ARTIGO DO ARQUIVO PESSOAL

PROF. ADHEMAR BERNARDES ANTUNES

AUTOR : LUIZ PAULO CONDE

TEMA: A CANIBALIZAÇÃO DO PROFESSOR

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO, CAD. A3, PÁG. 3, DE 14/11/2001

 

A CANIBALIZAÇÀO DO PROFESSOR

LUIZ PAULO CONDE

Como explicar que um governo formado por professores

tenha deixado a situação chegar ao ponto em que chegou?

Triste a nação que reúne, em trincheiras opostas, governantes e mestres. Pobre este nosso país, que em 2001 comemorou o Dia do Professor entre vaias e impropérios. Que assistiu a um quebra-quebra durante as provas de vestibular e ainda se viu obrigado a anular o concurso. Que tem seus profissionais de ensino em greve por melhores salários há mais de três meses.

Fatos e circunstâncias, sem dúvida, jamais vistos. Nem nos sombrios tempos de decreto 477, tempos de ditadura, quando ser estudante era atividade de alto risco.

A séria crise que o país enfrenta no sistema federal de ensino é ruim para todo mundo.

De imediato, perdem alunos e professores; mas, no longo curso, perde o Brasil, porque se afasta mais e mais de um futuro aceitável. Afinal, país sem educação é país sem projeto, nação sem futuro. Há pencas de artigos, análises, estudos das mais variadas procedências e das mais diferentes correntes políticas e acadêmicas a sustentar esta afirmação, de modo que se trata de incontestável obviedade.

Como explicar, então, que um governo formado, em essência, por professores, gente educada com dinheiro público, egressa de nossas melhores universidades, tenha deixado a situação chegar ao ponto que chegou?

Como explicar que o governo que aí está não tenha apresentado à sociedade, em oito anos no poder, um projeto capaz de corrigir rotas, resolver mazelas e sinalizar um futuro para as universidades públicas?

Nada, à exceção do provão; o que realmente é pouco, muito pouco.

E qual é a situação a que chegamos?

Sou professor da UFRJ há 30 anos. Professor concursado, primeiro assistente, depois titular. Fui também chefe de departamento e diretor por eleição. Com contrato de 40 horas, meu salário é de R$ 1.786,72. Na minha época não havia curso de doutorado. Mas mesmo não sendo doutor, no topo da carreira o professor adjunto 4, em regime de dedicação exclusiva, percebe R$ 3.085,68. Este é o ponto a que chegamos.

O que impressiona a todos nós, para dizer o mínimo, é como um ministro da Educação que já foi estudante, professor e reitor de universidade não consegue enfrentar a adversidade e fazer prevalecer o diálogo. O ministro, mesmo diante da situação de greve, instrumento que faz parte do jogo democrático, tem que conversar com os professores. E ainda que tenha razão, não pode chamar colegas de fascistas.

Este mesmo ministro, quando argumenta que as universidades federais não podem suspender atividades porque há dinheiro público em jogo, parece esquecer que a educação básica, média e superior é uma dívida pública do governo com a nação. Colocar-se na trincheira oposta à da comunidade acadêmica, em definitivo, não resolve. Ao contrário, nega que o rei está nu e atrasa o entendimento.

Ora, que país é este que não consegue fixar um salário mínimo digno para a população, nem tampouco definir um teto salarial para o serviço público, obrigando o Judiciário a seguir uma letra de lei inaceitável? Por isso estamos assistindo à luta do governador Anthony Garotinho contra os supersalários e as superaposentadorias de mais de 5.000 servidores estaduais, alguns com "direito" a receber até R$ 29 mil mensais. Trata-se de uma discrepância.

O que está em jogo na mesa de negociação com os professores federais é o projeto do país Brasil, que só tem a educação como arma contra a desigualdade. Porque também através dos salários um país faz suas escolhas. E o país que sustenta um mercado capaz de oferecer salários de R$ 60 mil, R$ 80 mil para um jovem executivo de banco de investimentos não pode em nenhuma hipótese, sob qualquer argumento, tolerar que um professor, que além de ensinar em sala de aula, estuda, planeja, prepara e corrige provas, ganhe salário tão baixo.

A seguirmos este caminho, não teremos mais quem ensine geografia, matemática, português e física em nossas escolas, porque os professores, sem planos sérios de carreira, serão aproveitados em postos de trabalho que oferecem melhor remuneração. A seguirmos este caminho, de canibalização não só dos recursos físicos, mas da inteligência do sistema de ensino público, ampliaremos o fosso da desigualdade, insuflando uma diáspora de cérebros brasileiros que buscam no exterior as condições de trabalho inexistentes em seu próprio país.

Ao professor o governo deve um plano de carreira, assim como o têm militares, diplomatas, fiscais de renda. Ao país o governo deve, por responsabilidade de Estado, a manutenção do ensino público, sob pena de sucatear também o sistema privado —o que já vem ocorrendo—, nivelando tudo pelo abaixo da crítica.

Se crise há é porque a importância da educação foi reduzida no Brasil, apequenada por governantes que no passado foram professores. O que está em jogo não é a matemática financeira de reajustes acumulados ao longo do tempo, mas a construção da matriz de valores da nossa sociedade e a expectativa de futuro da nossa população. E neste campeonato perverso, por enquanto, não há inocentes nem vitoriosos.

Luiz Paulo Conde, 67, arquiteto,

é presidente da ONG Vivercidades.

Foi prefeito do Rio de Janeiro de 1997

a 2000 e secretário de Urbanismo do mesmo município (gestão César Maia).

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