A
OUTRA AMAZÔNIA ("Amazônia Azul")
Toda riqueza acaba por se tornar objeto de cobiça, impondo ao detentor o
ônus da proteção.
Tratando-se de recursos naturais,a questão adquire conotações de
soberania nacional, envolvendo políticas adequadas, que não se limitam
a, mas incluem, necessariamente, a defesa daqueles recursos.
Nesse contexto, a Amazônia brasileira, com mais de 4 milhões de km2,
abrigando parcela considerável da água doce do planeta, reservas
minerais de toda ordem e a maior biodiversidade da Terra, tornou-se
riqueza conspícua o suficiente para, após a percepção de que se
poderiam desenvolver ameaças à soberania nacional, receber a atenção
dos formuladores da política nacional.
Assim, a região passou a ser objeto de notáveis iniciativas
governamentais, que visam à consolidação de sua integração ao território
nacional, à garantia das fronteiras, à ocupação racional do espaço físico
e à exploração sustentada dos importantes recursos naturais ali
existentes.
Como exemplos dessas iniciativas podemos citar o Projeto Calha Norte e o
Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que inclui o Sistema de Vigilância
da Amazônia (Sivam).
Entretanto, há uma outra Amazônia, cuja existência é, ainda, tão
ignorada por boa parte dos brasileiros quanto o foi aquela por muitos séculos.
Trata-se da "Amazônia azul", que, maior do que a verde, é
inimaginavelmente rica.
Seria, por todas as razões, conveniente que dela cuidássemos antes de
perceber-lhe as ameaças.
Conforme estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar, ratificada por quase cem países, inclusive o Brasil, todos os
bens econômicos existentes no seio da massa líquida, sobre o leito do
mar e no subsolo marinho, ao longo de uma faixa litorânea de 200 milhas
marítimas de largura, na chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE),
constituem propriedade exclusiva do país ribeirinho.
Em alguns casos, a Plataforma Continental (PC) - prolongamento natural da
massa terrestre de um Estado costeiro - ultrapassa essa distância,
podendo estender a propriedade econômica do Estado a até 350 milhas marítimas.
Essas áreas somadas - a ZEE mais a PC - caracterizam a imensa "Amazônia
azul", medindo quase 4,5 milhões de km2, o que acrescenta ao país
uma área equivalente a mais de 50% de sua extensão territorial.
No Brasil, apesar de 80% da população viver a menos de 200 km do
litoral, pouco se sabe sobre os direitos que o país tem sobre o mar que o
circunda e seu significado estratégico e econômico, fato que, de alguma
forma, parece estar na raiz da escassez de políticas voltadas para o
aproveitamento e proteção dos recursos e benefícios dali advindos.
Citemos, de início, o transporte marítimo.
Apesar de ser lugar-comum afirmar que mais de 95% do nosso comércio
exterior é transportado por via marítima, poucos se dão conta da
magnitude que o dado encerra.
O comércio exterior, soma das importações e das exportações,
totalizou, no ano passado, um montante da ordem de US$ 120 bilhões.
Ademais, não é só o valor financeiro que conta, pois, em tempos de
globalização, nossos próprios produtos empregam insumos importados, de
tal sorte que interferências com nosso livre trânsito sobre os mares
podem levar-nos, rapidamente, ao colapso.
A conclusão lógica é a de que somos de tal maneira dependentes do tráfego
marítimo que ele se constitui em uma de nossas grandes vulnerabilidades.
Como agravante, o país gasta com fretes marítimos, anualmente, cerca de
US$ 7 bilhões, sendo que apenas 3% desse total são transportados por
navios de bandeira brasileira.
O petróleo é outra grande riqueza da nossa "Amazônia azul".
No limiar da auto-suficiência, o Brasil prospecta, no mar, mais de 80% do
seu petróleo, o que, em números, significa algo na ordem de 2 milhões
de barris por dia.
Com as cotações vigentes, é dali extraído, anualmente, um valor
aproximado de US$ 22 bilhões.
Novamente, não é só o valor financeiro que conta.
Privados desse petróleo, a decorrente crise energética e de insumos
paralisaria, em pouco tempo, o país.
Além do tráfego marítimo e do petróleo, que, per se, já bastariam
para mensurar o significado da nossa dependência em relação ao mar,
poderíamos mencionar outras potencialidades econômicas como, por
exemplo, a pesca.
Em que pese a vastidão da área a explorar, a pesca permanece
praticamente artesanal, enfrentando dificuldades de toda ordem, que elevam
os custos e limitam a produção, quando poderia ser uma valiosa fonte
para a geração de empregos e, também, um poderoso aliado para o
programa Fome Zero.
Existem, ainda, potencialidades menos tangíveis, como os nódulos polimetálicos,
jazentes sobre o leito do mar e cuja exploração, economicamente inviável
no presente, poderá se tornar considerável filão de riquezas no futuro.
Na Amazônia verde, as fronteiras que o Brasil faz com seus vizinhos são
fisicamente demarcáveis e estão sendo efetivamente ocupadas por pelotões
de fronteira e obras de infra-estrutura. Na "Amazônia azul",
entretanto, os limites das nossas águas jurisdicionais são linhas sobre
o mar. Elas não existem fisicamente. O que as define é a existência de
navios patrulhando-as ou realizando ações de presença.
Para tal, a Marinha tem que ter meios, e há que se ter em mente que, como
dizia Rui Barbosa, esquadras não se improvisam. Para que, em futuro próximo,
se possa dispor de uma estrutura capaz de fazer valer nossos direitos no
mar, é preciso que sejam delineadas e implementadas políticas para a
exploração racional e sustentada das riquezas da nossa "Amazônia
azul", bem como que sejam alocados os meios necessários para a vigilância
e a proteção dos interesses do Brasil no mar.
Roberto de Guimarães Carvalho, 64, almirante-de-esquadra, é o Comandante
da Marinha.
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