B U R E A U   D O S   S E G R E D O S   P Ú B L I C O S

 

 

 

 

Comunalismo
Das Origens ao Século XX

 

15. Robert Owen

16. Josiah Warren

17. Brook Farm

18. Fourierismo

 

15. Robert Owen

Antes do século XIX, o comunalismo estava praticamente limitado a corporações religiosas milenárias. A primeira tentativa significante para formar uma comunidade puramente secular foi Nova Harmonia de Robert Owen. Owen nasceu em 1771, filho se um pequeno seleiro. Aos nove anos deixou a escola, e antes dos dezenove tinha se tornado gerente de uma fábrica de algodão em Manchester que empregava quinhentas pessoas. Essa fábrica tornou-se a melhor na Inglaterra, não apenas pela qualidade de seu produto, a primeira linha de algodão longa na Inglaterra, mas também pela eficiência de sua produção e o bem-estar dos trabalhadores.

Foi um período de tremenda expansão e de grandes lucros na indústria têxtil na Grã-Bretanha. Dentro de alguns anos o negócio de Owen, desenvolvido em um plano estritamente racionalista, tornara-se tão lucrativo que ele pôde persuadir seus sócios a comprar a maior fábrica de algodão na Inglaterra, a Nova Lanark nos bancos de Clyde na Escócia. A mão-de-obra total era ao redor de mil e quinhentos empregados, dos quais quase dois-terços eram mulheres, quinhentos eram crianças, pobres, e órfãos das favelas e orfanatos de Edimburgo e Glasgow, muitos deles com apenas cinco ou seis anos de idade.

Owen imediatamente melhorou as condições dos trabalhadores, elevou a idade mínima para dez, e progressivamente reduziu as horas de trabalho de treze ou quatorze, para dez horas e meia de trabalho por dia. Ele abriu uma loja geral que vendia bens e comida da melhor qualidade a baixo custo. Gradualmente ele começou a inibir a venda e o consumo de licor. Owen estabeleceu uma escola para crianças que se tornou não apenas a mais progressiva da Inglaterra, como também o berço de várias idéias que não seriam aceitas em nenhum outro lugar durante quase um século.

Nova Lanark não foi em nenhum sentido uma aventura utópica. Seu patriarcalismo iluminado operava dentro dos mais rígidos princípios empresariais, e resultou num lucro notável até mesmo nos anos de depressão. Era uma aldeia industrial de um tipo que ficaria comum depois de um século, especialmente nas indústrias quakers. Um bom exemplo na América é a cidade de Hershey, Pennsylvania, fundada por famílias menonitas processadoras de chocolate. Contemporâneo de Owen, Jebediah Strutt em Derbyshire operava uma moenda de uma forma bastante semelhante na cidade.

Owen via Nova Lanark como algo mais do que uma simples fábrica modelo. Owen era deísta, ecologista, e um moderado necessitariano. Ele acreditava que os seres humanos eram moralmente o produto de seu ambiente, especialmente de suas primeiras instruções, e que não poderia ser responsabilizado pelo seu comportamento defeituoso em sua vida posterior. A escola de Nova Lanark era mais importante para Owen do que qualquer outra coisa. Através de seus métodos educacionais ele esperava produzir um tipo completamente diferente de trabalhador.

As limitadas medidas de organização comunitária que Owen foi capaz de introduzir produziram uma mudança surpreendentemente rápida no caráter de seus trabalhadores. Quando ele assumiu Nova Lanark ela estava repleta de pobreza, doença, prostituição, promiscuidade, e alcoolismo. A disciplina rígida resultou em casas limpas, livres de verminoses, empreendimentos cooperativos, conferências e danças pela noite, previdência social, e eventual proibição de bebida; claro que as escolas desenvolveram uma transformação surpreendente em um tempo comparativamente curto. Logo um grande número de visitantes, alguns vindos do continente americano, estavam visitando o trabalho. Considerando que Owen demonstrava que seus métodos eram eminentemente lucrativos, Nova Lanark começou a por em prática uma definitiva reforma na fábrica, para depois transcrevê-las para as Atas da Fábrica. "Uma população inativa, suja, dissoluta, e bêbeda", narra Owen, "foi transformada pela aplicação de meios próprios em gente ordeira, limpa, e regular".

Do ponto de vista das teorias comunitárias de Owen, Nova Lanark teve falhas, ou pelo menos limitações. Estava longe da auto-suficiência. Havia vários mecânicos ligados à fábrica, e alguns pequenos artesãos, como sapateiros e alfaiates na cidade, mas a comunidade não proporcionava a si mesma mais bens e serviços. Além disso, faltava uma base agrícola, embora houvesse partilhas de jardins para quaisquer trabalhadores que quisessem. Também havia comunidades com refeitórios e lavanderias, mas as mulheres pareciam se ressentir com isso. A maioria dos empregados eram mulheres e crianças, de forma que muitos dos homens tinham que encontrar trabalho fora da comunidade. Havia apenas cerca de vinte gerentes, balconistas, e professores. Todo o resto eram proletários no sentido lato da palavra, analfabetos ou semi-analfabetos, com nada para vender exceto sua força de trabalho.

As escolas eram uma questão diferente. Aqui Owen tinha carta branca para fazer tudo que pretendia, apenas limitado pelas dificuldades dos primeiros anos do século XIX para encontrar professores capazes ou dispostos a levar a cabo suas idéias. Owen acreditava que as crianças não deveriam ser aborrecidas com livros, mas ensinadas por uma sinalização sensata e pela conversa familiar. O interesse natural da infância formava a base de seu método educacional. As crianças aprendiam jogando, dançando, brincando, cantando, e participando de "exercícios militares" (que nós chamaríamos de calistenias). Owen era um adepto apaixonado da dança, e os visitantes ficavam fascinados em ver as crianças dançando em seus saiotes escoceses, seus vizinhos escoceses presbiterianos ficavam enfurecidos por ele permitir os pequenos meninos dançar "sem calças compridas" como pequenas meninas. As danças noturnas para adultos era uma parte muito importante da disciplina social e da terapia de Owen, uma prática que aparentemente foi entusiasticamente bem recebida pelos trabalhadores, não há qualquer dúvida de que as conferências eram racionalistas, utilitárias, e radicais.

Embora Nova Lanark ganhasse dinheiro, freqüentemente outras empresas similares o perdiam, por duas vezes Owen achou necessário reorganizar os negócios e mudar seus sócios. Eles contestavam as bases morais (ou mais propriamente imorais) de seus métodos, especialmente seu deísmo, naqueles dias tendiam para o gnosticismo, e seu desdém pela religião organizada — atitudes que ele teimou em inculcar nos seus trabalhadores e nas crianças nas escolas. Tais princípios foram a causa de grandes problemas em sua carreira, embora de forma interessante, as objeções cresceram em vez de declinarem. A Era das Luzes desapareceu na Inglaterra sendo substituída por aquilo que mais tarde seria chamado de Era Vitoriana. Na reorganização final, ele foi capaz de afiançar apoio de vários radicais ingleses, inclusive Jeremy Bentham.

Na medida em que crescia a fama de Nova Lanark, Robert Owen tornou-se uma pessoa muito importante e em 1817 ele foi convidado a expor um relatório na Câmara dos Comuns curiosos por ouvir suas sugestões para reforma e para a “cura do pauperismo”. Naquele tempo Owen tinha levado muito em conta esses problemas e evoluiu para um sistema definido. Ele compartilhou das idéias de Ricardo e antecipou Marx na construção elementar de uma teoria envolvendo trabalho e valor. Ele rejeitou a teoria de Malthus da pressão crescente da população e, por conseguinte, do seu empobrecimento, o que ocorria era o contrário, ou seja, a produção capitalista resultava em subconsumo, daí o empobrecimento da população. Ele aceitou o aumento fixo no uso da maquinaria mas propôs limitar a difusão da industrialização, mantendo-a secundária na base agrícola das pequenas comunidades. Ele também propôs assentamentos de cerca de mil e duzentas pessoas em granjas coletivas de cerca de um acre por pessoa. Todos morariam em um edifício grande na forma de uma praça com um refeitório público. Cada família teria seu próprio quarto e cuidaria de crianças até a idade de três anos, depois desse tempo eles estariam aos cuidados da comunidade, embora seus pais pudessem ter acesso a eles. Todo trabalho deveria ser cooperativo e a produção comunalmente compartilhada. Deveria haver pequenas lojas com a melhor maquinaria disponível e artesãos suficientes para fazer cada comunidade largamente auto-suficiente, embora certas comunidades pudessem também se especializar na produção de artigos voltados para o comércio.

Acoplada a esta análise e plano racional havia uma tensão definida de milenarismo. Owen já estava começando a acreditar que a sociedade da forma como estava constituída estava condenada ao desastre e que os métodos capitalistas os quais Marx chamava de “período da acumulação primitiva” eram profundamente maléficos. Ele compartilhou do julgamento de Willian Blake das tenebrosas fábricas satânicas e chegou a imaginá-lo como um messias chamando para conduzir o homem a um Novo Mundo Moral.

É extraordinário como suas idéias foram bem recebidas. Os principais capitalistas, políticos, nobreza, e até mesmo o Duque de Leading, o pai da Rainha Victoria, se tornaram partidários entusiásticos. Infelizmente, a convicção de Owen de que os homens eram amoldados quase que completamente através do ambiente e que poderiam ser mudados alterando o ambiente em que viviam estava estreitamente ligado ao seu deísmo racionalista e à sua hostilidade a todas as formas de religião institucional. Assim, em uma grande reunião em Londres ele foi expulso e lançado em uma diatribe anti-religiosa, foi quando perdeu uma grande parte de seu apoio. É notável — considerando a tempestade de vozes que se elevariam na próxima geração, na plenitude da reação vitoriana — como tantas pessoas, mesmo figuras importantes do establishment, continuaram apoiando-o, e como muito desse suporte se estendia além das classes e da linha política. Seus seguidores não eram de forma alguma um bando de radicais. Na realidade, Owen, com seu profundo senso de responsabilidade da riqueza, poder, nascimento, e educação, e sua rejeição ao "livre empreendimento", pode realmente ser considerado um dos fundadores do toryismo radical.

Embora Owen encontrasse bastante apoio verbal e um simpático interesse, ele não encontrou a ação decisiva do Estado ou os assentamentos que ele ingenuamente parece ter esperado. Foram formados clubes owenites. Ele ganhou discípulos articulados que promulgaram suas idéias, e com o passar do tempo o movimento cresceu de tal forma que duraria três quartos de século. Eventualmente várias comunidades que encarnavam os princípios das suas determinações comunais projetadas, da Nova Lanark, ou ambos, foram estabelecidas. A maioria delas falhou dentro de um ano, mas por mais de uma geração as comunidades owenites continuaram sendo formadas na Grã-Bretanha. As que mais duraram foram as de Queenwood e as Blues Spring na Inglaterra, Orbiston na Escócia, e Ralahine na Irlanda. Essencial à vida de todas estas comunidades foram suas escolas onde o jovem maleável seria formado cidadão de um Novo Mundo Moral.

As comunidade owenites conduzem diretamente às aldeias cooperativas rurais da geração posterior, mas sua maior influência provavelmente foi na educação. A combinação especial das idéias de Owen com as idéias do reformador educacional suiço Pestalozzi estabeleceu o modelo progressista da educação britânica. Como vimos, um aspecto divertido era o entusiasmo de Owen pela dança. Aqui Owen parece ter descoberto instintivamente uma das forças mais importantes para o compromisso e para a comunidade — a orgia. Dançar era quase tão importante para ele como era para os shakers, pelos quais teve no princípio certo interesse, e dos quais ele aprendeu mais do que pode ter admitido.

Owen se deu conta da crescente resistência e da crosta férrea dos costumes na Grã Bretanha. Havia liberdade na América, e terra ilimitada no Novo Mundo. Seria possível construir o Novo Mundo Moral, e em uma sociedade aberta, flexível, seria bastante possível converter, através do exemplo bem sucedido, o país inteiro em um tempo relativamente curto. Owen decidiu fundar sua principal colônia dentro ou próxima à fronteira americana. Ele começou a se retirar da direção da Nova Lanark em 1828 depois de um longo período de atrito com seus sócios, livre de todas estas conecções, em 1825 foi comprar um local na América.

Em março ele começou a negociação para comprar Harmonia por cento e vinte cinco mil dólares — toda a colônia, aldeia, lojas, e terra — dos rappites; e em maio eles se mudaram para sua nova colônia na Pennsylvania, que se tornou até mesmo mais próspera do que Harmonia tinha sido. Caracteristicamente, Owen não tomou o cuidado de investigar suficientemente se os rumores em torno uma endemia de malária em Harmonia eram verdadeiros.

Owen e seus primeiros colonos tomaram posse em abril — trinta mil acres de terra, uma aldeia completa com cento e sessenta casas, igrejas, dormitórios, fábricas de farinha, fábrica têxtil, destilarias, cervejarias, um cortume, lojas de vários ofícios, mais de dois mil acres cultiváveis com dezoito acres de vinhedos e pomares, como também pastos e bosques.

Desde o princípio aquele homem que tinha sido tão sagaz, eficiente, cuidadoso na Nova Lanark parece ter sido acometido por uma falta verdadeiramente excepcional de bom senso. Ele começou visitando o oeste dos Estados Unidos, se dirigiu ao Congresso, conheceu o Presidente, e exibiu um grande modelo de sua futura colônia, que em grande parte se assemelhava àquela que planejou posteriormente, mas que nunca construiu, os falanstérios fourieristas. Ele foi ouvido com a mais séria atenção porque, naturalmente, nos primeiros anos do último século havia uma esperança generalizada de que seria possível fazer uma reviravolta radical no desenvolvimento da sociedade longe do capitalismo industrial que obviamente estava destruindo tanto os homens como os valores, e propositadamente guiar a sociedade a uma nova ordem moral de vida cooperativa e coletiva. O capitalismo, enquanto um sistema social, ainda tinha que desenvolver uma ideologia e uma propaganda de si próprio, e pelo menos um "consenso". Muitas das idéias de Owen e de sua terminologia especial derivam, na realidade, da maçonaria radical.

Em abril de 1825 Owen fez um comovido discurso para Nova Harmonia inaugurando a Era da Nova Ordem, e afirmou que em pouco tempo o exemplo de Nova Harmonia converteria o mundo civilizado. Em maio foi adotada uma constituição inaugurando a Sociedade Preliminar de Nova Harmonia, com Owen responsável pela comunidade durante três anos probatórios durante os quais todas as propriedades permaneceriam sob sua posse. Enquanto isso, ele fez um anuncio nos jornais convidando todos os homens de boa vontade a vir tomar parte na fundação da nova civilização! Eles vieram — em poucos meses mais de novecentos deles. Alguns deles convictos owenites. Alguns eram mecânicos qualificados, muito poucos eram fazendeiros experientes, a maioria das pessoas sérias eram intelectuais que nós chamaríamos de trabalhadores do colarinho branco. Não havia gente suficientemente preparada para operar os muitos empreendimentos deixados pelos rappites e nenhum esforço sério foi feito para recrutar tais trabalhadores posteriormente. Embora chegassem colonos às centenas, na realidade, Owen incrivelmente dedicou-se a fazer mais e mais discursos.

Durante o ano seguinte, foram fundadas mais de dez colônias owenites. Em New York, Pennsylvania, Ohio, Nashoba, Tennessee, tiveram sua importância histórica, mas dentro de um ano a maioria já tinha fracassado. Os líderes mormons podem ter aprendido com os erros de Owen. Eles sistematicamente recrutam ordenando seus missionários para falar e converter exatamente aqueles comerciantes e profissionais que necessitam para manter o auto-sustento da comunidade, com uma base de fazendeiros e de trabalhadores agrícolas. Eles enviavam seus missionários para converter os artífices que mais precisavam. Owen fez totalmente o oposto no que diz respeito a essa política. Ele dava boas vindas a qualquer um que chegasse. Nova Harmonia era o que hoje seria chamado de uma "comuna de portas abertas". Logo haveria um grande aumento na quantidade de maconheiros, vadios, malandros, marotos. Em suas viagens ele escrevia para seu filho em New Jersey sobre um imenso edifício comunal, no qual não havia nem trabalhadores nem material de construção, dando instruções para outros esquemas igualmente visionários e nada práticos. Seu filho respondeu com um desesperado pedido por mecânicos e fazendeiros experimentados.

Em janeiro de 1826 Owen foi obrigado a retornar com sua famosa “Barca do Conhecimento”, um grupo inteiro de intelectuais, alguns deles de importância bem considerável que teria sido um crédito para qualquer universidade européia, entretanto eles não eram as pessoas necessárias para construir a utopia na fronteira americana. O mais importante deles foi William McClure, o presidente da Academia de Ciências Naturais da Filadélfia, o “Pai da Geologia Americana” e defensor americano mais ativo do sistema pestalozziano de educação. Havia outros cientistas — Thomas Say, Gerard Troost, o famoso explorador Lesueur, o educador D’Arusmont, Madame Fretageot, e Frances Wright, uma das principais feministas e radicais de seu tempo. Também havia Josiah Warren, que tinha organizado uma orquestra e viria se tornar um dos fundadores do mutualismo anarquista, e que já tinha antecipado muitas teorias que posteriormente se identificaram com Proudhon.

McClure, D’Arusmont, e Madame Fretageot imediatamente organizaram uma escola. Dentro de pouco tempo alguns dos colonos se dividiram para formar um estabelecimento chamado McCluria, interessado quase que exclusivamente com educação, ignorando problemas econômicos, agricultura, e indústria. Em 25 de janeiro eles adotaram uma nova constituição. Owen retirou-se enquanto “ditador”. A colônia foi reorganizada na base de um completo comunismo, com assembléia geral de todos os sócios, e com a autoridade encarnada em um comitê executivo de seis pessoas. O trabalho estava longe de ser recompensado por seu valor à comunidade, mas todos os bens estavam igualmente a disposição de todos os membros. Owen montou um tipo de caixa pública de dinheiro, não contrariamente ao que foi feito em M�nster, da qual qualquer sócio poderia tirar à vontade, mas isto foi logo abandonado pois pessoas sem escrúpulos a esvaziavam diariamente. Dentro de duas semanas Nova Harmonia obviamente estava desabando, e a assembléia por voto de maioria implorou para que Owen retomasse a autoridade. Os piores marotos e preguiçosos se retiraram sob pressão e um esforço foi feito para a produção nos campos e lojas. Dentro de um mês outro grupo se retirou. Eles eram principalmente fazendeiros que vieram com Owen da Grã Bretanha, que contestaram sua proibição à bebida alcoólica. Eles nomearam sua colônia de FeibaPeveli, de acordo com um sistema inventado por um inglês excêntrico, Whitwell, no qual uma cifra representava a latitude e a longitude de qualquer lugar determinado. New York era OtkeNotive, e Londres era LafaVovutu.

A fragmentação do estabelecimento continuou com uma nova constituição em abril, e outras três durante o verão. Cada cisma foi concordado em algum lugar na propriedade. Sempre que o ritmo diário das crises alcançava seu cume, a solução de Owen era fazer um discurso e adotar uma nova constituição. Em quatro de julho de 1826 ele persuadiu a comunidade a adotar uma “Declaração de Independência Mental” que denunciava a religião, o matrimônio, e a propriedade privada — todas estas coisas conduziram a cismas adicionais e mais sérios. Ao final do ano a euforia de Owen estava começando a minguar, e no começo de 1827 grande parte da cidade estava pontilhada de casas e lotes a venda, e de pequenas empresas e estabelecimentos privados inclusive casas de gim. Em março oitenta pessoas partiram para começar uma comunidade perto de Cincinnati. A vida comunal tinha vindo abaixo. As cozinhas comunitárias, refeitórios, centros de recreação, auditório, armazéns, e silos foram todos abandonados. A escola, contudo, continuou e de uma ou de outra forma sobreviveria, era lá que os colonos remanescentes tomavam suas refeições e levavam a vida comunitária da maneira como podiam. Deixando seu filho Robert Dale no cargo, Owen saiu para um tour de palestras, com o maior otimismo, sobre o desenvolvimento de mais comunidades owenites. Mas quando ele chegou a New York tomou um navio para a Inglaterra e nunca mais retornou. A primeira comunidade comunista secular estava morta e Owen tinha perdido um quarto de milhão de dólares, embora a maioria das propriedades permanecesse administrada pelos seus filhos. Foram formadas algumas outras colônias, em locais tão distantes quanto Wisconsin, então uma selva, mas antes de 1830 todas tinham deixado de existir. Owen iria se tornar um líder do radicalismo britânico, um pai fundador do moderno sindicalismo e do movimento cooperativo, e uma forte influência no desenvolvimento de aldeias cooperativas britânicas — “garden cities”. Em sua velhice ele tornou-se espiritualista.

Diante desta crua narrativa da breve vida de Nova Harmonia enquanto colônia comunista é difícil compreender sua influência e importância histórica. Owen fez praticamente tudo errado. Ele comprou um assentamento já montado, de forma que os colonos não tiveram em nenhum sentido de construir algo para eles próprios. Ele pegava qualquer um que chegasse, e a maioria desses homens que chegavam tinham pouco ou nenhum compromisso com suas idéias ou com os propósitos da colônia. Não havia nenhum vínculo que ligasse seus membros para que pudessem permanecer juntos. Cada pessoa era uma sua própria lei, e cada um discordava de cada um nos princípios mais fundamentais e nas práticas mais ordinárias. Nenhuma tentativa foi feita para manter os marotos do lado de fora, os excêntricos, e nem mesmo, a julgar pelos registros, pessoas com sérias doenças mentais. Não apenas a maioria dos colonos não compartilhava das idéias de Owen, a maioria dos membros mais valiosos, os trabalhadores e fazendeiros, antagonizavam suas idéias sobre religião e casamento, idéias compartilhadas apenas por uma minoria de intelectuais. Os empregados de Nova Lanark, na Escócia, não eram mais do que isso, empregados, e a disciplina última era o controle de seu trabalho — além do mais, eles poderiam ser despedidos.

A ditadura de Owen de Nova Harmonia era destituída de poder pelo seu próprio desejo. Questões de disciplina eram lançadas em encontros gerais, cujas decisões eram inexeqüíveis. Muitos dividiram a colônia ou simplesmente a deixaram, mas poucos foram expulsos. Houveram conferências, concertos, danças, mas não havia nada que mantivesse os colonos juntos e que os ligasse a um compromisso como as reuniões confessionais dos grupos religiosos. Owen introduziu uma espécie de vestimenta que seria o uniforme da comunidade, mas apenas uma minoria o usou, não havia nenhuma outra técnica que levasse o grupo a uma auto-identificação. No momento em que os rappites venderam Harmonia para Owen, os rappites haviam se tornado uma economia fechada quase auto-sustentada e com um excedente para o mercado externo que os estava enriquecendo. Owen não tinha nenhum trabalhador com as habilidades necessárias para operar as fábricas rappites, e nenhum método seguro que assegurasse que as pessoas fizessem mesmo o trabalho que se esperava delas.

Contudo, Nova Harmonia não foi um total fracasso. Ela certamente proveu um exemplo, embora raramente percebido, do que não fazer na organização de uma comunidade comunalista secular. Mas também apresentou à América métodos educacionais que influenciariam profundamente toda educação pública, pelo menos no Norte, o que contribuiu para que o sistema escolar da Indiana se tornasse por três gerações o mais progressivo dos Estados Unidos. Robert Dale Owen entrou na legislação de Indiana e foi responsável por dar às mulheres casadas o controle de suas próprias posses e pela instituição do livre divórcio e alteração das leis de herança que então prejudicavam as mulheres. Os irmãos de Owen também tornaram Nova Harmonia um dos primeiros focos de atividade científica. Em 1839 David Dale Owen foi designado geólogo norte-americano e Nova Harmonia foi apontada como sede de pesquisa geológica dos Estados Unidos, tornando-se um fundador do Instituto Smithsoniano. A partir da Biblioteca e do Instituto Workingmen instituições similares se espalharam pelo país afora — até hoje ainda existe um deles em São Francisco — a partir dessas instituições se disseminaram as bibliotecas públicas gratuitas.

Apenas duas das muitas colônias afiliadas de Nova Harmonia tiveram importância histórica: Nashoba, fundada por Frances Wright, e a sucessão de experimentos conduzidos por Josiah Warren. John Humphrey Noyes, o líder da colônia Oneida, referindo-se a Frances Wright, disse: “Ela realmente foi a pioneira das mulheres progressistas”. Ela foi não apenas a principal mulher no começo do comunismo secular, ela foi essencialmente a fundadora do movimento anti-escravista secular e dos direitos das mulheres. Até mesmo hoje ela seria considerada uma feminista radical. Seu interesse pelos rappites de Harmonia precedeu ao de Owen. Ela visitou vários assentamentos shakers e outros agrupamentos comunalistas, entrevistando seus líderes, e estudando seus problemas. Ela também viajou pelos estados sulistas discutindo seus grandes planos com agricultores e políticos. Ela foi certamente uma mulher extraordinária. Ela esperava estabelecer uma colônia comunista conduzida por pessoas brancas e por negros livres, mas formada principalmente por escravos comprados por ela ou doados por traficantes de escravos, o pagamento da compra dos escravos seria coberto com metade daquilo que produziriam — assim, eventualmente os escravos estariam comprando sua própria liberdade. Ela acompanhou Owen em Nova Harmonia, participou da formação da comunidade e partiu em 1826, antes da desintegração. Ela comprou dois mil acres, principalmente nos bosques pantanosos do Rio Lobo, a treze milhas de Memphis, Tennessee, e estabeleceu-se com muitas famílias de negros, incluindo quinze trabalhadores ativos que ela também comprou. Também houve um certo número de brancos, entre eles D’Arusmont de Nova Harmonia, a família de George Flower, sua irmã mais nova Camilla Wright, e um comunista vagante, James Richardson.

No princípio havia apenas duas cabanas, uma para os escravos e outra para os brancos, Frances e Flower eram os únicos brancos, mas no curso do inverno desceram outros trazendo uma shaker, Richesson Whitby. Frances deu de cara com um tempo muito ruim em Memphis, mas quanto tempo melhorou a terra pode ser limpa. Logo que as plantações começaram a crescer, ficou evidente que o local estava infestado pela malária. Frances, exaurida pelo trabalho braçal, pegou a doença e quase morreu. Ela foi até Nova Harmonia por um tempo para "respirar um ar melhor". Nova Harmonia, naturalmente, também estava infestada com malária. Nessa época ela começou um atribulado relacionamento de amor com Robert Dale Owen. Enquanto isso ela escrevia e dissertava sobre amor livre, um novo entusiasmo. Não demorou muito foi descoberta pelos jornais que estabeleceram ligações de sua defesa do amor livre com a colônia interracial de Nashoba, e ela se tornou a princesa de Belzebu. Antes que Frances visitasse seu amigo Lafayette na França, ela e Robert Dale Owen desceram até Nashoba onde ele esperava viver “uma vida de puro lazer”. Owen ficou horrorizado com a pobreza e a desordem de Nashoba e decidiu ir à Europa com ela. Ele resolveu os problemas de Nashoba, da mesma forma que resolvia os de Nova Harmonia, preparando uma nova constituição. Lafayette, Camilla Wright, e Owen, as pessoas brancas de Nashoba, e William McClure se tornaram os fiduciários e Frances deu-lhes o título de propriedade, tudo que ela possuíia e a propriedade dos escravos. Quanto aos demais, foram convidados a "investir" na aventura doando dinheiro, propriedade, ou trabalho. Teoricamente os escravos tinham os mesmos direitos como todo mundo, mas na realidade eles não passavam de escravos. Noyes comparou-os aos helotes da velha Esparta, com a diferença de que eles eram submetidos a contínuas dissertações sobre comunismo, igualdade racial, e amor livre.

Owen e Frances partiram de New Orleans. George Flower partiu, aborrecido, e Whitby tomou seu lugar. Antes de embarcar, Frances deu conferências nas quais defendia o amor livre e a miscigenação, segundo ela, uma mistura das raças se adequaria melhor ao clima do sul. A imprensa delirou, o público gritava, mas alguns a levaram a sério e a escutavam. O fato dela não ter sido agredida ou linchada é uma indicação da compreensão do público americano nos anos 1820, bem diferente da geração seguinte. Em New Orleans recrutaram também vários membros negros, entre eles Mam’selle Lolotte, com várias crianças, inclusive uma filha crescida, Josephine. Mam’selle Lolotte assumiu a escola, de forma que todas as crianças eram tomadas de seus pais e colocadas sob seus cuidados. Isso provocou um amargo ressentimento nos escravos, que se tornaram crescentemente antagônicos aos negros livres e aos de pele mais clara. Whitby e Camilla Wright se casaram e Richardson e Josephine começaram a viver juntos, e Richardson deu uma conferência sobre amor livre e miscigenação..

Os extratos do diário da colônia, cheios de coisas como estas, foram enviados por Richardson para um jornal abolicionista, O Gênio da Emancipação Universal (The Genius of Universal Emancipation). Os jornais americanos, britânicos, e continentais pegaram a história e Nashoba tornou-se um escândalo internacional. Camilla respondeu atacando publicamente o matrimônio e declarando que a conduta de Richardson teve a aprovação de todos em Nashoba. Até mesmo Frances declarou que Camilla e Richardson haviam agido como tolos. Ela retornou da Inglaterra sem convencer ninguém, mas veio acompanhada de sua amiga, a senhora Trollope, que planejava visitar os Estados Unidos em busca de oportunidades empresariais para seu marido, preferivelmente no oeste, possivelmente no Cincinnati. A senhora Trollope chegou a Nashoba no Natal e ficou horrorizada com o que viu, cabanas impropriamente construídas, inatividade, desordem, sujeira, e doença. Além disso, Camilla estava seriamente acometida por malária. Quando a senhora Trollope partiu, trouxe Whitby e Camilla consigo até Nova Harmonia, Richardson separou-se de Josephine e juntou-se a eles. Frances preparou uma nova constituição, contratou um inspetor branco, e igualmente partiu para Nova Harmonia. Nessa época ela e D’Arusmont se apaixonaram, Frances dissertou em Cincinnati para algumas comunidades. Ela se tornara uma sensacional conferencista, suas idéias se tornavam mais radicais na medida em que Nova Harmonia e Nashoba se desintegravam. Ela e Robert Jennings fizeram um tour de conferências pelo país; as atividades de Nova Harmonia passaram a ser divulgadas em The Gazette, com Jennings, D’Arusmont, Frances, e Robert Dale Owen produzindo e imprimindo os textos. Eventualmente transferiram o jornal para New York, renomeando-o como The Free Inquirer. Nashoba estava desesperadamente desmoralizada. Frances e D’Arusmont levaram os escravos para o Haiti e os libertaram. Uma vez livres, inclusive Mam’selle Lolotte, nunca mais se ouviu falar deles. Frances partiu para outras aventuras. Ela se tornou poderosa no Partido dos Trabalhadores (Workingman’s Party). Camilla morreu logo após perder seu bebê. Frances e D’Arusmont foram à França onde se casaram e tiveram uma filha, Frances Sylvia. Retornaram à América e Frances, contra a vontade de D’Arusmont, retomou suas conferências tornando-se líder no movimento pelos direitos das mulheres. Eles se desentenderam, D’Arusmont retornou à França, e eventualmente se divorciaram. Em 1852 ela escorregou no gelo em Cincinnati, quebrou o quadril e morreu, provavelmente de pneumonia. Em apenas cinqüenta e seis anos ela viveu uma das vidas mais significativas de qualquer mulher na história.

 

16. Josiah Warren

De todas as pessoas notáveis que se associaram à Nova Harmonia, a mais notável foi sem dúvida Josiah Warren. Se ele tivesse sido um general, político, ou um capitalista, ele teria sido um dos americanos mais famosos. Ele era um homem genuinamente universal — músico talentoso com habilidades em vários instrumentos, oficial qualificado em vários ofícios, importante inventor, economista, filósofo, e fundador do anarquismo individualista americano — pelo menos enquanto movimento, uma vez que Thoreau era individualista demais para ser o fundador de um movimento.

Warren nasceu em Boston em 1798 da famosa família Pilgrim. Pouco se sabe do começo de sua vida, mas em sua adolescência ele já estava ganhando dinheiro como músico profissional. Aos vinte casou-se e migrou para Cincinnati, a capital da fronteira, onde trabalhou com uma orquestra, como maestro e professor de música. Como gasolina e sebo eram escassos, ele inventou um abajur que queimava banha que produzia uma iluminação melhor; logo ele montou uma fábrica de lâmpadas tornando-se um homem moderadamente bem de vida. Em 1825 ele vendeu a fábrica e acompanhou Owen entre os primeiros colonos de Nova Harmonia onde se tornou o líder da banda e professor de música na escola — as duas únicas instituições que deram certo em Nova Harmonia. Ele também exerceu a função de diagnosticador e conselheiro técnico geral. Além disso ele foi uma das poucas pessoas na colônia com algum conhecimento ou prática em mecânica. Sua filosofia sempre tinha sido a de que o melhor modo para entender um processo era aprender a fazê-lo. Em Nova Harmonia ele iniciou seu interesse pela impressão. Em 1827, com a desintegração de Nova Harmony, ele retornou para Cincinnati. De todos os colonos, ele era o único, pelo menos em uma posição principal, que parece ter aprendido qualquer coisa. A maioria deles, como Frances Wright, foram sentenciados a repetir os mesmos enganos e loucuras em repetidos desastres. Quase todos os críticos de Nova Harmonia disseram que o que faltava era uma forte liderança, disciplina, e compromisso — um governo forte. Warren tinha chegou a uma conclusão diametralmente oposta. Nova Harmonia sofria de um desordenado exercício de liberdade e da instabilidade da autoridade de Owen. No princípio do like cures like, ele estava convencido de que a base de todas as futuras reformas precisava ser a mais completa liberdade individual. “O homem busca a liberdade como o ímã busca o polo ou a água o nível”, escreveu, “e a sociedade não pode ter nenhuma paz enquanto todos seus membros não forem realmente livres”. Mas tal condição não era realizável sob aquela organização e idéia existente na sociedade. Novas visões teriam que substituir as visões do passado. Para a futura nova sociedade eram necessários novos princípios. O primeiro dos quais era uma “individualidade individual”. A soberania de todo indivíduo tinha que ser o tempo todo mantida inviolável. Todo mundo necessariamente era livre para dispor de sua pessoa, de seu tempo, de suas posses, e de sua reputação da forma como lhe agradasse — mas sempre às suas próprias custas.

Warren tinha desenvolvido um sistema econômico bem compreensivo baseado na teoria do valor do trabalho, no princípio adotou uma interpretação mais rígida, algo como a teoria de Marx, ou até mesmo como a teoria de Engels da força de trabalho como algo distinto do trabalho em si — onde todo tempo de trabalho era considerado equivalente. Depois, aprendendo a partir daquilo que era em certo sentido um experimento científico controlado, ele passou a acreditar em uma limitada escala de valores baseada na habilidade. Warren tinha uma mente de cientista e de inventor. Ele pôs imediatamente em prática as idéias que tinha desenvolvido a partir das experiências de Nova Harmonia.

No dia 18 de maio de 1827, uma data histórica, ele abriu uma pequena loja geral na esquina da rua Cinco com a rua Elm em Cincinnati. Ele a chamou de Equity Store (Loja da Equivalência). Assim que as pessoas descobriram sua loja ela se tornou o negócio de varejo mais popular da cidade, ficou famosa por causa de seu método de computar o preço como uma "loja do tempo". O preço era baseado no princípio da troca equânime de trabalho, medido pelo tempo gasto em sua fabricação e trocado por outras espécies de trabalho. Todos os bens estavam marcados com seu custo mais elevado, usualmente em quatro por cento. Este foi, incidentalmente, o primeiro negócio na forma de self-service. O cliente escolhia o que queria, ia até o balconista, que computava o tempo gasto em sua fabricação, e o cliente pagava por ele, por exemplo, dessa forma, "devo a Josiah Warren trinta minutos de trabalho na carpintaria, John Smith", ou, "devo a Josiah Warren dez minutos de trabalho de costura, Mary Brown".

Os clientes pediam as coisas que eles precisavam, e que eram postadas a cada manhã. Os artífices e fazendeiros traziam seus bens conforme a lista de necessidades e os trocavam por outros bens ou por notas de trabalho, de acordo com a lista de custo e tempo de trabalho para todos os artigos relacionados. Além desses simples arranjos não havia praticamente nenhuma outra regra ou regulamento. A loja funcionou automaticamente como um mercado cooperativo para compradores e vendedores e como uma bolsa de mão-de-obra e uma agência de emprego. A primeira semana movimentou apenas o valor de cinco dólares em negócios, mas em pouco tempo a loja estava prosperando. A coisa notável é que os artesãos e profissionais altamente qualificados estavam dispostos a trocar seu trabalho nesta simples base de tempo, embora posteriormente Warren modificasse um pouco este seu arranjo. A loja veio também a funcionar como um sindicato de crédito sem juros, e empréstimos em trabalho, em mercadorias e eventualmente em dinheiro, se absolutamente necessário, era feito sem juros e nenhum outro encargo senão o custo da mão-de-obra aplicada. Warren pode eventualmente embarcar na aventura de uma cooperativa de propriedade real, baseada em fundos de trabalho, dinheiro, e custo em tempo. Todas estas coisas ocorreram quando Pierre Joseph Proudhon, geralmente considerado como o fundador da anarquia individual, do crédito mútuo, e da bolsa de mão-de-obra cooperativa, ainda era um menino na escola. Warren não apenas antecipou Proudhon, como também foi um pensador e um escritor bem mais perspicaz, e um homem que testava todas suas teorias pela prática. Marx tinha razão sobre Proudhon. Ele foi um pensador confuso e um escritor confuso, bem distante de ser um homem prático.

Depois de três anos da bem sucedida operação da Loja do Tempo, Warren decidiu que ele tinha provado seu ponto de vista, a experiência científica tinha confirmado a hipótese, e em 1830 ele encerrou o negócio e foi para New York trabalhar com Robert Dale Owen e Frances Wright no The Free Inquirer. Em aproximadamente seis meses ele retornou a Ohio. Nos próximos anos ele tentou fundar comunidades que nunca foram iniciadas devido a fatores além de seu controle. Ele abriu outra “loja do tempo” em New Harmony, e paralelamente, produziu lucrativas invenções em impressoras, culminando com a primeira impressora rotativa. Em 1847 ele assumiu a liderança de um falanstério fourierista em Ohio, a aproximadamente trinta milhas de Cincinnati, que ele renomeou de Utopia. Operou durante aproximadamente quatro anos até que os colonos a venderam com lucro e migraram para Minnesota, e nunca mais se ouviu falar deles.

Em 1850 Warren transferiu-se para a cidade de New York e uniu forças com Steven Pearl Andrews, que tornou-se o propagandista chefe dos princípios de Warren. Estes incluíram a soberania do indivíduo, custo limite de preço, comércio eqüitativo, e eventualmente o banco mútuo: em outras palavras, a teoria bem-desenvolvida do anarquismo individual ou mutualismo que sobreviveria como um pequeno movimento até o século XX, e que funcionou bem melhor como uma teoria geral de livre associação do que o sistema semelhante de Proudhon.

No mesmo ano Warren, Andrews, e outros começaram a comunidade dos Tempos Modernos, agora chamada de Brentwood, em Long Island, aproximadamente quarenta milhas de New York. Devido aos princípios de Warren, é fácil confundir Tempos Modernos com um desenvolvimento de real-propriedade cooperativa. Cada família possuía sua própria casa e não havia qualquer forma regular de governo. Onde Nova Harmonia tinha falhado, devido a sua política de portas abertas e a longa luta entre a autoridade de Owen contra o partidarismo de excêntricos e o parasitismo de vadios. Tempos Modernos de Warren resolveu estes problemas ignorando-os, sem exercer nenhuma autoridade. Os excêntricos e vadios vinham, mas em pouco tempo iam embora. O comunismo de consumo foi assegurado por uma "loja do tempo", mas a colônia nunca pôde alcançar o comunismo de produção exceto na agricultura. Nunca havia capital suficiente para começar um negócio industrial próspero. Uma fábrica de papelão foi experimentada e teve bastante êxito por alguns anos mas foi descartada no pânico financeiro de 1857. A colônia realmente nunca morreu, mas lentamente perdeu seu brilho para tornar-se uma aldeia modelo no subúrbio de New York. Em sua velhice Warren mudou-se para Boston e lá morreu em 1874 com 76 anos. Na próxima geração o movimento que ele fundou foi pequeno mas de significante valor para o radicalismo americano. A voz principal do anarquismo individual e do mutualismo foi Benjamin R. Tucker, autor de In Place of a Book, by a Man too Busy to Write One, [Em Lugar de um Livro, por um Homem muito Ocupado para Escrever Um], a melhor exposição do anarquismo individual, cujo magazine Liberty durou até o século XX; os princípio de organização comunitária de Warren foram adotados em uma forma modificada por várias aldeias comunalistas tanto na Grã-Bretanha como na América. Associações bancárias mútuas sobrevivem até os dias de hoje.

 

17. Brook Farm

Durante os anos 1840, o movimento comunal alcançou um desenvolvimento que não atingiria novamente até depois da Segunda Guerra Mundial. Aventuras que davam a si mesmas o nome de comunal foram iniciadas a uma taxa de pelo menos cinco a dez a cada ano. A maioria delas tiveram uma vida extremamente curta, e muitas, por exemplo, Amos Bronson Alcott, realmente não eram comunas coisa alguma, mas uma espécie de comunidade empobrecida ocupada por um punhado de excêntricos.

Foi uma década de fermento revolucionário ao longo do mundo Ocidental, um tempo descrito por Marx e Engels como mais um terrível capítulo da primitiva acumulação de capital. Quando as fábricas satânicas chegaram com sua força total, os seres humanos civilizados recuaram em todos os lugares com ira e horror diante das conseqüências da primitiva industrialização, a resposta dada pelos economistas e filósofos foi de que a liberdade individual desenfreada garantiria que a miséria de cada um resultaria no bem de todos. Em 1848 a revolução varreu a Europa. Mas as classes governantes se amedrontaram; e permitiram que os movimentos de reforma conquistassem alguns de seus objetivos lentamente, um a um.

Nos Estados Unidos, pareceu durante algum tempo que o sonho americano de uma sociedade cooperativa livre poderia prevalecer. Essa esperança foi encarnada claramente no trabalho de Walt Whitman. Entre os transcendentalistas da Nova Inglaterra e nas franjas do movimento abolicionista as demandas para mudanças que se espalhavam na sociedade pelas roupas, relações sexuais, governo, economia, educação, e a total reversão de valores foram universal e trivialmente aceitas pela primeira intelligentsia radical da América. (Os pais fundadores eram cavalheiros intelectuais radicais).

A partir do pânico de 1837, uma série de crises econômicas desencadearam um ciclo de crescimentos e colapsos que duraram até a Guerra Civil. A instabilidade econômica e a luta crescente em cima da escravidão intensificou o senso da crise e alienação, não apenas entre os intelectuais, mas espalhou-se por toda a população. O Segundo Império de Louis Napoleon, com seus gestos primitivos por um Estado corporativo, abortou o movimento revolucionário na França. Na América a Guerra Civil encerrou o tempo de esperança revolucionária, mas também freqüentemente se esquece em nossos dias que os intelectuais, os radicais, e os abolicionistas não apenas entraram na Guerra Civil pensando que se tratava de revolução, como saíram dela pensando que tinham ganho. Whitman não foi a única pessoa que teve que aprender lenta e dolorosamente que o sonho americano não ia se realizar em sua vida e nem possivelmente na vida de ninguém. A América não lutou duas ou três grandes guerras, cada uma delas das mais sangrentas da história, para salvaguardar o mundo democrático. É importante compreender que a radicalização de grandes seções da população educada e do proletariado qualificado foi pelo menos intensa e disseminada proporcionalmente de forma similar ao movimento dos anos 1960. A maioria das idéias tão populares no período posterior parte da ideologia aceita no período anterior.

Brook Farm deve sua importância histórica ao fato de que não foi uma experiência de excêntricos obscuros, ou de que a maioria das pessoas chamaria de fanáticos religiosos. Brook Farm foi uma tentativa cuidadosamente desenvolvida para escapar do controle da sociedade dominante, por membros representativos da elite intelectual.

No verão de 1841, o Reverendo George Ripley, que era então editor do The Dial, e membro do Clube Transcendental, e um recente apóstata da Igreja Unitária (ele achou seu dogmatismo vestigial muito estreito), propôs no círculo dos Transcendentalistas de Boston a fundação de uma sociedade comunal. O projeto seria financiado pela venda de ações a cem dólares cada unidade. Cada acionista se tornaria membro. Ripley visitara os shakers e outras comunidades religiosas e tinha entrevistado particularmente os membros de Nova Harmonia e outras comunas seculares. Ele esperava evitar os enganos que tinham conduzido ao fracasso e incorporar em uma base secular aqueles métodos que tinham produzido sucesso. Os colonos combinariam em cada membro tanto o trabalho mental como o trabalho físico. Inicialmente todo mundo trabalharia na fazenda, na loja de ofícios e na pequena fábrica, onde se esperava que se desenvolvessem, compartilhando tudo no trabalho doméstico da cozinha, limpeza, e cuidado das crianças. Uma das ostentações mais orgulhosas de Ripley era a de que eles tinham “abolido a servidão doméstica. . . fazemos tudo livremente por amor aos deveres que são normalmente descarregados nas empregadas domésticas”, uma declaração cuja ingenuidade indicava a composição de classe de seus membros. Todo trabalho (físico ou mental) seria pago a uma taxa de um dólar por dia tanto para homens como para mulheres. Moradia, combustível, roupa, e comida, tudo era produzido na fazenda ou comprado cooperativamente para racionalizar os custos.

Como na maioria das comunas seculares, havia uma forte ênfase na reforma radical da educação, com “perfeita liberdade de relacionamento entre os estudantes e o corpo pedagógico”. Não havia nenhum momento de estudos rígidos e o tempo das crianças era dividido entre escola, trabalho nos campos ou em casa. No curso dos eventos, a colônia atraiu fazendeiros experientes, carpinteiros, sapateiros, impressores, como também vários professores. Inicialmente os diretores agrícolas foram Charles A. Dana e Nathaniel Hawthorne, nenhum dos quais sabia nada sobre cultivo e para os quais o trabalho físico era tão exaustivo que tornava o esforço intelectual impossível.

No princípio havia apenas vinte membros. A maioria deles principalmente transcendentalistas, exceto John S. Dwight, Minot Pratt, George Partridge; Bradford e Warren Burton que estavam entre os acionistas originais, eram cépticos; Ralph Waldo Emerson permaneceu antagônico até o fim, ele se referia à Brook Farm como “um perpétuo piquenique, uma miniatura de Revolução Francesa, uma Idade da Razão em uma panela de empanada”, uma declaração completamente injusta. A maioria das pessoas se conhecia mutuamente antes de vir para a fazenda, e embora o evangelho do transcendentalismo — uma combinação de secessão radical de unitarianismo e universalismo misturados com evolucionismo, monismo, pragmatismo, humanismo, e um interesse no recém descoberto misticismo da Índia — pudesse nos parecer amorfo demais para inspirar um compromisso de fé, não parecia assim para eles.

Para o fazendeiro puritano da vizinhança, Brook Farm era uma iniquidade secreta, uma Babilônia plantada em seu meio. Para os colonos que vieram das bases congregacionalistas, os membros de sua própria categoria pareciam totalmente irreligiosos. Eles jogavam croque ou iam a piqueniques no sabbath, e as sócias femininas mais soltas igualmente tricotavam e cozinhavam. O próprio Ripley era um homem intensamente religioso com bastante sabedoria conquistada pela sua experiência pastoral. Ele era imperturbavelmente bem humorado diante de contenções e frustrações entre seus seguidores. Seu modo tranqüilo parecia emanar um poderoso e forte carisma suficiente para unir a colônia e mantê-la em um curso seguro.

No princípio havia apenas vinte sócios e nunca mais do que oitenta, mas aqueles que ficavam trabalharam juntos com entusiasmo e um mínimo surpreendente de pugnacidade. Brook Farm poderia dizer que não era comunista, mas um empreendimento cooperativo, contudo os aspectos cooperativos eram largamente administrativos, e a pequenez, coesão, e entusiasmo fizeram dela, na realidade, uma comuna. Economicamente Brook Farm nunca se tornou auto-sustentada — mesmo na agricultura — muito menos lucrativa; mas a diferença estava na escola, que alojou estudantes de fora, e que tornou-se não apenas bem sucedida e lucrativa como também produziu uma quantidade considerável de pessoas famosas, como George William Curtis, Father Isaac Hecker, o fundador dos Paulist Fathers e um dos primeiros Católicos Modernistas, General Francis C. Barlow, e um grande número de adultos sensatos, que consideraram os dias escolares passados em Brook Farm como os dias mais felizes de suas vidas.

Embora Brook Farm estivesse no limite entre uma colônia religiosa e uma colônia secular, e embora seus sofisticados sócios estivessem longe de ser supersticiosos, "primitivos", ou dogmáticos em suas convicções, a filosofia administrativa era certamente milenária. Em suas primeiras conversações com Channing, Ripley falou de seu fracasso como ministro porque sua congregação vivia uma vida nos domingos e outra, manifestamente em desafio aos princípios cristãos, nos dias da semana. Ele queria, como dizia um velho hino, uma sociedade de perpétuos Sabbaths. Com os planos para a colônia amadurecidos, Ripley, Elizabeth P. Peabody, e Margaret Fuller começaram a falar no The Dial sobre Brook Farm em termos tipicamente milenares como uma comunidade apostólica modelada na vida de Jesus e de seus discípulos. Mais adiante, sairia das cidades condenadas e estabeleceria uma comunidade de amor para fixar um exemplo para o mundo — em resumo, um remanescente salvo.

Hawthorne achou o trabalho muito duro e foi embora. Ele tinha ido para lá na esperança de encontrar um local sossegado para poder escrever. Outros se ofenderam com aquilo que consideravam irreligião ou paganismo. Os colonos que realmente ficaram parecem ter encontrado um perpétuo sabbath. Eles trabalharam duramente durante o dia e o resto do tempo era gasto em brincadeiras e auto-instrução. Pela noite havia entretenimento musical, discussões, e danças, ou pessoas caminhando nove milhas de Brook Farm até Boston para participar de concertos e conferências. Em parte talvez por causa da permanente doçura do temperamento, tão distante da maioria dos maiores líderes carismáticos, que emanava de George Ripley, Brook Farmer estava mergulhada em um contínuo bom tempo.

A colônia tinha uma base familiar e a maior parte das relações pessoais já tinha sido estabelecida anteriormente. Parece que houve uma certa dose de amor livre, como depois viria a ser chamado, mas não tanto quanto seus críticos hostis imaginaram. Os problemas sexuais aparentemente nunca tiveram um papel de muito destaque. Os membros também modificaram os hábitos dos vegetarianos. Verdadeiros bostonianos, eles se recusaram deixar de colocar um pedaço de carne de porco para cozinhar junto com o feijão, e matavam e comiam os coelhos que invadiam suas colheitas. Os homens usavam um pequeno boné, uma espécie de blusa, e calças compridas, e as mulheres saias curtas e pantalonas.

Comparado com Nova Harmonia de Owen, Brook Farm parece ter se livrado dos excêntricos e dos chatos mais ultrajantes. O Blithedale Romance de Hawthorne dá uma falsa impressão. É óbvio que ele ficou enfurecido diante do feminismo das principais sócias, especialmente Margaret Fuller, sua peculiar "Zenobia". Igualdade sexual provavelmente perturbava mais os intelectuais masculinos, visitantes, noviços, ou postulantes, do que cozinhar no sabbath perturbava as mulheres.

Até mesmo na escola, a colônia sempre operou com uma leve perda, resolvida por contribuições e pela compra de partes adicionais pelos seus sócios e seus amigos. Houve um excesso comerciável de produtos da fazenda, mas não era o bastante, e as "fábricas" projetadas realmente nunca saiam do chão.

Em 1844 Ripley converteu-se ao fourierismo; e depois de prolongada discussão, a colônia se transformou em um falanstério fourierista com o rígido e burocratizado departamentalismo planejado por Fourier para uma colônia de duas mil pessoas, mas totalmente inadequado para os Brook Farmers de setenta. A sociedade se abriu para qualquer um que se considerasse fourierista. A sociedade original lentamente recusou o importúnio dos chatos e vadios que, felizmente, raramente ficavam muito tempo. Mas durante dois anos a maior parte do excedente do trabalho e do tempo foi dedicado à construção do edifício central de um falanstério planejado com dormitórios e apartamentos, auditórios, salas de aula, local de reunião, espaço de recreação comunitária e refeitórios. Em 2 de março de 1846, foi completado, e a colônia juntamente com todos seus amigos se reuniram em uma celebração. Naquela noite o edifício foi completamente destruído por um incêndio.

Brook Farm nunca se recuperou. O desastre parece ter destruído tanto a moral dos colonos como os arruinaram financeiramente. Brook Farm lutou por algum tempo, mas "o empreendimento enfraqueceu, chamejou, diminuiu, e expirou", a terra e os edifícios foram vendidos em leilão no dia 13 de abril de 1849, contemporaneamente com a consolidação do poder de Louis Napoleon na França e a agonia das últimas brasas da Revolução de 1848 na Europa.

Emerson transpirava desdém e Hawthorne amargura, mas registros indicam que quase todos os Brook Farmers que participaram da colônia tinham uma visão diferente. Eles formaram uma associação para ex-membros e compraram um acampamento ao pé do Monte Hurricane em Adirondacks, que deram o nome de Summer Brook Farm, e a cada ano eles se encontravam para viver novamente a vida de Brook Farm. Sessenta anos depois os velhos sócios sobreviventes ainda freqüentavam o acampamento.

 

18. Fourierismo

Fran�ois Marie Charles Fourier nasceu em 1772 e morreu em 1837. Sua família perdera sua modesta riqueza na Revolução Francesa e a vida de François consequentemente foi condicionada por um senso de injustiça e de má distribuição da riqueza. Atrás jazia o feudalismo que em seus melhores dias tinham sido funcionais, enquanto ordenando a sociedade, mas que se desgastaria na desmoralização e na desorganização no começo da era industrial, o período da primitiva acumulação de capital, segundo Marx.

Fourier, mais do que qualquer outro socialista utópico, tentou resolver todos os problemas da sociedade pela construção de um elaborado e detalhado sistema no qual toda pessoa, atividade e coisa teria seu lugar, e toda contingência seria antecipada. Ele acreditava que o desenvolvimento completamente livre do homem e a indulgência desenfreada de todos os desejos e apetites necessariamente produziria um homem bom e uma boa sociedade, e que o vício e o mal eram resultados de restrições à liberdade para uma completa auto-satisfação — a forma mais extrema de otimismo social. O homem era naturalmente bom porque ele trazia dentro de si uma harmonia moral fundamental, o reflexo da harmonia no universo. Seu “homem natural” era consideravelmente mais natural do que o homem concebido por Jean Jacques Rousseau, mas ele propôs libertá-lo por meio da mais rígida organização de sociedade. Naturalmente, a suposição era que uma vez montada uma comunidade modelo desta sociedade, que apenas Fourier sabia como construir, ela proveria uma atratividade tão imensa que seria adotada universalmente dentro de um tempo bem curto.

A sociedade seria dividida em falanges, ou como normalmente elas foram chamadas na América, falanstérios ou falanxes, com edifício comum, conjuntos residenciais de mil e seiscentos a mil e oitocentos indivíduos, aproximadamente três milhas quadradas de terra agrícola, divididos em campos, pomares, e jardins — Fourier era mesmo apaixonado por frutas e flores. A população seria dividida em grupos de pelo menos sete pessoas, com dois grupos em cada ala, dois representando os fluxos ascendentes e descendentes de gosto e habilidade, e três no centro para o equilíbrio. Pelo menos cinco grupos formariam séries, novamente com centro e alas. Haveria séries para toda ocupação concebível, e os sócios poderiam se movimentar livremente de um lado para outro. Cada pessoa poderia trabalhar não mais que uma hora ou duas entre quaisquer séries, de forma que tudo acharia cumprimento completo. O trabalho desagradável como remoção de lixo seria executado por batalhões júnior de crianças que seriam encorajadas a achar tarefas como limpar privadas uma grande diversão. Cada família teria um apartamento separado no falanstério que também teria um centro e duas alas, e haveria teatros, salas de concertos, bibliotecas, refeitórios comunitários, câmaras de deliberação, escolas, berçários, armazéns, e seminários, e na praça central seriam reunidos grupos a cada manhã e marchariam ao seu trabalho tocando música e tremulando bandeiras. As falanges seriam financiadas em parte pela venda de ações, mas nem todo sócio precisa ser um acionista, nem todo acionista um sócio. O trabalho seria pago e o trabalhador teria encargos com aluguel e outras despesas. Ao término do ano seriam divididos os lucros da falange, cinco décimos para o trabalho, quatro décimos para o capital e três décimos para habilidades. Sete oitavos dos sócios seriam fazendeiros e mecânicos, e os profissionais restantes, artistas, cientistas, e capitalistas. Não haveria nenhum descontente ou discriminado, uma vez que todos os papéis seriam rotatórios e intercambiaveis. Haveria uma chancelaria do tribunal do amor, e corporações do amor, e um sistema extraordinário de poligamia organizada. Não apenas sexo, mas comida e todos os prazeres sensuais, tudo seria organizado para dar o máximo prazer.

Fourier não apenas se limitou a reorganizar a sociedade. Sua utopia achou seu lugar em uma fantástica cosmologia. As estrelas e planetas são animais como nós mesmos, pensava. Eles nascem, acasalam, envelhecem, e morrem como nós. A vida comum de um planeta é oitenta mil anos, metade gasto ascendendo vibrações e metade descendo; há trinta e dois períodos da terra dos quais estamos agora no quinto. Quando alcançarmos o oitavo, a Grande Harmonia será consumada, e os homens cultivarão rabos, com olhos na ponta. Os corpos mortos serão transformados em perfume interestelar. Surgirão seis novas luas. O mar se transformará em limonada, todos os animais ferozes e insetos nocivos serão transformados em doces e gentis anti-leões, anti-ratos, e anti-bichos. Então as falanges, alcançando o número exato de 2.985.984, se esparramará por sobre toda a terra tornando-se uma grande comunidade de amor, governada por um omniarca, três augustos, doze cesarinas, quarenta e oito imperatrizes, cento e quarenta e quatro califas e quinhentos e setenta e seis sultões.

Nos anos posteriores Fourier publicou anúncios nos jornais, dizendo que estaria diariamente em casa a uma determinada hora do dia para se encontrar com os interessados, qualquer capitalista que quisesse investir no futuro acharia uma falange, e possivelmente se tornaria um sultão ou um califa. Ninguém veio, mas com o tempo começou a se formar um pequeno grupo conduzido por Victor Considerant, que em 1832 lançou um movimento fourierista com o jornal, Le Phalanster, que circulou sob vários nomes até que foi suprimido por Louis Napoleon em 1850. Uma comunidade foi estabelecida em 1832 perto de Paris, mas falhou quase que imediatamente. Depois não houve nenhuma tentativa de qualquer importância na França. Fourier era patentemente louco, mas Considerant não era. Os fourieristas tiveram o cuidado de não enfatizar os mares de limonada e os homens com olho no rabo. Em vez disso eles contrastaram a combinação de planejamento detalhado, vidas de alegria, maravilhas, e prazer sensual, prometido pelas falanges de Fourier, com as utopias frígidas, trabalhadoras, puritanas, de seus competidores.

Associado com Considerand estava o jornalista americano Arthur Brisbane que voltava aos Estados Unidos dando início a uma ativa propaganda por conferências e artigos. Em 1848 ele publicou The Social Destiny of Man, uma exposição simples e lógica das idéias praticáveis concebidas por Fourier, purgando qualquer coisa que pudesse indicar a loucura de Fourier. O livro chamou a atenção de Horace Greeley, editor de The New Yorker; e em 1842, quando Greeley tornou-se o editor de The New York Tribune, ele deu a Brisbane uma coluna regular no jornal e, além disso, uma considerável publicidade para o que Brisbane tinha batizado de associacionismo em notícias e editoriais. Greeley assumiu uma plataforma de conferências e finalmente empenhou suas posses à associação. Brisbane lançou uma revista, The Phalanx, que fora absorvida pelo The Harbinger quando Brook Farm se converteu ao fourierismo.

A conversão dos Brook Farmers e de seus sócios ao fourierismo deu ao movimento um prestígio e uma respeitabilidade intelectual que nunca tiveram na França, onde qualquer versão expurgada de suas doutrinas seria comparada com o trabalho original de seu mestre. George Ripley, Charles A. Dana, John S. Dwight, William Henry Channing, T.W. Higginson, James Russell Lowell, John Greenleaf Whittier, Margaret Fuller, William Cullen Bryant, na realidade, quase todos os intelectuais da Nova Inglaterra e transcendentalistas exceto Emerson e Thoreau, escreveram para The Harbinger. Outros documentos fourieristas floresceram nos próximos anos.

O movimento também juntou muitos abolicionistas e, pelo menos durante algum tempo, quase todos os socialistas primitivos. Sua indústria cooperativa era uma resposta à escravidão do bem móvel e a humilhação crescente do proletariado pelo sistema industrial. O advento do fourierismo na América aconteceu coincidindo com um longo período de depressão econômica e com tensões sociais crescentes que culminariam na Guerra Civil. O fourierismo tornou-se uma moda que os líderes acharam difícil controlar. Em vários locais entre pelo menos quarenta e cinqüenta falanstérios foram iniciados nos anos seguintes. Destes apenas seis sobreviveram por mais de um ano, e apenas três por mais de dois anos.

Freqüentemente multidões de cem ou mais colonos marchavam com bandeiras tremulando ao som de música nas florestas, ou ocupavam fazendas abandonadas pelas quais pagavam altos preços. O primeiro dia começava com um piquenique, e terminava em dança, bebida, e o cumprimento dos parcours de Fourier, o consentimento de todos os prazeres sensuais em felicidade perfeita. Em poucos dias, quando as provisões começavam a acabar, a habilidade para o necessário reabastecimento era pequena, e a disposição mais pequena ainda. Logo a competição pelo pouco ainda disponível parecia pior do que no mundo que tinham deixado, e eles começavam a disputar entre si e a acusar uns aos outros de roubo. Algumas colônias duraram apenas algumas semanas, deixando seus principais membros seriamente endividados. A tendência por comprar tanta terra e tão pesadamente hipotecada quanto possível foi quase que universal, e os compradores raramente conseguiam distinguir sinais de malária e areia estéril de terras agrícolas. O compromisso para a Nova Harmonia de Owen tinha sido bastante fraco. Mas nas abortivas falanges era praticamente inexistente. Qualquer um que se excitasse lendo a imprensa fourierista era admitido.

Quase todas as colônias começaram com uma completa política de portas abertas. Não houve nem sequer a tentativa de garantir o equilíbrio das ocupações, com as ferramentas, e fazendeiros necessários a qualquer comunidade funcional, mas as falanges, como Nova Harmonia, atraíram uma classe específica, uma casta de d�class�s que passaram a existir junto com o próprio capitalismo — os boêmios. Foram chamados de boêmios as pessoas que desfrutavam os luxos do rico sem dar a mínima para as necessidades do pobre. O colapso das velhas funções da sociedade tinha produzido um grande número de super-educados, sub-educados, técnicos, profissionais, todos desempregados que não conseguiram encontrar vaga na sociedade que imaginaram poder participar, o que os tornara crescentemente alienados. Eles não puderam partilhar de qualquer satisfação na sociedade dominante, e esperavam encontrar um objetivo na vida e um papel significante em uma sociedade alternativa. Mas as demandas de tal comunidade eram até maiores que essas da sociedade dominante, assim eles foram, com poucas exceções, condenados a uma decepção e a uma desmoralização ainda maior.

A mais bem sucedida colônia fourierista foi a North American Phalanx, fundada em 1843 perto de Red Bank, New Jersey. Os fundadores foram um grupo de fourieristas de Albany, New York, que discutiram a possibilidade de organizar a comunidade durante algum tempo, tornando-se bem familiarizados com o assunto. Depois de uma considerável análise, eles selecionaram um local de cerca de setecentos acres com pasto e bosque, mas na maior parte cultivada, e com duas casas de fazenda. Em agosto de 1843 eles convocaram uma convenção, adotaram uma constituição, e levantaram um capital inicial de oito mil dólares. Embora a constituição fosse em grande parte um manifesto ideológico, também havia uma quantia considerável de organização prática.

Durante o final do ano, as primeiras famílias ocuparam as casas da fazenda e começaram a construir um grande edifício dormitório para o corpo principal que viria na primavera; em adição eles continuaram fazendo tudo o que era necessário, arando e semeando. Durante o ano de 1844 cerca de noventa pessoas estavam no assentamento, plantando e eventualmente fazendo colheitas, construindo oficinas e fábricas, e desenvolvendo os detalhes da organização prática. A sociedade foi limitada àquilo que o projeto podia suportar, os candidatos eram cuidadosamente escolhidos e passavam por um período probatório de um ano, precedido por um período de trinta a sessenta dias de visita. North American era algo mais do que uma comuna de portas abertas.

Com o tempo, o tipo original de organização e o complicado sistema de pagamento de salários e distribuição de lucros resultou mais em uma economia comunal do que no puro fourierismo. Demorou algum tempo para desenvolver os detalhes da organização. Um membro disse que as reuniões dos primeiros cinco anos "eram em grande parte em cima da legislação". Ao contrário de qualquer outra falange, eles dispunham de tempo. Os membros estavam mais unidos. Eles tinham dinheiro. Eles não estavam ameaçados de falência. No princípio, a propriedade valia vinte e oito mil dólares, com aproximadamente dez mil dólares em dívida descoberta. Em novembro de 1852 a propriedade estava estimada em oitenta mil dólares, com uma dívida descoberta de cerca de dezoito mil dólares e aproximadamente cento e sete mil dólares creditados no nome de cada pessoa, homem, mulher, criança, ou cento e doze sócios. Para chegar até esse ponto eles tinham trabalhado duro. Nunca houve tempo para os constantes piqueniques, concertos, e conferências característicos de Brook Farm. A vida em North American permaneceu espartana até o fim. Em parte isso ocorreu devido à influência do shakerismo em alguns de seus líderes.

Em setembro de 1854 um incêndio destruiu a fábrica de farinha e eventualmente destruiu os armazéns e oficinas. Havia apenas dois mil dólares em seguro e os sócios calcularam a perda total em mais de vinte mil dólares. Foi chamada uma reunião dos acionistas para levantar novos fundos. Em vez de votarem para dissolver a colônia. A maioria dos acionistas nesta época havia se tornado membros ausentes. Algumas pessoas apareceram apenas no ano seguinte, quando a propriedade já tinha sido vendida.

Se não fosse pelo fogo, a North American poderia continuar existindo indefinidamente. O atrito dos anos tinha deixado uma comunidade de pessoas que estavam contentes com uma utopia de baixo nível e de trabalho duro, levando a vida, e quase nenhuma satisfação intelectual ou estética. Sócios não eram admitidos a menos que estivessem preparados para fazer trabalho ordinário ou agrícola. Pessoas com habilidades profissionais desanimaram. A colônia conseguiu uma impressora de boa qualidade e pretendeu estabelecer um jornal ali mesmo, mas nunca conseguiram atrair mecânicos altamente qualificados, sempre que precisavam tinham que contrata-los. A despeito disso, a maioria dos colonos, mais especialmente as crianças, se lembram dos anos do North American com prazer. Muitos dos sócios migraram para a colônia Victor Considerant no Texas, que na realidade nunca começou, e outros se espalharam por uma variedade de comunidades, todas elas de vida curta.

A falange de Wisconsin foi quase tão próspera quanto a North American. Os membros originais, a maioria residente no Município de Racine, Wisconsin, eram homens excepcionalmente estáveis e práticos sob a forte liderança de Warren Chase, que parecem ter sido — como muitos outros fourieristas, incluindo muitos em Brook Farm — um swedenborgiano, e depois um espiritualista. A comunidade começou sem dívidas, em dez lotes de terra perto de Green Bay. Os primeiros vinte pioneiros passaram o verão plantando vinte acres de colheitas para a primavera e cem acres de trigo de inverno, ergueram três edifícios com residências para oitenta pessoas, montaram uma serraria, celeiros, e outras edificações. Dentro de um ano eles tinham juntado três edifícios em um falanstério de duzentos pés de comprimento, construiram um prédio escolar de alvenaria, fábrica de mate, represa, uma oficina grande, lavanderia, galinheiro, e um depósito de ferramentas, eles avaliaram sua propriedade no valor de quase vinte e oito mil dólares. No ano seguinte tiveram oitocentos acres em colheitas, mas admitiram apenas um novo sócio.

A falange Wisconsin teve um sucesso atrás do outro, muito provavelmente devido à solidariedade e ao compromisso dos sócios e a exclusão dos excêntricos, chatos, e vadios — para cada novo membro havia uma centena de candidatos. Tudo era feito sistematicamente. A colônia como um todo foi incorporada e o falanstério foi incorporado como uma cidade. Embora parecessem imunes a brigas e partidarismos, em dezembro de 1849, na plenitude de seu sucesso, os sócios votaram pela dissolução, a propriedade foi vendida, principalmente para os sócios, e dividida em pequenas aldeias, sendo distribuídos os lucros da venda, que foram consideráveis. John Humphrey Noyes resumindo a breve história da falange de Wisconsin disse: “Em geral, o veredicto do juiz neste caso deve ter sido — ‘Morta, não devido a algum desastre comum nas associações, como pobreza, dissensão, falta de sabedoria, moralidade, ou religião, mas por deliberado suicídio, por razões não completamente descobertas’”. O comunalismo e as idéias de Fourier parecem ter sido apenas uma técnica, perfeitamente executável, por qualquer grupo de homens práticos que juntamente com suas famílias desbravem quatro milhas quadradas de terra agrícola de boa qualidade numa fronteira, trabalhem essa terra, e a vendam com lucro.

 

Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão de Kenneth Rexroth Trust.

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Em tradução livre por Railton Sousa Guedes - Coletivo Periferia
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