SIDÓNIO
MURALHA
Biografia
1920-1982
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Poesias Eternas Dois Poemas da Praia da Areia Branca
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Dois Poemas da Praia da Areia Branca
1
Na praia da Areia Branca
os búzios não falam só
de mar:
- falam das pragas, dos
clamores,
da fome dos pescadores
e dos lenços tristes a
acenar.
Búzios da Praia da Areia
Branca:
- um dia,
haveis de falar
unicamente do mar.
2
No fundo do mar,
há barcos, tesoiros,
segredos por desvendar
e marinheiros que foram
morenos ou loiros
Ali, não são morenos
nem são loiros
- são formas breves, a
descansar,
sem ambições para os
tesoiros
e de cabelos verdes dos
limos do mar.
Serenos, serenos,
repousam os mortos,
- enquanto o mar
ensina o mundo a falar
a mesma língua em todos
os pontos.
PASSAGEM DE NÍVEL, Novo Cancioneiro,1942
A minha Poesia é uma árvore
cheia de frutos
que um sol de tragédia
amadurece;
mas eu não os arranco
nem procuro:
- o meu sol de tragédia
aquece, aquece,
e o fruto cai de maduro.
No resto, sou empregado
de escritório
que não procura
desvendar abismos,
e passo o dia (glorioso
ou inglório)
a somar algarismos...
A minha Poesia é um árvore
cheia de frutos
que um sol de tragédia
amadurece;
mas eu não os arranco
nem procuro:
- sei q miséria da
estrada percorrida;
o meu sol de tragédia
aquece, aquece,
- e o fruto cai de maduro
no chão da minha vida.
PASSAGEM DE NÍVEL, Novo Cancioneiro,1942
Na hora que vem de longe,
cresce e vem, cresce e
vem,
- os que tiverem frio hão-de
lançar os meus versos ao lume,
e a chama há-de subir...
- os que tiverem fome hão-de
lançar os meus versos à terra,
como se fossem estrume,
e a terra há-de
florir...
Os meus poemas de tragédia
são degraus
da hora que vem,
- cresce e vem,
- cresce e vem... -
Nos meus poemas cresceu,
e sofreu, e aprendeu
nos meus poemas revoltos,
por isso vem de longe,
nua, nua,
e traz os cabelos
soltos...
Hora que vens de longe,
de longe vens, de rua em
rua:
- hás-de passar e hás-de
parar por toda a parte,
nua, formosamente, nua,
- para que já não
possam desnudar-te.
BECO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, 3ª SÉRIE, PAG.
263
Depois daquela noite os
teus seios incharam;
as tuas ancas
alargaram-se;
e os teus parentes
admiraram-se
e falaram, falaram...
Porque falaram duma coisa
tão bela,
tão simples, tão
natural?
Tu não parias uma
estrela
nem uma noite de
vendaval...
Mas tudo terminou porque
falaram.
Tu fraquejaste e tudo
terminou.
- Os teus seios
desincharam;
só a tristeza ficou.
Ficou a tristeza duma
coisa tão bela,
tão simples, tão
natural...
- Tu não parias uma
estrela,
nem uma noite de
vendaval...
PASSAGEM DE NÍVEL, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, 3ª SÉRIE,
PAG. 264
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.