FRANCISCO
JOSÉ TENREIRO
Biografia 1921-1963
Francisco José Tenreiro (1921-1963) nasceu na ilha de São
Tomé donde partiu, ainda novo, para o Continente onde estudou em Lisboa.
Foi professor no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Obras: Ilha do Nome Santo, "Novo Cancioneiro", Coimbra, 1942; Obra Poética de Francisco José Tenreiro, 1967; A Ilha de São Tomé-Estudo Geográfico, Lisboa, 1961 do livro ILHA
DE NOME SANTO, Coimbra, 1942
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Poesias Eternas |
O sol golpeia as
costas do negro
e os rios de suor
ficam correndo.
Ardor!
Os olhos do branco
como chicotes
ferem o mato que está
gritando...
Só o água sussurante/calmo
corre prao mar
tal qual a alma da
terra!
A voz branca que está
no mato
perde-se na imensidão
do mar.
Lá vai!
O sol bem alto
é uma atrapalhação
de cor.
-Abacaxi safo nona
carregozinho do
barco!...
Um tubarão passando
é um risco de
frescura.
Lá vai!
O barco deslizando
só com a vontade
livre e certa do negro
lá vai!
CICLO DO ÁLCOOL 1 Quando seu Silva Costa Chegou na ilha Trouxe uma garrafa de aguardente Para o primeiro comércio. A terra era tão vasta Havia tanto calor Que a água Parecia não ter potência Para acalmar a sede da sua garganta. Seu Silva Costa Bebeu metade... E sua garganta ganhou palavra Para o primeiro comércio. 2 A lua batendo nos palmares Tem carícias de sonho Nos olhos de Sam Márinha. Silêncio! O mar batendo nas rochas È o eco da ilha. Silêncio! Lá no longe Soluçam as cubatas Batidas dum luar sem sonho. Silêncio! No canto da rua Os brancos estão fazendo negócio A golpes de champagne! 3 Mãe Negra contou: "eu disse: filhinho beba isso coisa não... Filhinho riu tanto tanto!..." Nhá Rita calou-se. Só os olhos e as rugas Estremeceram um sorriso longínquo. - E depois Mãe-Negra? "Oh! Filhinho Entrou no vinhateiro Vinhateiro entrou nele..." Os olhos de nhá Rita Estão avermelhando de tristeza. "Hum! Filhinho Ficou esquecendo sua mãe!..." (in "Ilha de nome Santo, Col. Novo Cancioneiro Poesia, Coimbra, 1942)
CORAÇÃO EM ÁFRICA Caminhos trilhados na Europa de coração em África Saudades longas de palmeiras vermelhas verdes amarelas tons fortes da paleta cubista que o Sl sensual pintou na paisagem; saudade sentida de coração em África ao atravessar estes campos de trigo sem bocas das ruas sem alegrias com casas cariadas pela metralha míope da Europa e da América da Europa trilhada por mim Negro de coração em Á'frica. De coração em África na simples leitura dominical dos periódicos cantando na voz ainda escaldante da tinta e com as dedadas de miséria dos ardinas das cities boulevards e baixas da Europa trilhada por mim Negro e por ti ardina cantando dizia eu em sua voz de letras as melancolias do orçamento que não equilibra do Benfica venceu o Sporting ou não. Ou antes ou talvez seja que desta vez vai haver guerra para que nasçam flores roxas de paz com fitas de veludo e caixões de pinho: Oh as longas páginas do jornal do mundo são folhas enegrecidas de macabro blue com mourarias de facas e guernicas de toureiros. Em três linhas (sentidas saudades de África) - Mac Gee cidadão da América e da democracia Mac Gee cidadão negro e da negritude Mac Gee cidadão Negro da América e do Mundo Negro Mac Gee fulminado pelo coração endurecido feito cadeira eléctrica (do cadáver queimado de Mac Gee do seu coração em África e sempre vivo floriram flores vermelhas flores vermelhas flores vermelhas e também azuis e também verdes e também amarelas na gama policroma da verdade do Negro da inocência de Mac Gee) - três linhas no jornal como um falso cartão de pêsames. Caminhos trilhados na Europa de coração em África. De coração em África com o grito seiva bruta dos poemas de Guillen de coração em África com a impetuosidade viril de I too am America de coração em África com as árvores renascidas em todas estações nos belos poemas de Diop de coração em África nos rios antigos que o Negro conheceu e no mistério do Chaka-Senghor de coração em África contigo amigo Joaquim quando em versos incendiários cantaste a África distante do Congo da minha saudade do Congo de coração em África, de coração em África ao meio dia do dia de coração em África com o Sol sentado nas delicias do zénite reduzindo a pontos as sombras dos Negros amodorrando no próprio calor da reverberação os mosquitos da nocturna picadela. De coração em África em noites de vigília escutando o olho mágico do rádio e a rouquidão sentimento das inarmonias de Armstrong. De coração em África em todas as poesias gregárias ou escolares que zombam e zumbem sob as folhas de couve da indiferença mas que tem a beleza das rodas de crianças com papagaios garridos e jogos de galinha branca vai até França que cantam as volutas dos seios e das coxas das negras e mulatas de olhos rubros como carvões verdes acesos. De coração em África trilho estas ruas nevoentas da cidade de África no coração e um ritmo de be bop nos lábios enquanto que à minha volta se sussurra olha o preto (que bom) olha um negro (óptimo), olha um mulato (tanto faz) olha um moreno (ridículo) e procuro no horizonte cerrado da beira-mar cheiro de maresias distantes e areias distantes com silhuetas de coqueiros conversando baixinho a brisa da tarde. De coração em África na mão deste Negro enrodilhado e sujo de beira-cais vendendo cautelas com a incisão do caminho da cubata perdida na carapinha alvinitente; de coração em África com as mãos e os pés trambolhos disformes e deformados como os quadros de Portinari dos estivadores do mar e dos meninos ranhosos viciados pelas olheiras fundas das fomes de Pomar vou cogitando na pretidão do mundo que ultrapassa a própria cor da pele dos homens brancos amarelos negros ou as riscas e o coração entristece a beira-mar da Europa da Europa por mim trilhada de coração em África e chora fino na arritmia de um relójio cuja corda vai estalar soluça a indignação que fez os homens escravos dos homens mulheres escravas de homens crianças escravas de homens negros escravos dos homens e também aqueles de que ninguém fala e eu Negro não esqueço como os pueblos e os xavantes os esquimós os ainos eu sei lá que são tantos e todos escravos entre si. Chora coração meu estala coração meu enternece-te meu coração de uma só vez (oh orgão feminino do homem) de uma só vez para que possa pensar contigo em África na esperança de que para o ano vem a monção torrencial que alagará os campos ressequidos pela amargura da metralha e adubados pela cal dos ossos de Taszlitzki na esperança de que o Sol há-de prenhar as espigas de trigo para os meninos viciados e levará milho às cabanas destelhadas do último rincão da Terra distribuirá o pão o vinho e o azeite pelos aliseos; na esperança de que as entranhas hiantes de um menino antipoda haja sempre uma túlipa de leite ou uma vaca de queijo que lhe mitigue a sede da existência. Deixa-me coração louco deixa-me acreditar no grito de esperança lançado pela paleta viva de Rivera e pelos oceanos de ciclones frescos das odes de Neruda; deixa-me acreditar que do desespero másculo de Picasso sairão pombas que como nuvens voarão os céus do mundo de coração em África. (1967)
Ritmo para a jóia daquela roça Dona Jóia dona dona de lindo nome; tem um piano alemão desafinando de calor. Dona Jóia dona do nome de Sum Roberto está chorando nos seus olhos de outras terras saudades. Dona Jóia dona dona de tudo que é lindo: do oiro cacaueiro do café de frutos vermelhos das brisas da nossa ilha. Dona Jóia dona dona de tudo que é triste: meninos de barriga oca chupando em peitos chatos; negros de pésão grande trabalhando pelos mato. Ai! Dona Jóia dona, dona de mim também - Jesus, Maria, José Credo! - não me olhe assim-sim que me pára coração. (publ. em "Seara Nova", Lisboa, 1947)
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.