O
Efeito Borboleta
Versão
em Inglês
Segue
o texto de uma palestra que eu apresentei em uma reunião dedicada
ao Programa de Pesquisa Atmosférica Global, no 139° encontro
da Associação Americana para o Avanço da Ciência,
em Washington, D.C, em 29 de Dezembro de 1972, conforme preparado para
ser comunicado à imprensa. Nunca foi publicado, e é apresentado
aqui em sua forma original.
Previsibilidade:
A Batida das Asas de uma Borboleta no Brasil Provoca um Tornado no Texas?
A
fim de não parecer frívolo só por colocar a
pergunta do título, só permitam-me sugerir que pode
ter uma resposta afirmativa, permitam-me tentar colocá-la
na perspectiva correta oferecendo duas proposições.
1. Se uma simples batida das asas de uma borboleta
pode contribuir a gerar um tornado, o mesmo também podem
provocar todas as batidas prévias e subseqüentes de
suas asas, o mesmo que as batidas das asas de milhões de
outras borboletas, sem mencionar as atividades de inúmeras
criaturas mais poderosas, incluindo nossa própria espécie.
2. Se a batida das asas de uma borboleta pode
contribuir a gerar um tornado, bem poderia também contribuir
a evitar um tornado.
De forma mais geral, eu estou sugerindo que, através
dos anos, minúsculas alterações não
aumentam nem diminuem a freqüência da ocorrência
de vários eventos climáticos tais como tornados; o
máximo que podem fazer é modificar a seqüência
à qual esses eventos ocorrem. A pergunta que realmente nos
interessa é se podem fazer pelo menos isso – se, por
exemplo, duas situações climáticas particulares
com diferenças tão pequenas quanto a imediata influência
de uma borboleta iriam, geralmente depois de tempo suficiente, se
desenvolver em duas situações com diferenças
tão grandes como a presença de um tornado. Numa linguagem
mais técnica, o comportamento da atmosfera é instável
em relação às alterações de pequena
amplitude?
A conexão entre esta pergunta e a nossa
habilidade para prever o tempo é evidente. Como não
sabemos exatamente quantas borboletas há, nem onde todas
elas estão localizadas, fora quais estão batendo suas
asas em um determinado momento, não podemos prever exatamente,
se a resposta para nossa pergunta for afirmativa, a ocorrência
de tornados em um momento futuro suficientemente distante. Mais
significativamente, nosso insucesso geral para detectar sistemas
até do tamanho das tempestades quando passam escondidas entre
as estações meteorológicas pode prejudicar
nossa habilidade de prever o padrão meteorológico
geral até no futuro próximo.
Como podemos determinar se a atmosfera é
instável? A atmosfera não é um experimento
de laboratório controlado; se nós a alterarmos e depois
observarmos o que acontece, nunca saberemos o que teria acontecido
se nós não a tivéssemos alterado. Qualquer
argumento de que nós podemos aprender o que teria acontecido
consultando o prognóstico meteorológico implicaria
que a pergunta, cuja resposta procuramos, já foi respondida
de forma negativa.
A maioria das nossas conclusões se baseia
em simulações da atmosfera no computador. As equações
a serem resolvidas representam nossas melhores tentativas de aproximar
as equações que atualmente governam a atmosfera por
equações que são compatíveis com as
capacidades presentes do computador. Geralmente duas soluções
numéricas são comparadas. Uma destas é tomada
para simular o clima atual, enquanto a outra simula o clima que
teria se desenvolvido partindo de condições iniciais
ligeiramente diferentes, isto é, o clima que teria sido previsto
com uma técnica perfeita de previsão, mas observações
imperfeitas. A diferença entre as soluções
então simula o erro na previsão. Novas simulações
estão sendo realizadas continuamente à medida que
computadores mais poderosos e um conhecimento aprimorado da dinâmica
atmosférica ficam disponíveis.
Embora não possamos declarar ter provado
que a atmosfera é instável, a evidência de que
é assim é impressionante. Os resultados mais significativos
são os seguintes.
1. Pequenos erros na estrutura bruta do padrão
meteorológico – aquelas características que
são facilmente resolvidas pelas redes de observação
convencional – tendem a duplicar em mais ou menos três
dias. À medida que os erros ficam maiores a taxa de crescimento
abaixa. Esta limitação por si nos permitiria estender
o alcance da previsão aceitável em três dias
toda vez que diminuíssemos o erro de observação
pela metade, e ofereceria a esperança de eventualmente fazer
boas previsões com antecipação de várias
semanas.
2. Pequenos erros na estrutura mais delicada –
por exemplo, as posições das nuvens individuais –
tendem a crescer muito mais rapidamente, duplicando em horas ou
menos. Esta limitação por si só não
reduziria seriamente nossas esperanças de uma previsão
de longo alcance, já que geralmente não fazemos previsão
da estrutura mais delicada.
3. Os erros na estrutura mais delicada, quando
atingem um tamanho apreciável, tendem a induzir a erros na
estrutura bruta. Este resultado, que está menos firmemente
estabelecido que os anteriores, implica que depois de mais ou menos
um dia haverá erros apreciáveis na estrutura bruta,
que posteriormente crescerão como se tivessem estado presentes
inicialmente. Diminuir pela metade o erro de observação
na estrutura mais delicada – uma tarefa formidável
– estenderia o alcance da previsão aceitável
até da estrutura bruta somente em algumas horas ou menos.
As esperanças de previsão com duas semanas ou mais
de antecedência então ficam enormemente diminuídas.
4. Certas quantidades especiais, como as temperaturas
médias semanais e a chuva total semanal podem ser previsíveis
com um alcance que não é possível com a totalidade
dos padrões meteorológicos.
Sem importar o que qualquer estudo teórico
possa implicar, a prova conclusiva de que podem ser feitas boas
previsões diárias com um alcance de duas semanas ou
mais deveria ser sustentada por uma demonstração válida
de que um esquema de previsão particular geralmente dá
bons resultados nesse alcance. Até onde sabemos, nunca foi
oferecida tal demonstração. É claro que até
puros palpites serão corretos certa parte do tempo.
Voltando agora à pergunta originalmente
colocada, notamos alguns pontos adicionais não considerados
ainda. Em primeiro lugar, a influência de uma única
borboleta não é somente um detalhe fino – está
restrita a um pequeno volume. Alguns dos métodos numéricos
que parecem estar bem adaptados para examinar a intensificação
dos erros não são adequados para estudar a dispersão
de erros das regiões restritas para as não restritas.
Uma hipótese, não confirmada, é que a influência
das asas de uma borboleta vai se estender em ar turbulento, mas
não em ar calmo.
Um Segundo ponto é que Brasil e Texas estão
situados em hemisférios opostos. As propriedades dinâmicas
da atmosfera tropical diferem consideravelmente das da atmosfera
em latitudes moderadas e polares. É quase como se a atmosfera
tropical fosse um fluido diferente. Parece completamente possível
que um erro possa ser capaz de se estender muitos milhares de milhas
nas latitudes moderadas de qualquer hemisfério, enquanto
ainda é incapaz de cruzar o equador.
Devemos portanto deixar nossa pergunta original
sem resposta por mais alguns anos, mesmo enquanto afirmamos nossa
fé na instabilidade da atmosfera. Por enquanto, os erros
de hoje na previsão meteorológica não podem
ser atribuídos inteiramente nem sequer primariamente à
estrutura fina dos padrões meteorológicos. Eles surgem
principalmente de nossa falha ao observar até a estrutura
bruta com quase perfeição, nosso conhecimento algo
incompleto dos princípios físicos dominantes, e as
inevitáveis aproximações que devem ser introduzidas
ao formular esses princípios como procedimentos que o cérebro
humano ou o computador podem realizar. Estes defeitos não
podem ser completamente eliminados, mas podem ser muito reduzidos
por um amplo sistema de observação e pesquisa intensiva.
É ao propósito final de fazer, não exatas previsões,
mas as melhores previsões que a atmosfera nos permita fazer,
que o Programa de Pesquisa Atmosférica Global está
dedicado.
Edward
Norton Lorenz, 1972.
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