Extrato
da Resenha do Exército - 29 Set 04
GRANDES
REPORTAGENS
Fronteiras AMEAÇADAS
Com a crescente escassez dos recursos naturais, sobretudo a água doce e
minérios estratégicos, a Amazônia situa-se no olho do furacão para
previsíveis conflitos militares nas próximas três ou quatro décadas.
As Forças Armadas têm aumentado seu poder de fogo, especialmente com a
transferência de unidades do Exército para a região, a exemplo do que
aconteceu com a mudança do 10º Grupamento de Artilharia e Campanha
(GAC), de Fortaleza para Boa Vista (RR). Isso fez com que a equipe de
reportagem do Diário do Nordeste extrapolasse o registro da perda de um
quartel cearense para se aprofundar na nova doutrina de defesa no Norte do
Brasil. Durante 20 dias, os repórteres percorreram cerca de 14 mil quilômetros
naquela área e identificaram ali um verdadeiro barril de pólvora: miséria
e corrupção na fronteira do Brasil com a Guiana e o Peru, o contrabando
nas proximidades com a Venezuela e o narcotráfico e a guerrilha na Colômbia.
AMAZÔNIA
A SELVA como máquina de guerra
Os desafios para a manutenção das fronteiras
Um estirão de terras selvagens com densidades populacionais baixíssimas.
Assim é Amazônia. Ao todo são 5.217.423 km², que correspondem à
chamada Amazônia Legal, e 11.248 quilômetros de fronteiras com oito países
(Peru, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Equador, República Cooperativa da
Guiana, Suriname e Guiana Francesa).
Nesse imenso lugar, onde se pensaria o País como uma romanidade tardia,
melhorada pela fusão das raças, não habitam apenas populações miseráveis
e em crescente processo de destruição étnica. São também nessas regiões
que se encontram nuestros países hermanos, desconhecidos, isolados e que,
num primeiro momento não aparecem como uma ameaça militar para o Brasil.
Mas é exatamente no contorno da selva amazônica que o Brasil está
preparando uma máquina de guerra, dita pelos seus militares como
dissuasiva e com o propósito de resistir numa guerra de guerrilha. O
inimigo é quem cobiça a floresta, com todos os seus recursos minerais e,
sobretudo, a água, que pode ser alvo de uma disputa internacional nos próximos
50 anos.
Ironicamente, essa mobilização acontece este ano, quando se celebra os
40 anos do regime militar instalado em 1964, e que teve como principal
enfrentamento de opositores radicais, a guerrilha do Araguaia, no Norte do
País. De iniciativa do PC do B, o movimento mobilizou o maior número de
tropas já visto em solo brasileiro, em meados da década de 70. Mas a
exemplo da opção da esquerda armada em embrenhar-se na mata para gerar
um centro disseminador de focos revolucionários, hoje é o Exército que
busca uma aliança e cumplicidade com a floresta para resistir a um
inimigo ainda indefinido.
TÁTICAS
Armadilhas na selva
As armadilhas são táticas que estão longe de ser uma novidade. Boa
parte delas empregadas na floresta foi utilizada na guerra do Vietnã,
pelas tropas locais de resistência. Atualmente, compõem o conjunto de
instruções básicas de guerra na selva, sendo empregadas pelo Exército,
Marinha e Aeronáutica. A idéia é causar o máximo de baixas nas tropas
inimigas, ferindo ou matando, de modo a retardar a marcha ou favorecer as
emboscadas. As ciladas utilizam materiais encontrados na própria mata,
aumentando a afinidade do combatente com o ambiente da selva, para que a
mesma seja uma aliada.
QUEBRA-CANELA - Funciona como um tipo de gangorra. O inimigo, ao pisar num
terreno em falso, ergue, na outra extremidade, um conjunto de estacas de
madeiras. O tamanho do equipamento depende do número de pessoas que se
pretende atingir, mas o principal objetivo é causar baixas. Apesar do
emprego vasto na guerra do Vietnã, sofreu quase nenhuma modificação
pela doutrina militar brasileira
FURA-CARA - É uma espécie de gangorra erguida para atingir a face do
adversário. Em geral, nas pontas das estacas, são colocadas fezes e
urinas, que no ambiente de selva, potencializam os efeitos de infecção.
Em geral, a principal vítima é “o esclarecedor”. Ou seja o guia
PONTE FALSA - Trata-se de um terreno em falso, coberto com folhas e
gravetos, em que sob esse piso há uma vala com estacas envenenadas. Na
Amazônia, os soldados utilizam nessas pontas venenos de animais,
principalmente de sapos, que expelem uma secreção nociva, capaz de levar
à morte. No entanto, eliminar ou ferir é um ganho considerável em
dificultar o avanço da marcha inimiga
REPORTAGEM
Aventura de 13,8 mil/km no Norte do País
As constantes discussões sobre uma possível ameaça à Amazônia
motivaram a equipe do Diário do Nordeste, formada pelos repórteres
Marcus Peixoto e Eduardo Queiroz, a percorrer mais 13,8 mil quilômetros,
por ar, terra e água para tentar mostrar o que existe de fato e quais as
estratégias utilizadas para a defesa das fronteiras. Foi uma viagem longa
e penosa que durou 20 dias.
O objetivo da equipe foi a busca por uma compreensão no aumento das
mobilizações do Exército da Região Amazônica. Isso vem ocorrendo
desde o final da década de 80, mas tocou o Ceará a partir da transferência
do quartel do 10º Grupamento de Artilharia e Campanha (GAC), de
Fortaleza, para Boa Vista, capital de Roraima, em 2002.
Com essa transferência, somada às raízes cearenses que também se
entranharam no Norte do País, o Diário do Nordeste foi a campo e
estendeu o raio da investigação jornalística pelas áreas mais sensíveis
da fronteira, desde o lado setentrional até o mais ocidental do País.
Com isso, foram visitadas as regiões de fronteira do Brasil com a
Venezuela, Guiana, Colômbia e Peru. São nessas regiões que brasileiros
apresentam um contato mais direto com povos das Américas espanhola e
inglesa, com distinções de etnias, línguas e religiões, mas que
afloram mais vivamente o atraso terceiro-mundista relegado às fronteiras
da América do Sul.
Essa pobreza, no entender de antropólogos, militares e analistas de órgãos
de inteligência, entrevistados pelo Diário, cresceu nas últimas décadas
e influi na insegurança do lado brasileiro, por ainda motivar o rol dos
ilícitos e da tensão.
Contudo, é forte a imagem da resistência e do trabalho que se desenvolve
na vertente filosófica do Exército de ser braço forte, mas ter ainda a
mão amiga. Assim, são construídas escolas indígenas, promovidos cursos
profissionalizantes e assistidas com alimentos e medicamentos as populações
mais isoladas.
Os repórteres testemunharam, especialmente, a ligação do abandono,
isolamento, desconhecimento entre si dos povos das Américas, tendo como
ponto de partida o descaso com a questão indígena. A política
indigenista, que nunca foi muito clara em seus objetivos, criou ações
confusas para a compreensão do conjunto da sociedade brasileira, quando
se fala em novas demarcações de terras indígenas. Há uma sensação
clara de como foram transformados em massa de manobra, ao mesmo tempo em
que as reivindicações justas perderam-se nas tentativas de manipulação
e alienação étnica.
Quando Edmundo Wilson escreveu Apologies to the Ioroqois, (Desculpas aos
iroqueses), explicou o quanto sua erudição intelectual prejudicou suas
percepções em torno do que aconteceu no quintal de sua casa, antiga
terra Ioroqui. Como disse Antônio Calado, estamos a pedir perdão, de um
lugar longínquo, aos povos indígenas das Américas. Do mesmo modo
estamos mais distantes ainda do sonho de Darcy Ribeiro, em ver no Brasil
uma Roma renovada, arejada pela floresta tropical e vivificada pela
harmonia das raças, “culturalmente plasmada pela fusão e saber de
nossas três matrizes”. Ou seja, o Brasil formado pela domínio milenar
do índio sobre os trópicos, a religiosidade e espiritualidade dos negros
e a herança intelectual dos brancos.
AMAZÔNIA
Bases militares representam ameaça
Apesar de considerar a Amazônia como centro da cobiça internacional, o
coronel Carlos Martins Katter, coordenador de contra-inteligência, da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), no Ceará, acredita que há opiniões
e avaliações exageradas sobre uma possível articulação militar na
Região.
A principal ameaça, conforme vem sendo divulgado em sites pela internet,
é a formação de bases militares norte-americanas ao longo da fronteira
brasileira na região Amazônica. Ao todo, seriam 20 bases que se
completariam, além de mais uma a ser instalada em Alcântara, no Maranhão,
mas cujos esforços foram malogrados até o momento. No entanto, fala-se
numa base de foguetes na Guiana, em área de litígio com a Venezuela. De
acordo com o coronel Katter, que é acreano e conhecedor da Amazônia, é
inegável o poder militar dos Estados Unidos.
No entanto, sabe-se que estrategicamente há outros recursos militares bem
mais eficientes. O principal deles, conforme observa, é a manutenção de
uma grande força-tarefa voltada para a América Latina.
VENEZUELA
CONTRABANDO gera prejuízo ao Brasil
Gasolina e álcool estão entre os principais itens de comércio
clandestino
A linha que separa o Brasil da Venezuela fica mais visível no marco VB-8
(Venezuela, Brasil marco 8), assinalado com bandeiras dos dois países, ao
longo da BR-174. Depois essa fronteira é pontilhada com estacas de
concreto até o Monte Roraima, inclusive no lado da demarcação tríplice
com a República Cooperativa da Guiana, passando por terras indígenas já
demarcadas.
É uma paisagem tomada pelo verde, mas não pela selva amazônica que se
concentra mais a oeste de Roraima. Há uma predominância dos terrenos
lavrados e com florestas menos intensas, predominando o buriti.
Esse cenário se faz presente por quase todo o percurso da rodovia, para
quem se desloca de Boa Vista até a fronteira com a Venezuela. Para chegar
a Caracas, a Capital do País, são mil quilômetros, com mais vegetação
de arbustos, colinas e de onde se ver, ao longe, os ricos campos de petróleo
da Venezuela.
Essa é uma riqueza que influi numa tensão entre os dois países. O petróleo
farto e a moeda desvalorizada disseminam o contrabando de gasolina da
Venezuela para o Brasil.
Calcula-se que fica em torno de 1 milhão de litros por mês, o desvio de
gasolina para o lado brasileiro. Isso acontece pelo preço baixo do
combustível vindo de Santa Helena, cidade venezuelana fronteiriça com
Pacaraima, no lado brasileiro e a 350 quilômetros de Boa Vista. O litro
do combustível custa R$ 0,15, mas que acaba valendo R$ 0,30 para os
motoristas, quando se paga propinas para policiais dos dois lados. Mesmo
assim, os contrabandistas em suas Pampas, únicos veículos adaptados e em
situação legal para comportar dois tanques, chegam a fazer pelo menos
duas viagens de ida e volta, que somam 1.400 quilômetros.
O governador de Roraima, Flamarion Portela, diz que o prejuízo não se
resume a apenas ao que o Estado deixa de arrecadar em ICMS, representando
mais de R$ 500 mil por ano. Há toda uma cadeia de prejuízos para a
economia, que começa pelo fechamento de postos e o aumento do desemprego,
pela dispensa dos frentistas.
O rol de itens do contrabando inclui ainda bebidas alcoólicas vendidas
bem mais baratas em Santa Helena. Uma lata da cerveja da marca Polar também
custa R$ 0,30.
A cidade lembra Ciudad del Este, no Paraguai, quando começou o trânsito
de brasileiros na tríplice fronteira do Paraguai, Argentina e Brasil,
antes da liberação dos produtos importados. Nas três ruas principais de
Santa Helena, as casas comerciais vendem desde produtos eletrônicos,
bebidas e cigarros até pedras de diamante e ouro.
“Esse é o mercado se levantando na fronteira”, afirma a enfermeira
aposentada Lícia Souza, que complementa suas receitas domésticas com a
venda varejista adquirida em zonas de livre comércio.
Pelas ruas, tudo é convidativo ao consumo, inclusive os supérfluos. A
moeda é o Bolivar, bastante desvalorizado diante do real: mil bolivares
eqüivalem a R$ 1,00. O que mais empolga a classe média de Boa Vista e até
de Manaus são os pacotes turísticos para o Caribe venezuelano, mais
precisamente na Ilha Margarita. O pacote para um final de semana
prolongado, saindo de Boa Vista, fica em torno de R$ 1.500,00, menos da
metade de uma passagem de avião no percurso Boa Vista a Fortaleza.
Os próprios suboficiais do Exército provenientes do Ceará são os
primeiros a optarem pela Venezuela nas férias, ao invés de reverem os
parentes em Fortaleza ou no interior cearense. Para o sargento Francisco
Edvan Silva de Morais, 39 anos, antes residente na Cidade dos Funcionários,
“Fortaleza ficou muito longe para se voltar”. Reclama, ainda, do
isolamento em que ficam na região de fronteira.
Mas nada se compara em movimentação de brasileiros com o que ocorre em
bombas de combustível em Santa Helena. As filas de carros são
acompanhadas por homens da Guarda Nacional.
COLÔMBIA
Estigma do narcotráfico prejudica população
Tabatinga, com 37.719 habitantes, faz fronteira com Letícia, capital do
departamento Amazônico da Colômbia. O principal meio de transporte entre
essas duas cidades é o fluvial. Há uma linha regular de vôo, feito por
uma companhia aérea comercial. No entanto, é impossível o acesso por
estrada. Apesar da fama destas duas cidades constituírem o papel de porta
de entrada para drogas ilícitas provenientes da Colômbia para o Brasil,
são os mais importantes ponto de comunicação entre as regiões amazônicas
destes dois países.
No dia-a-dia das cidades, cuja entrada e saída passa pela Avenida da
Amizade, não há sinais explícitos da violência e da insegurança que
causam para as autoridades brasileiras. Para os cidadãos de Letícia, o
problema maior é o estigma que a região traz, por conta do narcotráfico
e da guerrilha. Esse é um clima desconfortável para a mototaxista
colombiana Cláudia Patrícia Idubin, 23 anos, que já vive as agruras de
não contar com trabalho estável.
Além de ganhar pouco, Cláudia diz ver o cotidiano das batidas policiais,
em busca de armas e drogas dos cidadãos. “A violência faz com que a
Polícia esteja sempre fazendo blitz”, afirma. No comércio de Letícia,
são vivas as lembranças das matanças de pessoas, no auge dos conflitos
pelas drogas. O proprietário da loja La Naturalista Artesanale, Hector
Novoq, 57 anos, diz que muita coisa mudou. No entanto, há ainda o temor
da volta da violência como havia no passado.
COMANDO
EM TABATINGA
Fronteira é vigiada por 934 homens
O tenente-coronel de Infantaria, Francisco José Fonseca de Medeiros, 44
anos, é outro cearense que foi para a linha de fronteira mais alvoroçada
de interesses internacionais e de práticas criminosas. Ele é responsável
pelo Comando de Fronteiras Solimões em Tabatinga. Sob sua
responsabilidade, há uma área total de 1.631 quilômetros de fronteira,
com a Colômbia e o Peru.
O extenso marco divisório torna-se maior do que o Estado do Acre. O
comando está vinculado à 16ª Brigada de Infantaria da Selva, em Tefé,
no Amazonas. Para toda a vigilância, o comando em Tabatinga dispõe de um
efetivo de 934 homens, com quatro pelotões de fronteira. Medeiros
reconhece que poucas fronteiras brasileiras reúnem um rol tão vasto de
problemas e obriga a cuidados especiais para o setor de vigilância
brasileira. Segundo ele, não é para menos a concentração física e
mental dos soldados na área durante 24 horas por dia nos 365 dias do ano.
A relação das ilicitudes, que ocorrem nas regiões de fronteira com a
Colômbia e o Peru, começa por aquilo que, aparentemente, não deveria
causar grandes melindres para os militares, como o contrabando do quelônio
- um peixe pré-histórico - e a extração ilegal do mogno. No entanto, a
vigilância culmina com as grandes ações, que vez por outra geram
incidentes diplomáticos e colocam o Brasil no centro de uma crise
internacional com ambos os países.
Medeiros cita como exemplo a fiscalização mais ostensiva nos rios, que
levou incômodos para a diplomacia brasileira e mais ainda para o comando
militar, diante da gravidade da denúncia. Num passado recente, os
militares brasileiros estavam sendo acusados de apreender barcos e
subtrair mercadorias dos ribeirinhos. Não houve maiores dificuldades para
que os militares brasileiros se defendessem e revelassem a trama delicada
que acontece na vigilância dos rios amazônicos.
“Nós aqui lidamos apenas com tiro real. Não há missão de treinamento
e existe, de fato, uma operação militar planejada”, afirma. Numa
dessas missões de vigilância, em 26 de fevereiro de 2002, soldados
brasileiros foram atingidos a tiros por guerrilheiros colombianos, nas
proximidades da localidade de Traíra. O Brasil retaliou com fogo,
conforme conta Medeiros, e sabe-se que desse incidente quatro
guerrilheiros desapareceram no rio e um foi preso em território
colombiano. O Exército é ciente que a relação com comerciantes
ribeirinhos e militantes guerrilheiros se dá pela facilidade no tráfego
pelos rios, por onde passam provisões para militantes das FARC e cocaína
para o Brasil.
PROGRAMA
GOVERNO tenta fixar população nas fronteiras
Calha Norte recebe R$ 30 milhões para a implantação de obras
De um total de R$ 67 milhões previstos do orçamento da União de 2004
para o Programa Calha Norte, cerca de R$ 30 milhões já foram liberados,
devendo-se somar a mais R$ 12 milhões a serem destinados este ano pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O programa tem o objetivo de vigiar as fronteiras do Brasil com a Colômbia,
Venezuela, Guiana e Suriname, além de realizar trabalhos sociais e de
infra-estrutura. O gerente do Calha Norte, coronel Roberto de Paulo
Avelino, considera que são receitas ainda miúdas para a execução
devido à grandiosidade do Calha Norte do programa, mas está diante da
realidade brasileira.
Avelino fala como um empreendedor. Aliás, o Exército vem adotando uma
terminologia suplementar ao jargão militar e própria da filosofia de negócios,
que fomenta a força de venda das empresas.
O empreendedor Avelino afirma que está trabalhando com uma receita
superior a vários ministérios. Somente com os recursos já liberados, o
Programa está gerindo verbas que são acima do que recebeu os ministérios
da Cultura, Comunicação e Turismo.
O uso de R$ 35 milhões, provenientes de todas as captações de 2004, é
informado por Avelino como tendo destino às atividades militares e de
ajuda civil, de modo a firmar o homem na fronteira e evitar o êxodo de
uma população já tão minguada.
Com isso, foram construídas pontes, escolas, postos de saúde, edificações
de pelotões especiais de fronteira e a manutenção da estrada
Surumu-Uiramutã, na área da Raposa Serra do Sol, em Roraima.
“Nossa maior preocupação é firmar o homem na fronteira e fomentar o
crescimento dos agrupamentos humanos, que são uma forma estratégica de
luta pela soberania nacional”, salienta Avelino.
Na sua opinião, tem sentido dizer que se o brasileiro não estiver
presente na fronteira essa será tomada pelo estrangeiro. No entanto, não
é possível essa presença se não houver o mínimo de estrutura social,
como postos de saúde, escolas e atividades profissionalizantes.
Nos Pelotões Especiais de Fronteiras (PEFs), por mais remota que seja a
área instalada, tem-se dado uma estrutura com médico, dentista e um
laboratorista. Esses profissionais exercem um serviço imediato para as
populações brasileiras e até para estrangeiros.
“É comum em todos os PEFs recebermos estrangeiros. Isso acontece em
Bonfim, com os cidadãos de Lethem, em São Gabriel da Cachoeira, com os
colombianos e em Tabatinga, com peruanos e colombianos”. Avelino diz que
essa demanda acontece devido à boa parte de os países da América do Sul
não contar com um atendimento dos moldes do Sistema Unificado de Saúde
(SUS), voltado para as classes sociais de baixa renda.
O gerente do Calha Norte informou que o Brasil precisa de, pelo menos,
quatro novos PEFs, a curto prazo, para serem instalados em áreas com
grande vazio demográfico. A prioridade são os Estados do Acre e de Rondônia,
que deverão contar com essas unidades num período máximo de dois ou três
anos.
“É natural que em torno dos PEFs surjam aglomerações organizadas das
populações, até se transformarem em cidade. Foi assim que aconteceu em
Tabatinga e em São Gabriel da Cachoeira”, salienta.
Para Avelino, o ponto negativo do Calha Norte é que não houve
engajamento com muita ênfase de outros órgãos do governo, no sentido de
não apenas aumentar o número de edificações, como também de serviços.“Temos
ainda pouca estrutura da Polícia Federal, do Ibama e até mesmo da
Funai”, diz. Em contrapartida, o governo tem dado prioridade para as ações
do Calha Norte, adotando objetivos tanto para as ações militares quanto
civis. Avelino assevera que o Calha Norte, implantado em 1985 nas regiões
fronteiriças da porção setentorial do País, é um sucesso. Tanto
assim, que ofuscou as tentativas de se criar o Calha Sul. “O Calha Norte
já é dono de uma grife. Nós expandimos a linha de ação sem que seja
preciso mudar a grife”, afirma o empreendedor.
AMAZÔNIA
Interesse estrangeiro é preocupante
Francisco Cavalcante, secretário de Segurança de Roraima, alerta sobre a
movimentação de ONGs na região, especialmente na luta por terras indígenas
“Quem está fora da nossa região não tem a verdadeira dimensão do que
significa a cobiça internacional na Amazônia. Pensa que é uma fantasia
e, o pior, que não existem ações práticas de estrangeiros nesse território”.
A afirmação é do secretário de Segurança de Roraima, Francisco Sá
Cavalcante, ao avaliar as movimentações de Organizações Não
Governamentais (ONGs), especialmente na luta pela demarcação de terras
indígenas.
Cavalcante revela que são visíveis as presenças dessas ONGs, inclusive
com sinalizações de bandeiras da União Européia. Com esses indígenas,
também foram encontrados mapas do Brasil, mais precisamente da época do
descobrimento (século XVI), em que não inclui a região amazônica. “O
interesse do estrangeiro nessa região é preocupante. Exemplo maior dessa
ação tem sido as pressões para a demarcação da reserva Raposa Serra
do Sol, em terras contínuas”, diz.
Cavalcante, que é cearense, ocupou antes de aposentar-se da Polícia
Federal, o cargo de superintendente regional do órgão no Ceará. Em
Roraima, vem se dedicando à reformulação da Polícia.
O Estado tem ainda a particularidade de que os delegados são cargos
nomeados. Na gestão do novo secretário de Segurança, foram realizados
concursos públicos para toda a Polícia Civil.
Entretanto, são diversos os problemas de segurança desde a Capital Boa
Vista, até os municípios do entorno e, principalmente, as regiões de
fronteiras.
A corrupção na Polícia também favoreceu o livre trânsito de combustível
contrabandeado da Venezuela para o Brasil. Segundo Cavalcante, chegou-se a
um índice de 90% de ligação de antigos policiais no favorecimento do
crime. “Por essa razão, quase nunca funcionava os bloqueios nas
estradas para conter o contrabando de combustível e até de bebida alcóolica”.
VENEZUELA
Isolamento é uma das principais dificuldades
Em Pacaraima, funciona o 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira), com um
contingente de até 50 homens. A unidade fica próximo ao território indígena
de São Marcos, uma extensa faixa de terra, onde raramente se vê uma
maloca erguida.
O comandante em exercício, o tenente Ricardo Alexandre Lage, de 22 anos,
não se diz inexperiente para o comando e acha o PEF fragilizado para um
enfrentamento pelotão.
Alexandre é solteiro e saído dos quadros do Núcleo de Preparação de
Oficiais de Reserva (NPOR). Uma vez por mês, é liberado para o
arejamento (que significa sair da unidade militar para um repouso) em Boa
Vista. No PEF, cuida-se de uma horta, pocilga e uma granja que provêm
alimentos para a tropa.
“Nossa missão é de um posto de vigilância avançado”, explica ao
chamar a atenção para a retaguarda com maior poder de fogo instalada em
Boa Vista.
Num outro extremo da fronteira, no meio da clareira, contornada pela selva
amazônica, situa-se o posto especial de fronteira do Exército
brasileiro, em Uiramutã, a 330 quilômetros de Boa Vista, Roraima.
O PEF tem à frente o tenente João Carlos Duque, 24 anos, que comanda 45
homens, sendo quatro oficiais. “Para mim essa está sendo uma experiência
de outro mundo. Cabe a mim resolver dos problemas mais simples aos
complexos”, diz o militar.
Duque, que é solteiro, conta também da dificuldade em trazer as mulheres
para as áreas de pelotões de fronteiras. Não no PEF de Uiramutã, mas
em muitos outros instalados ao longo das fronteiras da região da Amazônia,
há uma inadaptação de muitas famílias. Por maior que seja o idealismo
dos maridos, a monotonia, o isolamento da família e a distância para as
visitas promovem, quase sempre, crises de depressão nas mulheres mais
jovens.
GUIANA
Jovem sonha em migrar para o Brasil
O desemprego no lado da Guiana e a disponibilidade de trabalho melhor
remunerado em Boa Vista e até Manaus fazem com que, principalmente, os
jovens sonhem com a possibilidade de imigrarem para o Brasil.
A garçonete Odette Alícia Pompey, de 20 anos, por exemplo, tem a pretensão
de sair de Lethem para morar com uma irmã frentista em Boa Vista. Ela
trabalha no Takutu Guest House, uma pousada próxima ao aeroporto.
Por mês, Odette recebe cerca de 15 mil dólares guianenses, equivalentes
a R$ 187,50. Ou seja, menos da metade do que sua irmã ganha no trabalho
de posto de gasolina. Além do baixo salário, ela reclama especialmente
do sistema educacional do lugar.
“Minha vocação é o ensino. Cheguei até a trabalhar como professora,
mas não tive como continuar”, afirma num português precário.
Odette Alícia mora com a mãe e dois irmãos numa casa de tijolos sem
reboco e com o piso de cimento cru. Para ela, sair do Brasil significaria,
principalmente, aproveitar a oportunidade de investir na sua educação
pessoal.
Além da pobreza, do êxodo e do fluxo sem muito controle de guienenses
pelo rio Takutu — um divisor natural entre os dois países —, a Guiana
causa uma preocupação especial para os militares brasileiros.
A região chamou a atenção das Forças Armadas, quando em 1993, o então
presidente Chedd Jagan, autorizou um treinamento de tropas norte-americana
na fronteira com o Brasil, sem que o País houvesse sido avisado.
Na época, as manobras causaram alvoroço no meio militar, colocando em
discussão a vulnerabilidade da segurança da fronteira.
GUIANA
Lethem: miscelânea de línguas e raças
É forte a influência da cidade guianense de Lethem sobre o lado
brasileiro, assim como existe a ascendência da cultura brasileira no
cotidiano dos cidadãos de Lethem. Muitos guianenses vivem do lado
brasileiro, como a atendente de enfermagem Thelma Lamazon, 46 anos, mas
que se encontra desempregada.
Thelma fala duas línguas, o Português e o Inglês, língua oficial de
Lethem, mas que na verdade tem forte influência do Crioulo, uma mistura
de expressões em Inglês com dialeto regional, que se torna, às vezes,
até de difícil compreensão para norte-americanos e ingleses, que moram
ou visitam a Guiana.
Thelma é filha do guianense Neriah Lamazon, de 87 anos, e de dona
Guiomar, brasileira, de 79 anos. Ela mora em Bonfim, no Brasil, e é
orgulhosa em afirmar sua nacionalidade guienense. Curiosamente, sua irmã,
Lynette, 32 anos, jogadora de vôlei da seleção da Guiana, mora em
Georgetown, e atesta sua nacionalidade como brasileira
A facilidade de entendimento entre os povos dos dois países está sendo
inclusive objeto de uma tese de doutorado que a antropóloga Mariana Cunha
Pereira, 40 anos, vem trabalhando para apresentar a Universidade de Brasília
(UnB). O estudo baseia-se em torno dessa diversidade étnica que constrói
as identidades nacionais na fronteira. Ali vivem povos Macuxi, Wapixana,
negros guianenses, descendentes de chineses e indianos e brasileiros
regionais.
“São relações que enriquecem a vida na fronteira, porque se percebe
um lugar no Brasil extremante pleno pela diversidade de línguas, costumes
e interações sociais diversas”, afirma a antropóloga.
O caso das irmãs Lynette e Telma, para Mariana, são exemplares para a
compreensão dessa diversidade e da construção de nacionalidade na
fronteira. “Para mim, como antropóloga, vejo isso com muita riqueza e
é uma revelação surpreendente”, ressalta.
Mariana parte da hipótese da fácil inserção cultural entre os
habitantes das duas cidades fronteiriças, que inclusive aponta para uma
diversidade étnica, muito diferente do apartheid cultural instalado na
Guiana, desde sua colonização pelos ingleses.
FINAL
NOBRE
Madeira apreendida é utilizada em obras sociais
A apreensão de 135 toras de madeiras pela Polícia Federal, composta por
mognos retirados da floresta a serviço das madeireiras clandestinas, teve
um final nobre: a fabricação de carteiras estudantis para a escola indígena
dos Tikuna, em Tabatinga.
A madeira foi apreendida no começo deste ano e entregue ao Exército pela
Polícia Federal. As batidas policiais para conter o contrabando da
madeira são freqüentes na Amazônia brasileira, mas bem favorecidas no
lado Oriental, em vista de possuir os maiores rios da região.
As toras foram transportadas pelo rio Solimões durante 18 dias, até
chegar às proximidades da oficina de carpintaria do centro de treinamento
profissionalizante. A extração indiscriminada do mogno, que é uma
madeira nobre, é coibida, por facilitar a penetração humana em lugares
que não deverão entrar, por tornar fácil o roubo de animais silvestres
e outras riquezas naturais.
Daí que sua extração é estabelecida dentro de um programa de
desenvolvimento sustentável, chegando-se a essa espécime e somente onde
existe a certeza de um resultado que não afete em nada a biodiversidade
das florestas.
Além de estarem sendo destinadas para a fabricação das carteiras
escolares, a madeira vai servir para a produção de portas de igreja e na
construção de mais uma escola indígena.
O mogno apreendido é também matéria-prima, que ajuda no aprendizado de
45 meninos do curso de carpintaria, do Centro de Treinamento
Profissionalizante, mantido pelo Exército em Tabatinga.
“Muitos desses meninos encontravam-se ociosos e estavam suscetíveis ao
consumo de drogas”, salienta o tenente-coronel Medeiros, do Comando de
Fronteiras Solimões.
Esse material é apresentado com orgulho pelo comandante, que sabe a
importância do marketing social empreendido pelo Exército, visando à
divulgação e ao fortalecimento da imagem institucional.
Para o Calha Norte, esse trabalho significa, sobretudo, uma forma de
ganhar a simpatia das populações civis na área de abrangência do
comando. Ou seja, manter a missão de ser presença do Estado e propiciar
condições de crescimento sustentado em aldeias e pequenas cidades que
estavam relegadas à própria sorte.
Além disso, sabe-se do efeito motivacional que dá aos soldados, por
exercerem ações de ajuda humanitária.
Eduardo Queiroz
LINGUAGEM
MUSICAL
Música une povos indígenas
“Sou da tropa caçadora/A vassoura lá de casa é uma metralhadora”,
dizem os versos de uma canção de guerra, entoada ao meio-dia por um
pelotão do Comando de Fronteiras Solimões. No final da música, há um
grito uníssono: selva.
Essa é uma das dezenas de músicas criadas pelos próprios soldados para
animar o dia-a-dia da tropa, elevando o moral, mantendo-a coesa e
motivada. São cantadas nas áreas de instrução, nos aquecimentos, espaços
que antecedem as solenes formaturas e ainda nos preparativos para o
rancho.
A musicalidade está presente nos quartéis desde os toques de alvorada,
durante o amanhecer, até o de silêncio, à noite, além daqueles que
determinam a rotina dos guerreiros.
Com esse espírito, foi criado o Centro Cultural para o Alto Solimões,
mantido pelo Centro de Treinamento profissional Solimões, que está
formando uma banda de música com 80 alunos.
Os estudantes situam-se na faixa etária entre os seis e 17 anos. A
maioria é de origem indígena, sendo que muitos não falam o Português.
Nas aulas, aprendem a noção de escala musical, bem como se iniciam no
domínio dos instrumentos de percussão, metais e as flautas.
São as flautas que convergem o maior número de alunos e que causam maior
interesse para os pequenos Tukuna. A linguagem musical rompe as fronteiras
da incompreensão do idioma e eleva a espiritualidade do pequeno grupo.
Nos dias de hoje, a inclusão dos indígenas no conjunto da sociedade
brasileira segue o ritmo lânguido dos sons mesclados de selva e civilização.
Obtém-se com a música a aproximação afetiva, não obstante a ausência
de elementos religiosos.
Muitos instrumentos musicais foram cedidos pelo Exército. Outra parte
veio da prefeitura de Tabatinga, que entrou como parceira desde a criação
do Centro pelo Calha Norte.
O Centro, que é coordenado pelo subtenente José Antônio Sales, existe
desde 1970, quando aproveitou a estrutura iniciada pela Fundação do
Bem-Estar do Menor.
Sales, que é cearense de Tamboril - assim como o patrono da Infantaria, o
General Sampaio - diz-se surpreso pelo crescimento da futura banda e a
afinidade que a música favorece até para crianças especiais.
Entre os alunos da banda, Sales mostra uma menina portadora de síndrome
de Down. Com os colegas, somem as diferenças de etnias e se superam as
deficiências físicas.
ESTRATÉGIA
PAÍS recorrerá à guerra de guerrilha
Brasil adotará resistência semelhante à do Vietnã e à do Iraque
A estratégia da resistência não difere muito da guerra de guerrilha e
é um recurso do qual o Exército não abrirá mão num possível
confronto com um país ou grupo de países com potencial econômico e bélico
maior que o Brasil. Quem admite é o comandante do Comando Militar da Amazônia,
general-de-Exército, Cláudio Barbosa de Figueiredo.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, no comando do CMA, em Manaus, o
general Figueiredo, não escondeu que o Brasil vai recorrer às ações
parecidas de enfrentamento de países como o Vietnã e o Iraque, no caso
de um conflito beligerante na Amazônia. Contudo, salientou que se deverá
contar com a própria selva tropical, como aliada para o combate ao
invasor, ao mesmo tempo em que se apresenta como a mais provável razão
da cobiça num conflito bélico.
O comandante comentou ainda as deficiências das Forças Armadas, com aviões
velhos e ocasionais faltas de suprimentos.
Lembrou que a conjuntura nacional inclui o Exército no rol das instituições
que convivem com dificuldades, mas que a segurança da Amazônia e,
especialmente, das suas fronteiras, não está sendo feita apenas como é
possível, mas de forma eficaz.
Diário do Nordeste - O senhor acredita que o Brasil tem a segurança
necessária nas regiões de fronteira da Amazônia?
General Figueiredo - Sim. O Exército tem, desde o final da década de 80,
priorizado a região Amazônica, trazendo uma série de unidades do Sul
para o Norte, com o fim de efetivar essa segurança. Nós tínhamos até
1986, em toda a Amazônia, 6 mil homens. Hoje, estamos com 22 homens. E até
o final de 2006, nosso planejamento já prevê um total de 25 mil homens,
com mais uma brigada, esta proveniente de Niterói que está sendo
transferida até agosto para São Gabriel da Cachoeira, concluindo o
processo de mudança de mais uma unidade militar.
— Essas novas mobilizações são as que são possíveis ou são as que
necessariamente garantem a segurança nas fronteiras?
General Figueiredo - As duas coisas. São mobilizações eficientes e são
as que são possíveis. Evidentemente, não devemos parar por aí. Temos
espaços aqui que poderão receber mais tropas. Levando em conta a
conjuntura atual, o que está sendo feito nos dá uma tranqüilidade de
que a Amazônia está sendo bem guardada em nossas mãos.
— Dentro desses projetos de ampliação dos efetivos, quais seriam as áreas
que mereciam maior atenção por conta da própria vulnerabilidade quanto
à segurança?
General Figueiredo - Realmente são as fronteiras. Mas nós já temos
instaladas três brigadas, que são a primeira Brigada de Infantaria de
Selva, em Roraima, a segunda que está chegando para a Cabeça do Cachorro
(em São Gabriel da Cachoeira) e a terceira que é a 16ª em Tefé e ainda
temos a 17ª na região do Acre. Com todos esses dispositivos, temos ainda
uma retaguarda como reserva, podendo atuar em qualquer área da fronteira,
que é a 3ª Brigada de Infantaria de Selva, que serve no Amapá. Então,
esses dispositivos para a conjuntura atual, nos dão tranqüilidade.
Aliado a isso, nós desenvolvemos aqui na Amazônia, a Estratégia da
Resistência, que é uma estratégia de guerra, em que um País, uma força,
de potencial econômico e bélico menor pode fazer face a um país ou a um
grupo de países de potencial bélico e econômico maior. Isso já estamos
desenvolvendo e realmente é uma estratégia que vem de encontro com a
defesa da Amazônia porque utiliza como o nosso maior aliado, que é o
nosso maior bem, que é a selva amazônica.
— Qual seria a diferença entre essa estratégia de resistência e a prática
da guerra de guerrilhas ou haveria pontos convergentes?
General Figueiredo - Há todos os pontos convergentes. A estratégia da
resistência é uma guerra de guerrilha adaptada ao panorama que estamos
vivendo aqui na Amazônia, que é a floresta tropical.
— Essa estratégia lembraria o que aconteceu na Guerra do Vietnã ou até
mesmo na guerrilha do Araguaia durante o regime militar?
General Figueiredo - A estratégia da resistência é uma guerra de
guerrilha. Então, tem que se basear nisso mesmo: Vietnã, Iraque...
— Não o Araguaia?
General Figueiredo - O Araguaia foi um arremedo de guerrilha, com meia dúzia
de gatos pingados e não se configurou, no meu entender, uma guerra de
guerrilha. É muito diferente do que está acontecendo no Iraque, que é
algo real na implantação da estratégia da resistência e estamos
transfigurando essas ações para o nosso ambiente aqui, que é uma área
de selva tropical.
— O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está dando o apoio
devido às Forças Armadas e, particularmente, ao Exército?
General Figueiredo - Os governos já fazem bastante tempo, pressionados
pela conjuntura econômica, vêm investindo pouco nas Forças Armadas, mas
nada que crie um problema de inoperância. Logicamente que esperamos que
isso não se prorrogue por muito tempo, pois aí vai começar a afetar a
operacionalidade das Forças Armadas. Mas, no momento, temos que entender
que o Brasil passa por esses problemas econômicos e que o Exército não
pode ser maior que o País.
— Não se trata de uma opinião pessoal e nem um questionamento político,
mas um fato. Estávamos em Boa Vista, Roraima, para nos deslocarmos para
Uiramutã, numa viatura do Exército não havia combustível. Também
soubemos que alguns pelotões especiais de fronteiras, como em Surucu e
Auaris, vinham aguardando há quase um mês provisões de alimentos e
combustível. Isso não causa uma maior vulnerabilidade para a força
militar?
General Figueiredo - Isso aí não se pode dizer que é agradável. A Força
Aérea, por exemplo, nos presta apoio em Surucu, e raramente...
— ...Raramente?
General Figueiredo - Raramente um avião deixa de ir na data programada.
Mas vão na data seguinte. Trata-se de aeronaves mais velhas, que são os
búfalos, que já deveriam ser substituídas. É por isso que eu digo: não
se pode eternamente ficar sem esses recursos necessários para que haja
uma revitalização das Forças Armadas. Os búfalos são um exemplo
disso. Eles já estão em final de vida e, então, acontece de darem uma
pane, mas aí atrasa um dia, ou dois dias, mas jamais a Força Aérea
deixou de nos prestar apoio e o transporte de alimentação ou nos deixar
isolados na selva. O que nós esperamos é que a curto prazo essas
aeronaves sejam substituídas pela Aeronáutica por aviões mais novos.
— À propósito, como está a integração com todas as Forças Armadas
na Região Amazônica? Falta alguma coisa para melhorar o trabalho
conjunto?
General Figueiredo - Não falta nada. Essa integração é completa e
perfeita. Nós temos aqui, inclusive, um comando combinado que é ativado
todos os anos, e fazemos um exercício combinado. Esse comando já está
efetivado e eu sou o comandante dessa força integrada e vamos fazer exercícios
agora em julho, como é feito todos os anos.
— Dentro da área de seu comando, o que o senhor identifica como a área
mais sensível e geradora de conflitos e que merece uma atenção especial
das Forças Armadas?
General Figueiredo - Não tem uma área específica. A nossa fronteira
desde Rondônia até Roraima não é uma fronteira muito vivificada.
Logicamente, temos uma preocupação agora com as Farcs (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia), na Colômbia. Lá, eles estão em guerra há
40 anos e, como têm forças atuando naquela área, poderá haver
deslocamentos daquela gente, embora as Farcs atuem mais no Centro da Colômbia.
Mas com ação do Exército colombiano, os guerrilheiros podem vir para
fronteira. No entanto, estamos sempre alerta e poderia dizer que essa é a
área mais sensível. Podemos também dizer que toda a fronteira obriga o
Exército a estar atento, porque é uma região pouco vivificada. Então,
existem muitos ilícitos, como o contrabando de madeira, peixes, da nossa
biodiversidade. Por isso, estamos sempre alerta e trabalhando em conjunto
com a Polícia Federal, o Ibama e outros órgãos federais que possam
coibir a ação desses ilícitos.
— Estamos percebendo que a questão indígena está muito conflitante.
Ouvimos diferentes opiniões, inclusive abordando uma possível influência
de ONGs internacionais para pressionar por demarcação e homologação de
terras, como também ouvimos opiniões que contestam essa versão.
Portanto, gostaríamos de saber do senhor o que há de verdade ou de mito
com relação à problemática indígena na Amazônia?
General Figueiredo - Eu não visualizo uma política para os indígenas.
Por eu não visualizar uma política bem clara, para que lado se quer ir,
é que existem esses conflitos. Então, há articulações para que os índios
precisem viver no seu espaço e obter mais assistência e progressivamente
integrá-los à sociedade brasileira, mas para isso não há uma política
clara, portanto ocorrem esses problemas. Para as Forças Armadas isso é
irrelevante. O que nós precisamos é poder atuar na fronteira. Existem
dois decretos, assinados pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso,
que autorizam as Forças Armadas a atuarem não apenas em territórios indígenas
como em áreas de conservação, com trânsito restrito. Mas para as Forças
Armadas isso é o que interessa: poder estar na fronteira.
— No caso de Raposa Serra do Sol, é indiferente, então, para o Exército,
que a homologação ocorra em terras contínuas ou não?
General Figueiredo - Nesse primeiro momento é, porque estamos apoiados
por esses dois decretos e não há limitação para a ação do Exército.
Evidentemente que os conflitos que podem haver no dia que for assinada a
homologação, se ocorrer confronto, se a Polícia Federal não for capaz
de conter a insatisfação, então o Exército deverá agir.
AÇÕES
Pelotões implantam escolas
O cabo Azonildo dos Santos Azevedo, 39 anos, está prestes a deixar a vida
militar, por se encerrar o período de vínculo com o Exército. Ele faz
parte do Núcleo de Base Profissional, que é um efetivo não concursado,
podendo atuar nas Forças Armadas por um período máximo de sete anos.
Mesmo assim, ele obtém ainda no Exército uma nova perspectiva
profissional através de um curso de técnica em Enfermagem.
O curso é administrado pelo Exército, dentro do projeto-piloto de
Tabatinga, através do Centro de Treinamento Profissionalizante já
existente. Azonildo é um dos 50 alunos, a maioria formada por mulheres,
que está se submetendo a uma extensa carga horária, incluindo 1.800
horas práticas, para obter o certificado do curso.
“Esse é um aprendizado que enriquece os conhecimentos e deixa o cidadão
preparado para o mercado de trabalho”, afirma Azonildo. Pela cabeça do
aluno, não há o que temer em mudar de atividade e ingressar num campo de
produção totalmente diferente.
A crença de mercado de trabalho certo para Azonildo e mais 400 alunos dos
cursos profissionalizantes, mantido pelo Exército em Tabatinga, resulta
exatamente do descompasso entre a oferta e a demanda para os serviços de
saúde na região da Amazônia, especialmente no entorno do rio Solimões.
Em Tabatinga, além da população que utiliza os serviços do Hospital
Militar, há uma clientela estrangeira que somente tem aumentado nos últimos
anos. Isso acontece em função da grande quantidade de povos fronteiriços
carentes em seus países de serviços a partir do atendimento primário de
saúde.
Essa situação agrava-se quando se verifica as demandas para os
atendimentos secundários e terciários, com atenção aos casos de urgência
e emergência médicas. Boa parte da clientela é formada por indígenas,
especialmente da etnia Tikuna, presentes no Brasil, Peru e Colômbia.
Com a falta de unidades médicas e até de serviços laboratórios em várias
cidades, o fluxo migratório em Tabatinga amplia-se, obrigando o hospital
aumentar e capacitar os recursos humanos. Mas esse atendimento tornou-se
expansivo em quase todas as unidades militares, que contam com
profissionais da área de saúde, inclusive os Pelotões Especiais de
Fronteiras (PEFs).
As carências por serviços sociais são aquelas que o Exército vem
procurando atender através do Calha Norte, considerado “a mão
amiga”, um contraponto do “braço forte”. Outra deficiência na área
social é o problema educacional, que motiva o Exército a também
investir na construção e na ampliação de unidades escolares, inclusive
indígenas.
GUIANA
PENDÊNCIAS demarcatórias
País apresenta maior identificação com ex-colônias inglesas
A falta de uma identidade nacional influi em todo um quadro que a Guiana
deseja para os guienenses e, em particular, para os seus vizinhos. As pendências
são diversas e, talvez, explique o porquê de tantas desconfianças. Para
os antropólogos, chama a atenção não haver uma afinidade das pessoas
daquele lugar com a América do Sul, ao mesmo tempo que também não há
pontos em comum com o Caribe, onde a sua costa litorânea está situada.
Paradoxalmente, mantêm boas relações com povos de outras ex-colônias
inglesas, como a Índia e a China.
A Guiana é um país com pendências nas suas áreas demarcatórias. A
principal delas é com a Venezuela. Recentemente, expressou sua intenção
de juntar-se a Barbados e dirigir seus pleitos de direitos territoriais
perante um fórum internacional, alegando que a fronteira marítima de
Trindade e Tobago com a Venezuela se estende a suas águas.
Diz-se nos meios militares, que somente não houve uma investida
venezuelana nos territórios em questão, devido à interferência
brasileira. Outro problema fundiário diz respeito às áreas já
demarcadas de Raposa Serra do Sol, que envolve áreas do Brasil e da
Guiana.
No meio militar, comenta-se que é grande o número de deserções dos
cadetes guienenses recebidos pela Academia Militar das Agulhas Negras
(AMAN), em Resende no Rio de Janeiro. Por conta de um intercâmbio
internacional com exércitos de quase todas as partes do mundo, a AMAN
acolhe candidatos ao oficialato em seus respectivos países.
Com um território de 215. 083 km2 e uma população de aproximadamente
699 mil habitantes, a Guiana não apresenta conflitos de fronteira com o
Brasil. Os limites do Brasil com a República Cooperativa da Guiana
(antiga Guiana Inglesa) foram estabelecidos no principio deste século. No
entanto, o assunto remonta a meados do Século XIX, quando o Governo
Imperial do Brasil protestou contra a indevida penetração inglesa na
região do Pirara.
A fronteira do Brasil com a Guiana representa bem os esforços do
Itamaraty na feitura atual do mapa do Brasil. A demarcação das
fronteiras entre os dois países tornou-se mais clara somente em novembro
de 1994, quando o assunto foi discutido por ocasião da realização da
Primeira Conferência da nova “Comissão Mista Brasileiro-Guianense de
Limites”, que acordou a realização de uma inspeção geral dos marcos.
No entanto, a Guiana ainda possui pendências com a Venezuela e está no
centro das discussões na demarcação da Raposa Serra do Sol, onde os
Macuxi tanto têm origem brasileira, quanto guienense.
Em 2000, o País obteve duas boas notícias. A primeira, foi que receberia
recursos do BID para investimentos sociais. A segunda, veio do governo
brasileiro, prometendo a construção de uma ponte sobre o rio Takutu,
ligando as cidades de Bonfim e Lethen. As obras, que vêm sendo tocadas
pelo Ministério dos Transportes, através do Departamento Nacional de
Infra-estrutura de Transportes (DNIT) e o Governo de Roraima, estão
paradas desde 2002.
Se em 1993, a mobilização de tropas norte-americanas preocupou militares
brasileiros, pior foi em 2001, quando a Guiana concedeu a uma empresa
particular norte-americana a construção de uma base de lançamento de
foguete, numa área litigiosa com a Venezuela, em Essenquibo.
As disputas internacionais da Guiana vão mais além. O país procura uma
arbitragem para resolver uma longa disputa na fronteira com o Suriname, em
águas potencialmente ricas em petróleo. Sendo um País pobre e com relações
conflituosas nas suas fronteiras, o desafio é saber o que a Guiana quer
para o futuro.
PERU
POBREZA marca a realidade
Uma das principais ruas de Santa Rosa, que faz fronteira com o Brasil
Indígenas tentam manter cultura apesar da integração com outros povos
Santa Rosa é a cidade peruana que integra a fronteira tríplice, entre
Peru, Brasil e Colômbia. Por ali, habitam os Tikuna, a etnia indígena
que mais tem resistido culturalmente às interações naturais dos povos
das fronteiras.
Na divisa com o Brasil, problemas sociais se eternizam, apesar do fato de
o País vir crescendo economicamente.
O professor Hugo Eduardo Meza Pinto, de origem peruana mas com
nacionalidade brasileira, assinala que as tentativas de industrialização
adotadas no Peru não conseguiram modificar estruturalmente a capacidade
produtiva e tampouco conseguiram atender as demandas sociais crescentes do
País. Ele cursa o doutorado no Programa de Pós-graduação em Integração
na América Latina.
Esse descompasso faz parte do cotidiano da população de Santa Rosa. O técnico
de laboratório peruano Valeriano Rosales Andrade, 24 anos, informa a
verdadeira dimensão da penúria dos serviços sociais em Santa Rosa. No
posto de saúde onde trabalha, falta um microscópio, daí que os exames são
destinados para Loreto, localidade peruana percorrida em três dias de
barco, ou são levados para Tabatinga, no lado brasileiro. A malária
ainda surge de forma epidêmica na região. Outras doenças que assustam
os profissionais da área de saúde são as sexualmente transmissíveis,
especialmente a Aids.
“Às vezes, precisamos de um diagnóstico rápido, mas nos falta
equipamento necessário para atender à população”, afirma Valeriano.
A falta de um microscópio não revela toda a dimensão dos problemas
sociais vividos pela população. O posto de saúde conta com apenas um médico
cirurgião, mas que também se divide no atendimento a outras regiões
vizinhas. O posto inclui, ainda, como funcionários um enfermeiro, dois técnicos
de enfermagem e uma técnica em obstetrícia.
Para Valeriano, o problema principal do Peru é o isolamento. A cidade
fica distante de Lima medidos por 15 dias de viagem de barco. Ali no
posto, já está trabalhando há três anos, mas ainda se ressente das
limitações para o exercício de suas atividades.
O transporte entre países como Peru e Colômbia e mesmo o Brasil,
integrante do bloco fronteiriço a Noroeste brasileiro, se faz
majoritariamente através de rios ou de aviões devido à carência de
estradas. A comunicação com as cidades da fronteira do Peru se dá em
poucos pontos, em função da baixa densidade populacional da Região Amazônica
em ambos os lados.
Tirando o posto de saúde e o da aduaneira, a rua principal de Santa Rosa
não conta com outras edificações públicas. Ela consiste num extenso
quarteirão de casas construídas de madeira e dispostas como palafitas
sobre o rio Solimões.
A pavimentação na rua principal restringe-se a uma estreita calçada de
cimento, contornada pela vila e por pequenos estabelecimentos comercias de
venda de bebidas e comidas. No rio, o fluxo de barcos revela a grande
dependência do lado brasileiro. Há os estudantes, mas principalmente os
doentes que buscam atendimento no Hospital Militar de Tabatinga. Este ano,
os estrangeiros já representaram cerca de 80% da demanda daquela unidade
hospitalar.
Além dos serviços sociais, Tabatinga também atrai peruanos para
ganharem o sustento com o comércio ambulante, como é o caso de Juan Ito,
48 anos, que alterna sua residência em Tabatinga, com peregrinações por
quase toda a região fronteira na Amazônia.
Nascido na Espanha, mas filho de uma peruana de ascendência branca,
reconhece o desembaraço da sua movimentação pelas fronteiras, mas
necessária para a subsistência.
“Tabatinga ficou uma cidade muito violenta com a rota do tráfico da
cocaína. Hoje, é mais seguro viajar mais pelo interior do Brasil”,
afirma. Seu próximo destino é Roraima, onde afirma não ter problemas
para transitar inclusive na explosiva Raposa Serra do Sol, terra em
disputa pelos índios Macuxi. “Andar faz parte da sobrevivência”,
salienta.
FRONTEIRA
Riquezas naturais ampliam cobiça
O vórtice gerado pela ambição de riquezas e a máquina organizada do
crime, localiza-se mais exatamente na linha de fronteira do Brasil com a
Venezuela, Colômbia e o Peru. Ao todo, são cerca de 3.500 quilômetros
de fronteira com os três países, favorecidos pelas facilidades do tráfego
nos mais importantes rios da Amazônia, e dispostos como motivações
equivalentes para o confronto. A área enfrenta vários problemas gerados
pelo narcotráfico, a guerrilha e o contrabando de armas, além da cobiça
pela Amazônia.
Quando os garimpos estavam liberados pelas linhas de fronteira,
principalmente, em Roraima, não era incomum fazer uma comparação entre
aquelas áreas e as terras dos homens sem lei. Por isso, no passado,
Roraima apavorava a sociedade brasileira com os históricos de chacinas de
índios, mortes de garimpeiros por encomenda e a farra com o dinheiro público.
Sem o garimpo, era de se esperar que fossem atenuadas as tensões nas
fronteiras do Brasil com a Venezuela, Guiana, Colômbia e Peru. Isso está
longe de acontecer. Pelo contrário, as disputas para demarcação de
terras indígenas, o contrabando de armas, o narcotráfico e a guerrilha
configuram esses lados fronteiriços como o turbilhão iminente, onde tudo
pode acontecer nessas linhas divisórias.
O general-de- Brigada Paulo Studart, comandante da 1ª Brigada de
Infantaria da Selva, não esconde que se trata da área mais sensível na
segurança nacional. Somente com a Colômbia, a Brigada possui um raio de
ação em 1.500 quilômetros, numa área de 521 mil km², abrangendo São
Gabriel da Cachoeira e localidades vizinhas, com 100 mil km² a mais do
que todo o Iraque.
São nessas terras, conforme lembra o general, que os ilícitos obrigam a
uma vigilância constante do Exército. Há uma preocupação,
principalmente levando-se em conta que os conflitos podem motivar a
entrada de guerrilheiros no território brasileiro.
Do mesmo modo, afirma ter preocupações com narcotráfico, tanto
auxiliado pelas imensas fronteiras com os países produtores da cocaína,
quanto pela limitação na força repressora. Lembra que compete à Polícia
Federal o combate às drogas ilícitas no território nacional. As
riquezas naturais do território representam outra fonte de cobiça.
Terras destinadas aos índios como a Raposa Serra do Sol, no Estado de
Roraima, apresentam grandes reservas de nióbio, diamante, ouro e
casseterita. Essas reservas, conforme lembra o general, estão à espera
de uma exploração futura.
SEGURANÇA
RORAIMA: Estado mais conflituoso
Grupamento de Artilharia reforça poder de fogo em Boa Vista
“Há uma grande vulnerabilidade de nossas fronteiras na área em que se
está reivindicando a demarcação em terras contínuas. Esse problema de
introdução de contrabando de armas, tráfico de drogas, que é de todas
as fronteiras, agrava-se nos locais menos habitados”.
A afirmação é do governador de Roraima, Flamarion Portela, 49 anos,
cearense de Coreaú, que se declara governante do mais conflituoso Estado
brasileiro, por não haver ainda definido sua área física. Mais de 75%
das terras em Roraima são compostas por territórios indígenas ou
reservas ambientais.
Denunciado por envolvimento em desvio de dinheiro público, o governador
de Roraima foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas permanece no
cargo à espera da publicação do acordão do TSE.
Segundo Flamarion, os conflitos em Roraima decorrem especialmente da falta
de solução nas questões de composição fundiária. O Estado possui
Flamarion Portela diz que não há uma definição da área física de
Roraima. Mais de 75% do Estado são compostos por terras indígenas e
reservas ambientais
32 reservas indígenas, que correspondem a uma ocupação física de
46,17% do território destinado somente para os índios, o que corresponde
a menos de 9% da população.
Ele admite que pressões internacionais, através de ONGs religiosas e
ambientalistas, já são sentidas para a ampliação de mais áreas indígenas.
“Existe uma sede de ampliação que não acaba nunca?”, indaga.
De acordo com Flamarion, Roraima conta apenas com o setor primário para
crescer. “O Estado não tem como se industrializar. Nós temos que
produzir grãos em escala maior, conquistar mercados, produzir proteínas
de frango, peixe ou de carne”, ressalta.
No Norte do Estado, existem extensos campos naturais, como os cerrados,
sem vegetação, e que, conforme o governador, poderiam ser produtivos,
necessitando apenas de correção química.
DAS RECEITAS DE RORAIMA, 20% SÃO PRÓPRIAS E 80% SÃO DE TRANSFERÊNCIAS
E REPASSES DO FPE (FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS).
Para reforçar a segurança da área, em 2002, foi transferido para
Roraima o 10º Grupamento de Artilharia e Campanha (10º GAC), que
funcionava em Fortaleza. Para o comandante do 10º GAC, tenente-coronel
Renato Gonçalves Leite, o grande feito ocorrido nessa transferência foi
dotar a I Brigada de Infantaria de Selva, de um poder de fogo, que antes não
existia. E o mais importante: o Exército passou a contar com equipamentos
mais flexíveis e compatíveis às táticas guerrilheira.
A unidade também deve contar, segundo o comandante, com artilharia antiaérea,
embora não antecipe qual o equipamento que será utilizado. Por enquanto,
as Forças Armadas convivem com a impotência, ao acompanharem vôos
clandestinos pelo céu da Amazônia brasileira.
“Nosso objetivo é o ataque a qualquer invasor que ameace nossa
soberania nacional”, afirma Renato Gonçalves. A escolha de Boa Vista
para a instalação do quartel de artilharia levou em conta a complexidade
dos interesses internacionais ao Norte de Roraima, com as fronteiras com a
Venezuela e Guiana.
Ao norte, a vegetação perde as características da floresta fechada,
como em boa parte na selva amazônica, e toma a configuração de savanas
e lavrados. Com isso, a artilharia não sofre tanto com as limitações de
uma mata fechada que escamoteia seus alvos.
Um lado fraco para a defesa militar ocorre a partir do imbróglio na
demarcação de terras indígenas na região fronteiriça, na polêmica
discussão em torno da Raposa Serra do Sol.
BRASIL,
PERU E COLÔMBIA
Tríplice fronteira deve ser inspecionada
As autoridades militares brasileiras permanecem preocupadas com o que
acontece na fronteira com o Peru, especialmente nas proximidades com os
limites também da Colômbia.
Primeiro, porque a fronteira brasileiro-peruana apresenta necessidade de
ser inspecionada. Segundo, porque o problema da droga tem motivado ações
no lado brasileiro.
O Peru é um dos países mais pobres da América do Sul (com renda per
capita quase duas vezes menor que o Brasil).
O presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos, anunciou que inicia, ainda
este ano, o processo de modernização dos aeroportos instalados nas
fronteiras.
As prioridades são o novo terminal de Cruzeiro do Sul, na fronteira do
Brasil com o Peru, e o de Tabatinga (na fronteira tríplice do Brasil,
Peru e Colômbia), além dos de Boa Vista, Tefé, e Rio Branco. Em
aeroportos internacionais como o de Tabatinga não há equipamentos de
raio X, para a fiscalização de bagagens. Todas elas são abertas e
inspecionadas por policiais federais, atentos não apenas aos produtos químicos
e armas, como ainda ao transporte de substâncias biológicas, próprios
da biodiversidade da Amazônia.
Ao todo, são 65 os aeroportos administrados pela Infraero, mas os que
mais se ressentem da modernização são os dispostos nas fronteiras da
região amazônica.
Carlos Wilson reconhece que ainda é grande o fluxo de aviões que buscam
rotas em aeroportos clandestinos, mas o problema vem diminuindo com a
ativação do Sivam. Para ele, a segurança tem melhorado, mas obriga-se a
maior vigilância nos locais de entrada e saída de estrangeiros.
Enquanto isso, há setores da sociedade, inclusive no meio militar, que
tem apoiado a participação do Exército com uma postura de polícia no
lado brasileiro, num trabalho conjunto com a Polícia Federal.
PEFS
Unidades de apoio à saúde e educação
Em muitas regiões da Amazônia brasileira, os PEFs funcionam como a única
presença do Estado na região, prestando às populações vizinhas,
principalmente às comunidades indígenas, apoio em saúde e educação.
Em geral, são unidades militares abertas em meio a uma clareira, a
exemplo do que acontece em Uaris e Surucu, nas proximidades de aldeias dos
Yanomami.
Essa situação acontecia em Uiramutã, em Roraima, até o primeiro
semestre deste ano. Agora, uma nova presença do Estado configura-se num
posto de saúde construído pelo Programa Calha Norte.
Uiramutã foi criado pela Lei Estadual nº 98 de 17 de outubro de 1995.
Nele se encontra o ponto extremo do norte do Brasil: as nascentes do Rio
Uilã no monte Caburaí.
Também no Uiramutã, encontra-se o monte Roraima com 2.875m de altura,
ponto culminante do Estado de Roraima e um dos mais altos do Brasil.
Esse é o explosivo município de Roraima que poderá desaparecer, caso o
presidente Lula homologue as terras de forma contínua em Raposa Serra do
Sol. Lá, reúnem-se grupos indígenas de maioria Macuxi, mas que se
encontram divididos quanto ao destino da homologação das terras.
Curiosamente, a instalação do PEF teve resistência de parte dos indígenas.
Ligados ao Cimi e ao CIR, lideranças reclamavam a “presença
inconstitucional do Exército em território indígena”. Eles
denunciaram que, por trás do oferecimento de serviços de saúde e de
educação, havia a tentativa de manipulação e, num passo, seguinte da
perda da posse da terra.
Para o coronel Avelino, os conflitos em Raposa Serra do Sol não causam
impedimentos para que se implante o Programa Calha Norte em sua plenitude.
“Há dois momentos para Uiramutã: antes e depois da chegada do Exército”,
disse.
No posto de saúde construído pela Calha Norte já se verifica o fluxo de
comunidades indígenas de áreas mais distantes se deslocando para Uiramutã.
Comunidades, como a dos Ingarikó, fazem um percurso a pé de até cinco
dias para chegar aos postos de atendimento, que se tornaram mais próximos
do seu povoado.
Os Ingarikó habitam as distantes terras em torno do Monte Roraima, na
divisa do Brasil com a Guiana e a Venezuela. Outras comunidades também vão
chegando a Uiramutã, que já conta com um ponto de apoio para
oferecer-lhes estada.
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