XANANA
GUSMÃO
Biografia 1946
De Agosto de 1975 até à invasão Indonésia, a 7 de Dezembro de 1975, a Fretilin assume a administração de Timor-Leste. Xanana trabalha, então, no departamento de informação da Fretilin. Após a morte de Nicolau Lobato, presidente da Fretilin, a 31 de Dezembro de 1978, Xanana Gusmão assume, em condições de extrema fragilidade, a luta armada de Timor-Leste. Xanana foi um dos poucos elementos da direcção da Fretilin que conseguiu sobreviver às campanhas militares indonésias de "cerco e aniquilamento". Foi um dos principais impulsionadores da conferência de Maubai, em Março de 1981, que lançou as bases da reorganização político-militar da resistência. Assim, é criado o Conselho Nacional de Resistência de Timor do qual Xanana é eleito presidente, ao mesmo tempo que é nomeado comandante em chefe das Falintil, as forças armadas de libertação nacional de Timor Leste. Em 1988 foi formado o Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM), presidido por Xanana Gusmão. É também nesta altura que Xanana abandona a Fretilin e tenta, a todo o custo, transformar a luta de libertação numa causa nacional. Depois do massacre de Santa Cruz, a 12 de Novembro de 1991, Xanana aumenta as suas idas às povoações controladas pelos indonésios, ciente dos riscos que essas movimentações comportam. Em 20 de Novembro de 1992, Xanana é capturado nos arredores de Dili e é mantido incomunicável durante dezassete dias. Nos primeiros tempos que se seguiram à sua prisão, Xanana aparece em vídeos gravados pelos seus carcereiros, nos quais renega a sua vida de resistente e apela aos seus companheiros de luta que se entreguem. A Indonésia quer espremer até à última gota o sumo da sua vitória e anuncia um julgamento público que teve lugar no tribunal de Dili no dia 19 de Maio de 1993. Xanana foi então condenado a prisão perpétua, tendo a pena sido comutada, mais tarde, para 20 anos, pelo presidente Suharto. A prisão e o julgamento são uma nova oportunidade para agitar a questão de Timor-Leste. São inúmeras as entidades que intervêm em favor de Xanana, incluindo a Igreja de Timor. Na prisão, Xanana Gusmão, continua a lutar. Faz greve de fome e consegue ser transferido duma prisão de delito comum, para a prisão de Cipinang, onde se encontram outros presos políticos, quebrando, assim, o isolamento ao qual a Indonésia gostaria de tê-lo confinado. Apesar de estar preso, Xanana demonstra as suas qualidades de pintor e de escritor – em 1994 publica o livro Timor-Leste- um povo, uma pátria- e continua também a coordenar a acção da resistência, no interior e a nível diplomático. Muitas têm sido as entidades a reconhecer o seu valor, e a prestar homenagem. Em Abril de 98, na primeira convenção de Timor-Leste, Xanana é aclamado presidente do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT). A 10 de Fevereiro de 1999, Xanana abandona a prisão de Cipinang, para passar a viver numa casa-prisão, em Salemba no centro de Jacarta. Enquanto não viu o dia da sua libertação chegar a 7 de Setembro de 1999, Xanana Gusmão continuou a sofrer e a lutar com o seu povo pela autodeterminação! É um verdadeiro Resistente! Quase um mito!
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Poesias Eternas
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Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela
ventania
que me abre a cortina
do céu
e ver, do cimo dos
meus montes,
o quadro roxo
de um perturbado
nascer do sol
a leste de Timor
Se eu pudesse
pelos tórridos sóis
cavalgar embevecido
de encontro a mim
mesmo
nas serenas planícies
do capim
e sentir o cheiro de
animais
bebendo das nascentes
que murmurariam no ar
lendas de Timor
Se eu pudesse
pelas tardes de calma
sentir o cansaço
da natureza sensual
espreguiçando-se no
seu suor
e ouvir contar as
canseiras
sob os risos
das crianças nuas e
descalças
de todo o Timor
Se eu pudesse
ao entardecer das
ondas
caminhar pela areia
entregue a mim mesmo
no enlevo molhado da
brisa
e tocar a imensidão
do mar
num sopro da alma
que permita meditar o
futuro
da ilha de Timor
Se eu pudesse
ao cantar dos grilos
falar para a lua
pelas janelas da noite
e contar-lhe romances
do povo
a união inviolável
dos corpos
para criar filhos
e ensinar-lhes a
crescer e a amar
a Pátria Timor!
(Xanana
Gusmão, Mar Meu/My Sea of Timor, Porto, Granito, 1998
Nomes sem rosto
corações esfaqueados
de lembranças
nas lágrimas de crianças
chorando pelos pais...
Mais do que a morte
que os fez calar
em cada gota de lágrima
a cena cruel
...uma mãe que gemia
sem forças seu corpo
desenhava
marcas da angústia
esgotada
Os farrapos que a
cobriam
rasgados
no ruído da sua própria
carne
sob o selvático escárnio
dos soldados indonésios
em cima dela, um por
um
Já inerte, o corpo da
mulher
se tornou cadáver
insensível à justiça
do punhal
que a libertara da
vida
enquanto...
golpes de coronhadas
se repercutiam
nas gotas de lágrimas
que iam caindo
da mesma face das
crianças
Um pai se ofendera
no último não da sua
vida
a mulher violada
assassinada sob os
seus olhos
O cheiro da pólvora
vinha de muitos furos
daquele corpo
que já não era corpo
estendido
sem forma de morte
e...
As lágrimas secaram
nas lembranças das
crianças
veio o suor da luta
porque as crianças
cresceram
Quando os jovens seios
estremecem sob o
choque eléctrico
e as vaginas
queimadas com pontas
de cigarro
quando testículos de
jovens
estremecem sob o
choque eléctrico
e os seus corpos
rasgados com lâminas
eles lembram-se, eles
lembram-se sempre:
A luta continuará sem
tréguas!
Xanana
Gusmão, Mar Meu (1998)
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.