ALMADA
NEGREIROS
Biografia 1893-1970 José de Almada Negreiros, artista polivalente.Amigo de Fernando Pessoa com ele pertenceu à geração de "Orpheu". O seu Manifesto Anti-Dantas gerou grande polémica.
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Poesias Eternas Mãe Vem Ouvir |
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça
a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para
escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão
pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens
e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede!
Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para
subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da
nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as
minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei,
escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às
minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa
casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exactamente para a
nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão
pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão
na minha cabeça é tudo tão verdade!
A
INVENÇÃO DO DIA CLARO,
LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, LISBOA, P. 95
Pede-se a uma criança:
Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro
canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o
papel está cheio de linhas. Umas numa direcção , outras noutras; umas mais
carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança
quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão
delicadas que apenas o peso do lápis já era de mais.
Depois a criança vem
mostrar essas linhas às pessoas: uma flor!
As pessoas não acham
parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor
andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a
cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no
papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus
lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!
A
INVENÇÃO DO DIA CLARO, LIRICAS
PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, LISBOA, P. 95
Pela serra ao luar
ia um menino sozinho
sem sono pra se deitar.
Ia o menino a pensar
porque seria ele só
sem sono pra se deitar.
Ia o menino a pensar
que há tanto por pensar
e a cidade a descansar.
Ia o menino a pensar
porque seria ele só
sem sono pra se deitar.
Quem dorme sem ter
pensado
deve ter sono emprestado
não é sono bem
ganhado.
Ia o menino a pensar
como poder arranjar
muita força pra pensar.
Ia o menino a arranjar
muita força pra pensar
o próprio sonho ganhar
OBRAS
COMPLEATAS
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
Meia-noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.
Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.
Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo
de luar.
Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.
Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em filia
de luar.
Giram pés
giram passos
girassóis
e os bonés,
e os braços
destes dois
giram laços
ao luar.
O colete
desta Virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.