Este texto foi extraído do livro "The Essence of Chaos" de Edward N. Lorenz e traduzido por Gabriela Sorel em maio de 2005.

 

APÊNDICE 1

O Efeito Borboleta

Versão em Inglês

   Segue o texto de uma palestra que eu apresentei em uma reunião dedicada ao Programa de Pesquisa Atmosférica Global, no 139° encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em Washington, D.C, em 29 de Dezembro de 1972, conforme preparado para ser comunicado à imprensa. Nunca foi publicado, e é apresentado aqui em sua forma original.

Previsibilidade: A Batida das Asas de uma Borboleta no Brasil Provoca um Tornado no Texas?

   A fim de não parecer frívolo só por colocar a pergunta do título, só permitam-me sugerir que pode ter uma resposta afirmativa, permitam-me tentar colocá-la na perspectiva correta oferecendo duas proposições.
   1. Se uma simples batida das asas de uma borboleta pode contribuir a gerar um tornado, o mesmo também podem provocar todas as batidas prévias e subseqüentes de suas asas, o mesmo que as batidas das asas de milhões de outras borboletas, sem mencionar as atividades de inúmeras criaturas mais poderosas, incluindo nossa própria espécie.
   2. Se a batida das asas de uma borboleta pode contribuir a gerar um tornado, bem poderia também contribuir a evitar um tornado.
   De forma mais geral, eu estou sugerindo que, através dos anos, minúsculas alterações não aumentam nem diminuem a freqüência da ocorrência de vários eventos climáticos tais como tornados; o máximo que podem fazer é modificar a seqüência à qual esses eventos ocorrem. A pergunta que realmente nos interessa é se podem fazer pelo menos isso – se, por exemplo, duas situações climáticas particulares com diferenças tão pequenas quanto a imediata influência de uma borboleta iriam, geralmente depois de tempo suficiente, se desenvolver em duas situações com diferenças tão grandes como a presença de um tornado. Numa linguagem mais técnica, o comportamento da atmosfera é instável em relação às alterações de pequena amplitude?
   A conexão entre esta pergunta e a nossa habilidade para prever o tempo é evidente. Como não sabemos exatamente quantas borboletas há, nem onde todas elas estão localizadas, fora quais estão batendo suas asas em um determinado momento, não podemos prever exatamente, se a resposta para nossa pergunta for afirmativa, a ocorrência de tornados em um momento futuro suficientemente distante. Mais significativamente, nosso insucesso geral para detectar sistemas até do tamanho das tempestades quando passam escondidas entre as estações meteorológicas pode prejudicar nossa habilidade de prever o padrão meteorológico geral até no futuro próximo.
   Como podemos determinar se a atmosfera é instável? A atmosfera não é um experimento de laboratório controlado; se nós a alterarmos e depois observarmos o que acontece, nunca saberemos o que teria acontecido se nós não a tivéssemos alterado. Qualquer argumento de que nós podemos aprender o que teria acontecido consultando o prognóstico meteorológico implicaria que a pergunta, cuja resposta procuramos, já foi respondida de forma negativa.
   A maioria das nossas conclusões se baseia em simulações da atmosfera no computador. As equações a serem resolvidas representam nossas melhores tentativas de aproximar as equações que atualmente governam a atmosfera por equações que são compatíveis com as capacidades presentes do computador. Geralmente duas soluções numéricas são comparadas. Uma destas é tomada para simular o clima atual, enquanto a outra simula o clima que teria se desenvolvido partindo de condições iniciais ligeiramente diferentes, isto é, o clima que teria sido previsto com uma técnica perfeita de previsão, mas observações imperfeitas. A diferença entre as soluções então simula o erro na previsão. Novas simulações estão sendo realizadas continuamente à medida que computadores mais poderosos e um conhecimento aprimorado da dinâmica atmosférica ficam disponíveis.
   Embora não possamos declarar ter provado que a atmosfera é instável, a evidência de que é assim é impressionante. Os resultados mais significativos são os seguintes.
   1. Pequenos erros na estrutura bruta do padrão meteorológico – aquelas características que são facilmente resolvidas pelas redes de observação convencional – tendem a duplicar em mais ou menos três dias. À medida que os erros ficam maiores a taxa de crescimento abaixa. Esta limitação por si nos permitiria estender o alcance da previsão aceitável em três dias toda vez que diminuíssemos o erro de observação pela metade, e ofereceria a esperança de eventualmente fazer boas previsões com antecipação de várias semanas.
   2. Pequenos erros na estrutura mais delicada – por exemplo, as posições das nuvens individuais – tendem a crescer muito mais rapidamente, duplicando em horas ou menos. Esta limitação por si só não reduziria seriamente nossas esperanças de uma previsão de longo alcance, já que geralmente não fazemos previsão da estrutura mais delicada.
   3. Os erros na estrutura mais delicada, quando atingem um tamanho apreciável, tendem a induzir a erros na estrutura bruta. Este resultado, que está menos firmemente estabelecido que os anteriores, implica que depois de mais ou menos um dia haverá erros apreciáveis na estrutura bruta, que posteriormente crescerão como se tivessem estado presentes inicialmente. Diminuir pela metade o erro de observação na estrutura mais delicada – uma tarefa formidável – estenderia o alcance da previsão aceitável até da estrutura bruta somente em algumas horas ou menos. As esperanças de previsão com duas semanas ou mais de antecedência então ficam enormemente diminuídas.
   4. Certas quantidades especiais, como as temperaturas médias semanais e a chuva total semanal podem ser previsíveis com um alcance que não é possível com a totalidade dos padrões meteorológicos.
   Sem importar o que qualquer estudo teórico possa implicar, a prova conclusiva de que podem ser feitas boas previsões diárias com um alcance de duas semanas ou mais deveria ser sustentada por uma demonstração válida de que um esquema de previsão particular geralmente dá bons resultados nesse alcance. Até onde sabemos, nunca foi oferecida tal demonstração. É claro que até puros palpites serão corretos certa parte do tempo.
   Voltando agora à pergunta originalmente colocada, notamos alguns pontos adicionais não considerados ainda. Em primeiro lugar, a influência de uma única borboleta não é somente um detalhe fino – está restrita a um pequeno volume. Alguns dos métodos numéricos que parecem estar bem adaptados para examinar a intensificação dos erros não são adequados para estudar a dispersão de erros das regiões restritas para as não restritas. Uma hipótese, não confirmada, é que a influência das asas de uma borboleta vai se estender em ar turbulento, mas não em ar calmo.
   Um Segundo ponto é que Brasil e Texas estão situados em hemisférios opostos. As propriedades dinâmicas da atmosfera tropical diferem consideravelmente das da atmosfera em latitudes moderadas e polares. É quase como se a atmosfera tropical fosse um fluido diferente. Parece completamente possível que um erro possa ser capaz de se estender muitos milhares de milhas nas latitudes moderadas de qualquer hemisfério, enquanto ainda é incapaz de cruzar o equador.
   Devemos portanto deixar nossa pergunta original sem resposta por mais alguns anos, mesmo enquanto afirmamos nossa fé na instabilidade da atmosfera. Por enquanto, os erros de hoje na previsão meteorológica não podem ser atribuídos inteiramente nem sequer primariamente à estrutura fina dos padrões meteorológicos. Eles surgem principalmente de nossa falha ao observar até a estrutura bruta com quase perfeição, nosso conhecimento algo incompleto dos princípios físicos dominantes, e as inevitáveis aproximações que devem ser introduzidas ao formular esses princípios como procedimentos que o cérebro humano ou o computador podem realizar. Estes defeitos não podem ser completamente eliminados, mas podem ser muito reduzidos por um amplo sistema de observação e pesquisa intensiva. É ao propósito final de fazer, não exatas previsões, mas as melhores previsões que a atmosfera nos permita fazer, que o Programa de Pesquisa Atmosférica Global está dedicado.

Edward Norton Lorenz, 1972.



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