Segunda, 18 de outubro de 1999
   

A GUERRA DOS CÚMPLICES

 

"Todos os estados nacionais europeus tem problemas com suas minorias de origem, ou com imigrantes, e estão longe de solucioná-los. Desgraçadamente, por todos os lados, as minorias étnicas, lingüísticas, e todas as singularidades estão em vias de desaparecimento ou de eliminação"

 


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Pelo filósofo francês Jean Baudrillard,


Na Europa, todas as minorias étnicas estão em vías de extinção. Todos os estados europeus, embora neguem, são nada menos que cúmplices de Milosevic. É necessário mais que nunca, expor as razões cínicas desta "guerra", as razões inconfessadas desta intervenção que se diz ser um fracasso, mas que é catastrófica em todos os sentidos. Principalmente neste momento em que nos assaltam as dúvidas mais cruéis sobre toda esta trágica encenação. Tantos erros acumulados, tantas tangiversações e fracassos tem que fazer algum sentido, e esta persistencia na confusão tática, na guerra veleidosa que erra deliberadamente (falo dos ocidentais: Milosevic não errou sozinho), tudo isso traz dúvida sobre a própria natureza dessa guerra: a continuação da política por outros meios. Se esta definição é válida, então todas nossas estratégias e nossos políticos ocidentais são idiotas, o que em certo sentido, não está longe de ser verdade. Mas antes de chegar a este extremo, nos peguntamos se não estão, pelo contrário, levando a bom têrmo uma operação perfeitamente programada. Comenta-se sobre as falhas da OTAN e da incapacidade política européia. Mas NÃO, é exatamente o contrário. Que faz Milosevic? Elimina as minorias, em especial a minoria muçulmana, e toda a Yugoslavia "branca", católica ou ortodoxa, o apóia. Mas não somente a Yugoslavia. Toda Europa é cúmplice. Todos os estados nacionais europeus tem problemas com suas minorias de origem, ou com imigrantes, e estão longe de solucioná-los. Desgraçadamente, por todos os lados, as minorías étnicas, lingüísticas, e todas as singularidades estão em vías de desaparecimento ou de eliminação. Milosevic aparece como a suprema bandeira da depuração étnica. Mas em toda a Europa os estados "depuram" veladamente, pisoteando os mais básicos princípios da autonomía e dos direitos do homem, todos os estados europeus (não falo das populações, mas, o que elas podem fazer sem a caixa de ressonância ideológica e humanitária da informação?) não podem ser mais do que cúmplices fundamentais de Milosevic. Se o vomitam com sua conciência pesada e fingem castigá-lo é porque sabem fazer (ou seja, muito mal, muito brutalmente) o trabalho sujo. Por isso lhe deram todo o tempo do mundo para fazê-lo. Por quê lamentar incansavelmente não haver efetuado uma intervenção um, dois, tres anos antes? E por quê o desconhecimento assombroso da situação ao envolver a OTAN em ataques aéreos sem pensar nas consequências em terra? E por quê não paralizar imediatamente as fôrças sérvias em terra, em Kosovo, em lugar de despejar uma logística aérea mais ou menos inútil? Bem, a resposta salta aos olhos. Tudo se clarifica quando alguém se dá conta de que os ataques aéreos estão aí não para intervir em terra mas para atrazar o mais possível a intervenção, até quando tudo estiver terminado. Solana disse bem (sem pensar que atraiçoava cruelmente a verdade política desta guerra): "Nós não retomaremos as negociações com Milosevic (mas, não se trata mais de livrar-se dele)? Se ele não por fim à limpeza étnica". Entendam bem: até quando ela houver acabado. O que sucede inexoravelmente. Nesse sentido, esta guerra, ou pelo menos a operação que abarca esta guerra que assistimos com indignação, se efetua de maneira ótima, quase programática. Porque Milosevic é o executor da política européia, a verdadeira, a única, a da Europa branca, limpa, purificada de todas as minorias. Política negativa, política exclusiva e integrista. Por quê ter ilusões? A Europa não tem nenhuma idéia positiva de si mesma. Nada atormenta mais a Europa que seu próprio espectro. Por todos estes motivos nós fingimos que o combatemos, mas sempre tarde e mal. De qualquer maneira, a sordidez continua. Depois de Kosovo, Montenegro, Kurdistão, etc., na Palestina e Timor Leste, prossegue o tragicômico "processo de paz" respondendo exatamente a este mesmo "atraso" indefinido e calculado. Extraído do Libération

voltAr


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