Economia                                                                          Voltar

               DETERMINAÇÃO DA RENDA E DO PRODUTO NACIONAL:
            O MERCADO DE BENS E SERVIÇOS



1. Introdução

Como já observado, até 1930 os econômistas acreditavam que as forças de mercado se encarregariam de equilibrar o fluxo econômico, conduzindo a econômia automaticamente ao pleno emprego de recursos. No entanto, a crise econômica vivida pelo mundo capitalista a partir da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, que redundou numa queda brutal do nível de atividade e numa elevação do desemprego e da capacidade ociosa, mostrou que o mercado sozinho não teria condições de conduzir a econômia ao pleno emprego.

A partir desse marco histórico, o econômista inglês John Maynard Keynes desenvolveu suas teorias, cuja base se assenta no pressuposto de que é necessária a intervenção do governo no sentido de regular a atividade econômica e levar a econômia ao pleno emprego. O governo, principalmente através de seus gastos, seria um elemento fundamental para a inversão do quadro de recessão e desemprego, uma vez que, aumentando seus gastos, estaria aumentando a despesa agregada e, conseqüentemente, o nível de produção (dada a capacidade ociosa existente nas empresas na época).

Desde então, o grande paradigma da Teoria Macroeconômica tem sido a questão do grau de intervenção do Estado na atividade econômica, que contrapõe, de um lado, os chamados econômistas liberais ou conservadores (ou ainda clássicos, neoclássicos ou monetaristas) e, de outro, os keynesianos (intervencionistas, fiscalistas ou pós-keynesianos), contraposição que perdura até hoje.

Esta parte do estudo econômico é denominada Teoria de Determinação do Equilíbrio da Renda Nacional, ou modelo keynesiano básico, que se divide em lado real (mercado de bens e serviços e mercado de trabalho) e lado monetário (mercado monetário e de títulos). Neste capítulo discutiremos o lado real; no próximo, o lado monetário.

Antes de prosseguir, é oportuno destacar novamente a diferença entre a abordagem da Contabilidade Social e a utilizada na Teoria Macroeconômica.

A Contabilidade Social trabalha com informações efetivas, reais, que já se realizaram. Com essas informações, são calculados os valores do produto nacional, do consumo, do investimento e dos demais agregados macroeconômicos. A Macroeconomia trata do problema da determinação do nível de renda e do emprego na economia como um todo. Em resumo: a Contabilidade Social refere-se a valores ex post (após ocorrerem), enquanto a Teoria Macroeconômica preocupa-se com valores ex ante (antecipados, antes de ocorrerem).

Quando falamos em consumo, poupança, investimento, são os realizados (ex post) na
Contabilidade Social; na Teoria Macroeconômica, são os planejados (ex ante).

2. Hipóteses do modelo básico

Desemprego de Recursos (Subemprego)

O modelo macroeconômico básico foi criado por Keynes a partir da crise dos anos 30, período em que a taxa de desemprego alcançou valores elevados não só nos Estados Unidos, mas também em todos os países da Europa Ocidental. O modelo keynesiano supõe a existência de desemprego, ou seja, que a economia esteja em equilíbrio abaixo do pleno emprego, produzindo abaixo de seu potencial: as empresas estão com capacidade ociosa, e uma parcela da força de trabalho está desempregada.

Nível Geral de Preços Fixado

Como a economia está em desemprego, não há razões para as empresas elevarem os preços de seus produtos, num eventual aumento da demanda. Ou seja, supôe-se que as empresas, quando estimuladas por um aumento de demanda por seus produtos, elevem sua produção, e não os preços.

1. Existem várias definições e tipos de desemprego na literatura econômica. Neste capítulo utilizamos o conceito de desemprego keynesiano que se refere à insuficiência de demanda agregada em relação à produção (oferta) de pleno emprego. Outras definições:

* desemprego friccional: devido à mobilidade transitória da mão de-obra (por exemplo, trabalhador que vem do interior para a capital, à procura de emprego). É também chamado de taxa natural de desemprego.
* desemprego estrutural ou tecnológico o desenvolvimento tecnológico do capitalismo leva a um "exército de reserva", pois é capital intensivo e marginaliza a mão de obra. É também chamado de desemprego marxista.
* desemprego disfarçado: a produtividade marginal da mão de obra é zero. Por exemplo, numa agricultura de subsistência, a transferência de trabalhadores do campo para as cidades praticamente não diminui o produto agrícola.

Em decorrência dessa hipótese tem-se que todas as variáveis monetárias do modelo que veremos a seguir são, ao mesmo tempo, variáveis reais, pois não há inflação.

Curto Prazo

O modelo básico analisa a Teoria de Determinação da Renda no curto prazo, ou seja, analisa o papel das políticas macroeconômicas na estabilização do nível de atividade e emprego, e do nível de preços. Como vimos na Teoria da Produção, em Economia o curto prazo é definido como o período em que pelo menos um fator de produção permanece constante. Supõe-se que o estoque de fatores de produção (mão-de-obra, capital, tecnologia etc.) não se altera a curto prazo: o que se altera é apenas o grau de utilização desse estoque. Por exemplo, pode existir um "estoque" de 40 milhões de trabalhadores disponíveis, mas 10% não esteja sendo empregado.

Oferta Agregada Potencial Fixada a Curto Prazo

A oferta agregada de bens e serviços (OA) é o valor total da produção de bens e serviços finais colocados à disposição da coletividade num dado período. É o próprio produto real, ou PIB. A oferta agregada varia em função da disponibilidade de fatores de produção: mão-de-obra (força de trabalho ou população economicamente ativa), estoque de capital e nível de tecnologia.

É interessante distinguir oferta agregada potencial e oferta agregada efetiva ou real. A oferta agregada potencial refere-se à produção máxima da economia, quando os fatores de produção estão plenamente empregados (toda a população economicamente ativa está empregada, não há capacidade ociosa, a tecnologia disponível está sendo plenamente utilizada).

A oferta agregada efetiva refere-se à produção que está sendo efetivamente colocada no mercado, o que pode ocorrer sem que os fatores de produção estejam sendo plenamente empregados. Ou seja, a produção pode atender à demanda desejada pelo mercado, mesmo apresentando capacidade ociosa, desemprego de mão-de-obra etc. Evidentemente, a oferta agregada efetiva será igual à potencial, quando os recursos estiverem plenamente empregados.

Como a Teoria Keynesiana supõe curto prazo, e portanto tatores fixos de produção, a oferta agregada potencial permanece constante a curto prazo. Vale observar que permanece constante a oferta agregada potencial, de pleno emprego, que só se altera se houver alterações na quantidade fisica de fatores de produção. Mas a produção efetiva (oferta agregada efetiva) pode estar abaixo do pleno emprego, e pode ser alterada em função de mudanças na demanda do mercado.

As Flutuações da Demanda Agregada São as Responsáveis pelas Variações do Produto e da Renda Nacional a Curto Prazo (Princípio da Demanda Efetiva)

A demanda ou procura agregada de bens e serviços (DA) é a soma dos gastos dos quatro agentes macroeconômicos: despesas das famílias com bens de consumo (C), gastos das empresas com investimentos (I), gastos do governo (G) e despesas líquidas do setor externo (X - M), isto é,

DA = C + I + G + (X - M)

lembrando que X são as exportações e M as importações.

Uma vez que a oferta agregada potencial não se altera no curto prazo dados os estoques de fatores de produção, as alterações do nível de equilíbrio da renda e do produto nacional devem-se exclusivamente às variações da demanda agregada de bens e serviços. Esse é o chamado Princípio da Demanda Efetiva 2.

Assim, numa situação de desemprego de recursos, a política econômica deve procurar elevar a demanda agregada, o que permitiria às empresas recuperar sua produção potencial e restabelecer os níveis de renda e emprego. Embora a elevação da demanda agregada possa se dar através de políticas que estimulem o consumo, o investimento privado e as exportações, Keynes enfatizava o papel dos gastos do governo para que a economia sala mais rapidamente da crise de desemprego.

De fato, a demanda agregada (global) é realmente mals sensível, mais fácil de ser alterada e produz resultados mais rápidos a curto prazo do que a oferta (produção) agregada, que depende de recursos físicos, normalmente só disponíveis a médio ou longo, prazos.

Entretanto, o modelo keynesiano minimizou muito o papel da oferta agregada ao supor que ela se ajustaria rapidamente aos estímulos da demanda. O papel da oferta ficou relativamente negligenciado na Teoria Macroeconômica pelo menos até a ocorrência da crise do petróleo em 1973, que popularizou a expressão choque de oferta, pois o aumento dos preços do petróleo, ao elevar os custos de produção, provocou uma retração e conseqüente escassez da oferta de bens e serviços em muitos países.

3. O Equilíbrio macroeconômico

As observações anteriores revelam que existe uma diferença entre produto ou renda de equilíbrio e produto de pleno emprego.

Vimos que a renda de pleno emprego ocorre quando todos os recursos produtivos disponíveis estão empregados e a economia está produzindo com plena capacidade.

A renda de equilíbrio ou renda efetiva é determinada quando a oferta agregada iguala a demanda agregada de bens e serviços. Isso pode ocorrer abaixo do pleno emprego, significando que a produção agregada, apesar de abaixo de sua capacidade potencial, atende às necessidades da demanda. É uma situação tipicamente keynesiana, com equilíbrio macroeconômico com desemprego, ou equilíbrio abaixo do pleno emprego.

2. O Princípio da Demanda Efetiva, que prioriza o papel da demanda agregada na condução de políticas macroeconômicas, inverteu completamente a crença que prevalecia até então, segundo a qual "a oferta cria sua própria procura", a chamada Lei de Say. Como vimos no Capítulo 2, segundo o francês Jean Baptiste Say, a produção das empresas transformar-se-ia em renda dos trabalhadores e capitalistas, que seria gasta na compra de bens e serviços. Tinha como suposição que as pessoas não especulavam com a moeda, e só lhes restava gastar a renda que recebiam. De fato, quando foi criado esse conceito, praticamente não existia mercado de capitais, e tudo o que as pessoas recebiam, gastavam.

O objetivo de política econômica, no modelo keynesiano, é encontrar o equilíbrio a pleno emprego, ou seja, fazer o equilíbrio entre oferta e demanda agregadas coincidirem com a renda ou produto de pleno-emprego.

Como a oferta agregada é fixada a curto prazo, a política econômica deve-se concentrar em elevar a demanda agregada, por meio de instrumentos que proporcionem aumento dos gastos em consumo, investimento, gastos do governo, elevação das exportações acima das importações etc.

4. Comportamento dos agregados macroeconômicos no mercado de bens e e serviços

Para o manejo de políticas macroeconômicas, torna-se necessário tentar estabelecer relações funcionais, de causa e efeito, entre os grandes agregados, isto é, que fatores afetam seu comportamento. Se se conseguir estabelecer essas relações, as autoridades econômicas poderão ter uma melhor visão de como atuar sobre as mesmas, através da aplicação dos instrumentos de política econômica.

Essas relações entre variáveis macroeconômicas devem ser relativamente estáveis e regulares, isto é, ser válidas tanto na expansão como na recessão econômica, de forma a permitir às autoridades uma maior margem de previsibilidade em seu comportamento.

4.1. Consumo agregado

O consumo global de um país é influenciado por uma série de fatores, tais como: renda nacional, estoque de riqueza ou patrimônio, taxa de juros de mercado, disponibilidade de crédito, expectativas sobre a renda futura, rentabilidade das aplicações financeiras etc.

Os estudos empíricos (estatistícos) mostram, entretanto, que as decisões de consumo da coletividade são influenciadas fundamentalmente pela renda nacional disponível, que pode ser definida como a renda nacional deduzidos os impostos. A renda disponível é a parcela da renda que fica disponível para os consumidores gastarem (ou pouparem).

Podemos expressar essa relação assim:

C = f (RND)

onde:

C = consumo agregado;
RND = renda nacional disponível.

Um conceito importante, criado por Keynes, é o de propensão marginal a consumir 3, que é o acréscimo esperado no consumo decorrente de um acréscimo na renda disponível. Ou seja, é a propensão que a coletividade tem ao consumo, dada uma variação na renda. Por exemplo, uma propensão marginal a consumir igual a 0,8 indica que, dado um aumento na renda nacional de $ 100 milhões, o consumo aumentará em 0,8 de $ 100 milhões, isto é, $ 80 milhões.

4.2. Poupança agregada

A poupança é a parte residual da renda nacional disponível, ou seja, a parcela da renda nacional que não é gasta em bens de consumo. Ela pode ser assim expressa:

S = f(RND)

onde:

S = poupança agregada;
RND = renda nacional disponível.

Define-se também a propensão marginal a poupar, que é a relação entre a variação da poupança e a variação da renda disponível. No exemplo anterior, a propensão marginal a consumir é igual a 0,2, significando que de cada acréscimo da renda as famílias no agregado destinam 20% à poupança e 80% ao consumo.

A partir de séries estatísticas de consumo, poupança e renda nacional disponível, é possível calcular-se empiricamente essas relações, que são de grande utilidade para a política e a programação econômica. Os estudos revelam que os países mais desenvolvidos apresentam propensão marginal a consumir menor que a dos países em desenvolvimento. Evidentemente, as propensões a poupar dos países mais ricos são relativamente mais elevadas.

4.3. Investimento agregado

Investimento é o acréscimo ao estoque de capital que leva ao crescimento da capacidade produtiva (construções, instalações, máquinas etc.). Ele pode ser interpretado sob dois ângulos: a curto prazo, é visto pelo lado dos gastos necessários para a ampliação da capacidade produtiva. Como decorre um certo período de tempo até a maturação do investimento, considera-se que ele afetará a produção ou oferta agregada apenas a longo prazo. Ou seja, a curto prazo o investimento afeta apenas a demanda agregada.

O investimento é a principal variável para explicar o crescimento da renda nacional de um país. Entretanto, apresenta uma grande instabilidade, pois seu comportamento é de difícil previsão, por depender de fatores não apenas econômicos, mas das expectativas reinantes quanto ao futuro.

3. Existe também o conceito de propensão média a consumir, que é o nível (não o acréscimo) de ccnsumo sobre a nível de renda disponível. A propensão marginal a consumir refere-se à variação (à "margem") da consumo, dada uma adição na renda.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o investimento agregado é determinado por dois fatores básicos: a taxa de rentabilidade esperada e a taxa de juros de mercado.

A taxa de rentabilidade esperada ou taxa de retorno é calculada a partir da estimativa do retorno líquido esperado pela aquisição do bem de capital. Esses valores são calculados, através de matemática financeira, pelo valor presente ou valor atual dos retornos futuros. A taxa de rentabilidade esperada é também chamada, na literatura econômica, de eficiência marginal do capital: Maior a rentabilidade esperada dos projetos, maiores as inversões das empresas na ampliação da capacidade produtiva 5.

O investimento tem uma relação inversamente proporcional com as taxas de juros de mercado. Se a empresa já dispõe de capital próprio, a taxa de juros representará quanto a empresa ganharia se, em vez de investir em suas instalações, aplicasse no mercado financeiro. Se a empresa precisa tomar emprestado, para comprar equipamentos ou ampliar suas instalações, a taxa de juros de mercado representa para ela o custo do empréstimo. Nas duas situações, quanto maior a taxa de juros de mercado, menores os investimentos agregados.

Para a tomada de decisões sobre as despesas de investimento, o empresário compara então as duas taxas:

* e a taxa de retorno superar a taxa de juros de mercado, ele investirá na compra de bens de capital;
* se a taxa de retorno for inferior à taxa de juros de mercado, ele não investirá.

A demanda de investimentos também pode ser afetada pela disponibilidade de fundos de longo prazo.

5. O multiplicador keynesiano de gastos

Um dos principais conceitos criados por Keynes foi o do multiplicador de despesas eu gastos. Ele mostra que, se uma economia estiver com recursos desempregados, um aumento de um elemento na demanda agregada provocará um aumento da renda nacional mais que proporcional ao aumento da demanda. Isso ocorre porque, numa economia em desemprego, abaixo de seu produto potencial, qualquer injeção de despesas, seja via gastos com consumo, ou investimento, ou exportações, mas principalmente despesas do governo, provoca um efeito multiplicador nos vários setores da economia, pois o aumento de renda de um setor significará que os assalariados e empresários desse setor gastarão sua renda com outros setores (com alimentação, vestuário, lazer etc.), que por sua vez gastarão com outros bens e serviços, e assim continuamente.

4. Rigorasamente, a eficiência marginal da capital é a taxa de desconto que iguala a valor presente da fluxo dc rendas líquidas esperadas na compra de um bem de capital a seu preço de custo (ou de aquisição).

5. Estamos nos referindo basicamente ao investimento em bens de capital (máquinas, equipamentos, instalações) das empresas. Existem também os investimentos em moradias, que dependem das condições de financiamento e das taxas de juros de mercado, e os investimentos em estoques, que dependem também das taxas de juros e das oscilações de mercado.

Suponhamos que o governo resolva gastar, por exemplo, $ 100 milhões em estradas, hospitais e escolas. Ele contratará construtoras, que aumentarão a produção da construção civil nesse valor. Isso se transformará em renda dos trabalhadores e capitalistas do setor de construção civil, que, por sua vez, gastarão com, digamos, alimentos e vestuário.

Esses gastos dependerão das propensões marginais a consumir e a poupar. Supondo a propensão a consumir igual a 0,8 e a propensão a poupar igual a 0,2, os trabalhadores e capitalistas da construção civil gastarão $ 80 milhões com alimentos e vestuário, poupando $ 20 milhões. A produção de alimentos e vestuário elevar-se-á em $ 80 milhões, e será transformada em renda (salários, lucros) dos trabalhadores e empresários dos setores de alimentos e vestuário. Com a propensão a consumir agregada de 0,8, estes, por sua vez, gastarão $ 64 milhões (80% de $ 80 milhões) com, digamos, lazer. O setor de lazer receberá um incremento de renda de $ 64 milhões, e o processo continuará. Evidentemente, tende a se encerrar, pois a propensão a poupar limita esse mecanismo: a cada etapa, vaza 20% da renda adicional.

Ao final desse processo ocorrerá um acréscimo da renda e produto nacionais muito superior ao gasto inicial de $ 100 milhões.

Como se observa, essa multiplicação dependerá das propensões marginais a consumir e a poupar: quanto maior a propensão a consumir da coletividade, maiores os gastos com bens e serviços, em cada etapa, e maior o efeito multiplicador; maior a propensão a poupar, menor o multiplicador.

O multiplicador keynesiano (k) costuma ser expresso genericamente como:


Se, no exemplo anterior, o multiplicador fosse igual a 5, o aumento inicial de gastos do governo de $ 100 milhões levaria a um aumento da renda nacional de $ 500 milhões (5 x 100 milhões).

Entretanto, deve-se observar que:

a) o multiplicador também tem um efeito perverso: se os gastos caírem em $ 100 milhões, a renda cairá num múltiplo de $ 100 milhões (no exemplo anterior, $ 500 milhões). Os multiplicadores de tributos e de importações são negativos, já que representam vazamentos do fluxo econômico;

b) supõe-se que a economia esteja operando abaixo de seu potencial, ou seja, com desemprego. Em todas as etapas do processo, os setores sempre responderão ao estímulo de recursos com aumentos de produção. Parece claro que, se os setores estivessem operando à plena capacidade, uma injeção adicional de recursos só levaria ao aumento de preços, não do produto, podendo detonar um processo inflacionário.

6. Política fiscal, inflação e desemprego

Nesta seção veremos como podem ser aplicados os instrumentos de política fiscal para se reduzir inflação e desemprego. Trataremos de política fiscal pura, que é a aplicação de políticas tributárias ou de gastos públicos independente de políticas monetárias, ou seja, não nos preocuparemos com as implicações monetárias dessas políticas (o que só será feito no próximo capítulo).

6.1. Economia com desemprego de recursos

Como já observamos, o modelo macroeconômico básico, ou keynesiano, preocupa-se mais com a questão do desemprego de recursos, quando a economia está operando abaixo de seu potencial, ou pleno emprego.

Essa situação também é denominada hiato defLacionáno, que é a insuficiência da demanda agregada em relação à produção de pleno emprego. A questão básica, nesse caso, é como tirar a economia do desemprego.

Já foi colocado que, como a produção agregada potencial, de pleno emprego, não se altera a curto prazo, a política econômica deve recair sobre os elementos da demanda agregada, que deverá ser elevada, de forma que todo o produto potencial da economia possa ser comprado. Isso pode ser feito através dos seguintes instrumentos de política fiscal:

a) aumento dos gastos públicos;
b) diminuição da carga tributária, estimulando as despesas de consumo e de investimento;
c) subsídios e estímulos às exportações, que elevam a demanda do setor externo por nossa produção;
d) tarifas e barreiras às importações, que devem beneficiar a produção nacional.

O governo pode também aumentar a demanda agregada e manter o orçamento público equilibrado. Mostra-se, através do chamado Teorema do Orçamento Equilibrado, que, numa situação de desemprego, se os gastos públicos forem elevados no mesmo montante da arrecadação fiscal, a renda nacional aumentará nesse mesmo montante. Isso ocorre devido à diferença exercida pelos gastos públicos e pelos impostos sobre a demanda agregada. Um aumento nos gastos, digamos, de $ 100 milhões aumenta imediatamente a demanda agregada nesse montante, enquanto um aumento de impostos nesse mesmo valor não reduz a demanda agregada em $ 100 milhões, porque os consumidores não reduzirão seu consumo nesse valor, pois parte do imposto será pago com sua poupança, e não pela redução do consumo.

Supondo uma propensão marginal a consumir igual a 0,8, o consumo agregado diminuirá em $ 80 milhões, e não em $ 100 milhões. Ou seja, um aumento nos gastos do governo no mesmo valor dos impostos ($ 100 milhões) ainda permitirá um aumento da demanda agregada e da renda nacional em $ 20 milhões num primeiro momento. Se levarmos em consideração o efeito multiplicador nos momentos seguintes, prova-se que o aumento da renda nacional chega aos $ 100 milhões, ou seja,

Aumentos dos gastos públicos = Aumento da tributação = Aumento da renda nacional = $ 100 milhões

6.2. Economia com inflação

Embora o arcabouço teórico criado por Keynes esteja baseado em uma situação de desemprego, ele pode ser aplicado, mutatis mutandi, para uma conjuntura inflacionária.

O hiato inflacionário ocorre quando a demanda agregada de bens e serviços supera a capacidade produtiva da economia. Ou seja, a procura agregada está muito aquecida, e a oferta de bens e serviços não tem condições de acompanhá-la, o que leva à elevação dos preços. Trata-se de um diagnóstico de inflação de demanda.

Nesse caso, os instrumentos de política fiscal seriam:

a) diminuição dos gastos públicos;
b) elevação da carga tributária sobre bens de consumo, desestimulando os gastos em consumo; c) elevação das importações, pela redução das tarifas e barreiras, o que aumentaria o grau de abertura da economia para produtos estrangeiros, aumentando a competitividade, o que inibiria elevações de preços internos.

O aumento da carga triburária deve sempre preservar, na medida do possível, os investimentos e as exportações, mesmo numa conjuntura inflacionária, sob o risco de comprometer a produção futura e de perder mercados já conquistados.

Ressalte-se que essas medidas antiinflacionárias devem ser aplicadas dentro de um diagnóstico de inflação de demanda. Se tivermos inflação de custos, isso significa que a produção está abaixo do pleno emprego, pois, como veremos mais tarde, a inflação de custos, ou de oferta, deve-se ao aumento dos custos dc produção, que retrai a produção agregada. Nesse caso, políticas de contenção da demanda agregada apenas rebaixarão ainda mais o nível de produção, aprofundando a crise de desemprego.

No capítulo seguinte discutiremos como os instrumentos de política monetária podem ser utilizados para debelar inflação e desemprego. No capítulo sobre setor externo veremos os instrumentos de política comercial e cambial dentro desses mesmos objetivos.

6. Essa prova pode ser encontrada, por exemplo, em Vasconcellos e Troster, Economia básica, p. 240.

APENDICE A

Determinação da renda nacional de equilíbrio

O modelo macroeconômico básico, ou modelo keynesiano, costuma ser formalizado matematicamente como se segue.

A renda nacional de equilíbrio (RN) é determinada pelo encontro da oferta agregada (OA) com a demanda agregada de bens e serviços (DA):

OA - DA

A oferta agregada é o próprio produto ou renda nacional:

OA = RN

e a demanda agregada é dada por

DA = C + I + G + (X - M)

onde C é a despesa com bens de consumo, I os gastos das empresas com investimentos, G os gastos do governo, X as exportações e M as importações agregadas.

A condição de equilíbrio fica então

RN = C + I + G + (X- M)

Um exemplo numérico mostra como RN é determinada.

Suponhamos uma economia a dois setores (sem governo e setor externo) e que a estimativa da relação entre consumo e renda seja dada pela equação:

C = 10 + 0,8 RN

(trata-se de uma relação crescente, com inclinação igual a 0,8, e intercepto igual a 10).

Suponhamos ainda que o investimento seja igual a 5 e, apenas para simplificar, não dependa de variações da renda nacional.

Vimos que a condição de equilíbrio é igual a:

OA = DA

ou

RN = C + I + G + (X - M)

Substituindo

C= 10 + 0,8 RN

e

1 = 5

na condição de equilíbrio, e lembrando que, por simplificação, G = 0, T = 0, X = 0 e M = 0, vem

RN = 10 + 0,8 RN + 5
RN = 15 + 0,8 RN

Isolando RN no primeiro termo, vem

RN - 0,8 RN = 15
0,2 RN = 15

15
RN = ---
0,2
ou

RN = 75

Essa seria então a renda nacional de equilíbrio. Ou seja, a renda efetiva da economia, que equilibra a oferta e a demanda agregadas de bens e serviços.

Não corresponde necessariamente à renda ou produção de pleno emprego. Observamos no texto que a característica principal do modelo básico é justamente supor a economia operando abaixo do pleno emprego, o que diferencia a renda de equilíbrio (entre a oferta e a demanda agregadas) da renda de pleno emprego.




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