A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

XANANA GUSMÃO

Biografia

1946

Timor Timor Lorosae

José Alexandre Gusmão – Kay Rala Xanana Gusmão, nasceu a 20 de Junho de 1946 em Laieia (Manatuto). Estudou no seminário de Dare, dirigido pelos padres jesuítas e depois no liceu de Dili. Na infância, Xanana aprendeu o Português com seu pai, Manuel Gusmão.

Em princípios dos anos 70, casou-se com Emília Gusmão e teve dois filhos: Zenilda e Eugénio Paulo Gusmão. Pouco antes do 25 de Abril de 1974, o casal pensava emigrar para a Austrália, o que acabou por não acontecer.

 

Depois do 25 de Abril, Xanana trabalhou no jornal A voz de Timor e tornou-se militante da Fretilin (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente).

                        "Resistir é vencer"

De Agosto de 1975 até à invasão Indonésia, a 7 de Dezembro de 1975, a Fretilin assume a administração de Timor-Leste. Xanana trabalha, então, no departamento de informação da Fretilin.

Após a morte de Nicolau Lobato, presidente da Fretilin, a 31 de Dezembro de 1978, Xanana Gusmão assume, em condições de extrema fragilidade, a luta armada de Timor-Leste.

Xanana foi um dos poucos elementos da direcção da Fretilin que conseguiu sobreviver às campanhas militares indonésias de "cerco e aniquilamento". Foi um dos principais impulsionadores da conferência de Maubai, em Março de 1981, que lançou as bases da reorganização político-militar da resistência. Assim, é criado o Conselho Nacional de Resistência de Timor do qual Xanana é eleito presidente, ao mesmo tempo que é nomeado comandante em chefe das Falintil, as forças armadas de libertação nacional de Timor Leste.

Em 1988 foi formado o Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM), presidido por Xanana Gusmão. É também nesta altura que Xanana abandona a Fretilin e tenta, a todo o custo, transformar a luta de libertação numa causa nacional.

Depois do massacre de Santa Cruz, a 12 de Novembro de 1991, Xanana aumenta as suas idas às povoações controladas pelos indonésios, ciente dos riscos que essas movimentações comportam.

Em 20 de Novembro de 1992, Xanana é capturado nos arredores de Dili e é mantido incomunicável durante dezassete dias. Nos primeiros tempos que se seguiram à sua prisão, Xanana aparece em vídeos gravados pelos seus carcereiros, nos quais renega a sua vida de resistente e apela aos seus companheiros de luta que se entreguem. A Indonésia quer espremer até à última gota o sumo da sua vitória e anuncia um julgamento público que teve lugar no tribunal de Dili no dia 19 de Maio de 1993. Xanana foi então condenado a prisão perpétua, tendo a pena sido comutada, mais tarde, para 20 anos, pelo presidente Suharto.

A prisão e o julgamento são uma nova oportunidade para agitar a questão de Timor-Leste. São inúmeras as entidades que intervêm em favor de Xanana, incluindo a Igreja de Timor.

Na prisão, Xanana Gusmão, continua a lutar. Faz greve de fome e consegue ser transferido duma prisão de delito comum, para a prisão de Cipinang, onde se encontram outros presos políticos, quebrando, assim, o isolamento ao qual a Indonésia gostaria de tê-lo confinado.

Apesar de estar preso, Xanana demonstra as suas qualidades de pintor e de escritor – em 1994 publica o livro Timor-Leste- um povo, uma pátria- e continua também a coordenar a acção da resistência, no interior e a nível diplomático. Muitas têm sido as entidades a reconhecer o seu valor, e a prestar homenagem.

Em Abril de 98, na primeira convenção de Timor-Leste, Xanana é aclamado presidente do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT).

A 10 de Fevereiro de 1999, Xanana abandona a prisão de Cipinang, para passar a viver numa casa-prisão, em Salemba no centro de Jacarta.

Enquanto não viu o dia da sua libertação chegar a 7 de Setembro de 1999, Xanana Gusmão continuou a sofrer e a lutar com o seu povo pela autodeterminação! É um verdadeiro Resistente! Quase um mito!

 

Poesias Eternas

Gerações

Oh! Liberdade!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Oh! Liberdade!

 

Se eu pudesse

pelas frias manhãs

acordar tiritando

fustigado pela ventania

que me abre a cortina do céu

e ver, do cimo dos meus montes,

o quadro roxo

de um perturbado nascer do sol

a leste de Timor

 

Se eu pudesse

pelos tórridos sóis

cavalgar embevecido

de encontro a mim mesmo

nas serenas planícies do capim

e sentir o cheiro de animais

bebendo das nascentes

que murmurariam no ar

lendas de Timor

 

Se eu pudesse

pelas tardes de calma

sentir o cansaço

da natureza sensual

espreguiçando-se no seu suor

e ouvir contar as canseiras

sob os risos

das crianças nuas e descalças

de todo o Timor

 

Se eu pudesse

ao entardecer das ondas

caminhar pela areia

entregue a mim mesmo

no enlevo molhado da brisa

e tocar a imensidão do mar

num sopro da alma

que permita meditar o futuro

da ilha de Timor

 

Se eu pudesse

ao cantar dos grilos

falar para a lua

pelas janelas da noite

e contar-lhe romances do povo

a união inviolável dos corpos

para criar filhos

e ensinar-lhes a crescer e a amar

a Pátria Timor!

 

 

(Xanana Gusmão, Mar Meu/My Sea of Timor, Porto, Granito, 1998

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Gerações

 

 

Nomes sem rosto

corações esfaqueados

de lembranças

nas lágrimas de crianças

chorando pelos pais...

 

Mais do que a morte

que os fez calar

em cada gota de lágrima

a cena cruel

 

...uma mãe que gemia

sem forças seu corpo desenhava

marcas da angústia

esgotada

 

Os farrapos que a cobriam

rasgados

no ruído da sua própria carne

sob o selvático escárnio

dos soldados indonésios

em cima dela, um por um

 

Já inerte, o corpo da mulher

se tornou cadáver

insensível à justiça do punhal

que a libertara da vida

 

enquanto...

golpes de coronhadas

se repercutiam

nas gotas de lágrimas que iam caindo

da mesma face das crianças

 

Um pai se ofendera

no último não da sua vida

a mulher violada

assassinada sob os seus olhos

 

O cheiro da pólvora

vinha de muitos furos

daquele corpo

que já não era corpo

estendido

sem forma de morte

 

e...

 

As lágrimas secaram

nas lembranças das crianças

veio o suor da luta

porque as crianças cresceram

 

Quando os jovens seios

estremecem sob o choque eléctrico

e as vaginas

queimadas com pontas de cigarro

quando testículos de jovens

estremecem sob o choque eléctrico

e os seus corpos

rasgados com lâminas

eles lembram-se, eles lembram-se sempre:

 

A luta continuará sem tréguas!

 

Xanana Gusmão, Mar Meu (1998)

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