegura. Para Lopes, surpreende a forma como está sendo definido o padrão digital para o rádio, por ser ainda menos democrática do que o processo da TV Digital. "Tínhamos a expectativa de que esse processo servisse para incluir e não para excluir a sociedade", destaca.

           Enquanto os radiodifusores comerciais antecipam-se à decisão do governo importando equipamentos e criando até consórcio para financiar a importação de equipamentos, a maioria das emissoras pequenas, públicas e comunitárias está marginalizada deste processo. Quase a totalidade delas não sabe como irá financiar sua transição para o mundo digital se o governo resolver implantar no Brasil a tecnologia norte-americana, mais cara que as demais, sem considerar outras opções e sem fazer um debate mais aprofundado sobre o futuro do rádio no País. Com base nas estimativas dos preços de mercado dos equipamentos o FNDC estima que a transição desta nova tecnologia com a adoção do padrão proprietário Iboc poderá custar R$ 15,7 bilhões ao cidadão e mais de R$ 1,3 bilhão às emissoras.

           Mais de um terço desta conta será paga pelas 2.548 rádios comunitárias que operam hoje com licença provisória ou definitiva. Atualmente, uma rádio de baixa potência pode ser constituída por menos de R$ 5 mil em equipamentos. O custo para uma rádio migrar para o padrão Iboc parte de R$ 60 mil. Isso se for trocado apenas o modulador, no caso de ser uma emissora ultra-moderna, que já opere com equipamentos compatíveis à tecnologia digital. Se tiver que instalar todos os equipamentos, a migração para o padrão digital Iboc parte de um mínimo de US$ 100 mil.

CASA DE FERREIRO...

           Uma das alegadas vantagens técnicas do padrão americano de rádio digital - permitir que a transmissão digital seja feita dentro da mesma faixa de freqüência analógica - foi seriamente arranhada nas últimas semanas. A empresa Ibiquity, proprietária do padrão Iboc, pediu à Comissão Federal de Comunicações, agência reguladora dos setores de radiodifusão e telecomunicações nos EUA, a ampliação do uso de espectro de 200 kHz para 250 kHz. O avanço de freqüência pode significar uma redução de cerca de 30% no total de canais FM hoje disponíveis naquele país.

           O custo da transição para o rádio digital no padrão Iboc é tão alto que nos Estados Unidos existe um fundo exclusivo para financiar a migração das rádios públicas. A linha é mantida pela Corporation for Public Broadcasting (CPB), uma entidade não-governamental sem fins lucrativos criada em 1967 que recebe recursos do orçamento federal para apoiar as despesas operacionais de mais de mil estações de rádio e televisão de caráter público em diversas localidades do país. A ela estão ligadas as três principais redes públicas dos EUA: a Public Radio International (PRI), a National Public Radio (NPR) e o Public Broadcasting Service (PBS).

PADRÃO NACIONAL

           A atual ineficiência na utilização do espectro de radiofreqüência, caracterizado como bem público e limitado, deve ser levada em conta na avaliação dos padrões digitais disponíveis, de acordo com Marcus Mahães, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo (SinTPq). Inúmeras solicitações de concessão não podem ser atendidas devido ao limite de canais admitidos no planejamento atual. A ampliação do número de emissoras, segundo Manhães, é fundamental para que novos atores possam informar e discutir temas de interesse público. "A concentração de emissoras nas mãos de políticos, grupos familiares e igrejas, muitas vezes sem compromisso com a função social da comunicação, prejudica a diversidade de visões de mundo, necessária para o desenvolvimento social no país", avalia. Manhães acha possível desenvolver tecnologia digital no Brasil. O SinTPq defende o desenvolvimento de tecnologia nacional para adoção nas faixas de freqüência de alcance regional. Para faixa internacional, Manhães propõe a adoção do padrão DRM como a melhor alternativa, "por ser um padrão aberto e que poderia ser desenvolvido com a ajuda do Brasil".

           Para o diretor de rádio da SET, Ronald Siqueira Barbosa, até pode haver condições técnicas para o desenvolvimento de um padrão digital brasileiro, mas a questão esbarraria nos custos elevados. "Temos US$ 500 milhões para investir em pesquisa e desenvolvimento? Não me parece que o governo esteja disposto a investir isso, até porque existem outras prioridades", argumenta, tomando como referência os valores que teriam sido gastos para o desenvolvimento do Iboc nos Estados Unidos.

ONDAS MÉDIAS EM VHF

           O Brasil pode estar definindo de forma apressada a transição do serviço de radiodifusão sonora, contribuindo para tornar os canais inacessíveis à entrada de novos atores, acredita o engenheiro eletrônico Higino Germani, diretor técnico da TV Educativa do Rio Grande do Sul. "O radiodifusor está sendo iludido. Existe muito interesse comercial envolvido e está se forçando a coisa", diz. Germani critica a opção da digitalização in band para o AM e defende que é possível a inserção de centenas de canais digitais no VHF da TV, eliminando antigas limitações técnicas da onda média e ampliando o número de emissoras em operação. "O plano da TV Digital não contempla os canais de 2 a 6 do VHF, que ficariam livres. Estamos nos precipitando na adoção do in band, uma vez que naturalmente abrirão novos canais", afirma. A proposta de Germani para a digitalização não contempla o FM, pois ele não acredita em melhorias significativas para esta faixa de freqüência.

FUTURO VEM DO ESPAÇO

           Definir o padrão de rádio de forma apressada, para garantir seus interesses imediatos, não irá livrar os radiodifusores comerciais dos riscos da transição tecnológica. Quanto menos debate houver em torno do tema, menos garantias terão as atuais emissoras sobre inovações que possam trazer perdas tão grandes quanto o valor da migração pelo padrão norte-americano.

           Os serviços de canais de áudio por assinatura via satélite já são uma realidade e em breve deverão cobrir a totalidade do território brasileiro com ofertas de pacotes de emissoras por uma mensalidade mínima. Assim como ocorre com o DTH na TV por assinatura, esta novidade que vem do espaço já é um fato nos países que fizeram a transição sem uma regulação mais efetiva que pudesse controlar este tipo de manobra para fugir do ordenamento jurídico da radiodifusão.

           A partir de acordos feitos com montadoras de automóveis, caminhões, aeronaves e barcos, cujos modelos saem da fábrica já equipados com receptores de cada operadora, pelo menos três serviços globais estão disputando mercado com emissoras convencionais nos Estados Unidos e na Europa.

           Instalado no Rockfeller Center, em Nova Iorque, e com três satélites dedicados às transmissões, o Sirius Satellite Radio oferece 125 canais digitais - sendo que em 67 não são veiculados comerciais - a quem puder pagar a partir de US$ 12,95 por mês (o valor cai pela metade se o usuário possui mais de um receptor). Pelo mesmo valor, seu concorrente, XM Satellite Radio, oferece mais de 170 canais com programação que vai de música a esportes, passando por notícias e previsão do tempo. Neste caso, a operadora preserva a sintonia das emissoras locais, apesar de garantir uma programação própria que pode ser captada de costa a costa, nos EUA.

           O principal provedor da Europa chama-se WorldSpace, está baseado em Washington e oferece serviços também para a Ásia, Oriente Médio e África. O serviço alcança 130 países e oferece 40 canais com programas em 17 línguas por US$ 6,99. Um receptor de rádio por satélite tem um preço que gira em torno deUS$ 200, mas já pode ser encontrado pela metade do valor, graças a descontos bancados pelas próprias operadoras dos serviços. Ignorar estas tendências é atitude temerária dos radiodifusores.

CONHEÇA OS PADRÕES INTERNACIONAIS DE TECNOLOGIA DIGITAL DISPONÍVEIS


Digital Radio Mondiale - DRM

           Na formação do consórcio DRM participaram alguns dos maiores radiodifusores e fabricantes de equipamentos internacionais, dentre eles: Radio France Internationale, TéléDiffusion de France, Deutsche Welle, Voice of America e a Thomcast. O consórcio DRM objetiva desenvolver um sistema de transmissão digital com adoção mundial em padrão não-proprietário para substituir os sistemas AM até 30 MHz, admitindo evolução tecnológica e orientado ao mercado.



In Band On Channel - Iboc (HD Radio)

           Padrão desenvolvido pela iBiquity Digital Corporation é totalmente elaborado em tecnologia proprietária. Faz transmissão simultânea dos sinais analógicos e digitais no mesmo canal, mas ainda não tem resultados conclusivos quanto à interferência em canais vizinhos. Os investimentos no Iboc têm suporte em bancos de investimento, indústria de componentes, equipamentos e fábricas de automóveis. O sistema está protegido por cerca de 40 patentes internacionais.



DAB Eureka 147 - Digital Audio Broadcasting

           O padrão permite que diversos provedores de conteúdo possam gerar suas programações e encaminhá-las para um operador de rede que providencia o empacotamento dos diversos programas em um único trem de bits e os transmite aos usuários. Embora a transmissão deva ser feita via satélite, o sistema admite uma retransmissão terrestre do sinal, na mesma freqüência, para melhorar a cobertura em áreas deficientes.



ISDB-Tsb - Integrated Services Digital Broadcasting - Terrestrial Segmented Band

           Padrão desenvolvido no Japão pode operar em conjunto com a televisão digital, se a modulação for o ISDB japonês. Foi concedido para ser robusto e flexível, inclusive para a recepção móvel. Tal como no DAB Eureka 147, o ISDB-Tsb sugere a transmissão de diversos programas por um único operador de rede, neste caso, vinculado ao transmissor que atende também o sistema de televisão.




Obs.: Matéria publicada na Revista do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação,
Revista MídiaCom Democracia,
ref. mês de Setembro/2006.



Colaboração de Ivan Dorneles Rodrigues - PY3IDR
e-mail: [email protected]  



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Publicado em 12 de outubro de 2006
Atualizado em 12 de outubro de 2006

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