A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

PEDRO HOMEM DE MELO

Biografia

Portugal Portugal

 

Pedro Homem de Mello, de seu nome completo Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello, nasceu no Porto, em 1904 e faleceu em 1984.

Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi advogado, delegado do procurador da República, professor, director da Escola comercial Mouzinho da Silveira e colaborador da revista Presença.

A sua primeira obra literária data de 1934 e intitula-se Caravela ao Mar. Foram-lhe atribuídos vários prémios, nomeadamente, 1939, o Prémio Antero de Quental com a obra Segredo, o Prémio Ocidente, em 1964, com Uma Rosa na Manhã Agreste, o Prémio Casimiro Dantas, em 1966, com Eu Hei-de Voltar um Dia e o Prémio Nacional de Poesia.

A etnografia e o folclore português foi uma área na qual Pedro Homem de Mello despendeu muito do seu estudo e investigação, tendo feito vários programas televisivos sobre estas questões e publicado as seguintes obras sobre esta temática: A Poesia na Dança e nos Cantares do Povo Português, Danças Portuguesas e Danças de Portugal.

 

Obra:


A Poesia na Dança e nos Cantares do Povo Português
Danças de Portugal
Danças Portuguesas
Caravela ao Mar , 1934
Segredo, 1939
Pecado, 1943
Príncipe Perfeito, 1945
Bodas Vermelhas, 1947
O Rapaz da Camisola Verde, 1954
Grande, Grande Era a Cidade, 1956
Poesias Escolhidas, 1957
Há uma Rosa na Manhã Agreste, 1964
Eu Hei-de Voltar um Dia , 1966
Nós Portugueses Somos Castos, 1967
Desterrado, 1970
Eu Desci dos Infernos , 1972
 

 

Poesias Eternas

Poema

O Bailador de Fandango

Povo que Lavas no Rio

Bendito

Tempestade

Os Poetas

Fonte

Melodia

 

 

 

 

 

 

 

Poema

 

Noite. Fundura. A treva

É mais doce talvez...

E uma ânsia de nudez

Sacode os filhos de Eva.

 

Não a nudez apenas

Dos corpos sofredores

Mas a das almas plenas

De indecisos amores.

 

A voz do sangue grita

E a das almas responde!

Labareda infinita

Que nas sombras se esconde.

 

Mas quase sem ruído,

Na carne ao abandono

O hálito do sono

Desce como um vestido...

 

 

SEGREDO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 275

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O Bailador de Fandango

 

Sua canção fora a Gota.

Sua dança fora o Vira.

Chamavam-lhe "o fandangueiro".

Mas seu nome verdadeiro

Quando bailava, bailava...

Não era nome de cravo

Nem era nome de rosa;

Era o de flor, misteriosa,

Que se esfolhava, esfolhava...

E havia um cristal na vista

E havia um cristal no ar

Quando aquele fandanguista

Se demorava a bailar!

E havia um cristal no vento

E havia um cristal no mar.

E havia no pensamento

Uma flor por esfolhar...

Fandangueiro! Fandangueiro?

(Nem sei que nome lhe dar...)

 

Tinha seus braços erguidos

Não sei que ignotos sentidos...

- Jeitos de asa pelo ar...

Quando bailava, bailava,

Não era folha de cravo

Nem era folha de rosa.

Era uma flor, misteriosa,

Que se esfolhava, esfolhava...

 Que se esfolhava, esfolhava...

 

 Domingos Enes Pereira,

Do lugar de Montedor,

(O bailador de Fandango

Era aquele bailador!)

Vinham moças de Areosa

Para com ele bailar...

E vinham moças de Afife

Para com ele bailar.

Então as sombras dos corpos,

Como chamas traiçoeiras,

Entrelaçavam-se e a dança

Cobria o chão de fogueiras...

 

E as sombras formavam sebe...

O movimento as florira...

O sonho, a noite, o desejo...

Ai! belezas da mentira!

 

E as sombras entrelaçavam-se...

Os corpos, ninguém sabia

Se eram corpos, se eram sombras,

Se era o amor que se escondia...

 

 

PECADO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 277

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Povo que Lavas no Rio

 

Povo que lavas no rio

Que vais às feiras e à tenda

Que talhas com teu machado

As tábuas do meu caixão,

Há-de haver quem te defenda,

Quem turve o teu ar sadio,

Quem compre o teu chão sagrado,

Mas a tua vida não!

 

Meu cravo branco na orelha!

Minha camélia vermelha!

Meu verde majericão!

Ó natureza vadia!

Vejo uma fotografia...

Mas a tua vida, não!

 

Fui ter à mesa redonda,

Beber em malga que esconda

Um beijo, de mão em mão...

Água pura, fruto agreste,

Fora o vinho que me deste,

Mas a tua vida não!

 

Procissões de praia e monte,

Areais, píncaros, passos

Atrás dos quais os meus vão!

Que é dos cântaros da fonte?

Guardo o jeito desses braços...

Mas a tua vida, não!

 

Aromas de urze e de lama!

Dormi com eles na cama...

Tive a mesma condição.

Bruxas e lobas, estrelas!

Tive o dom de conhecê-las...

Mas a tua vida, não!

 

Subi às frias montanhas,

Pelas veredas estranhas

Onde os meus olhos estão.

Rasguei certo corpo ao meio...

Vi certa curva em teu seios...

Mas a tua vida, não!

 

Só tu! Só tu és verdade!

Quando o remorso me invade

E me leva à confissão...

Povo! Povo! eu te pertenço.

Deste-me alturas de incenso.

Mas a tua vida, não!

 

Povo que lavas no rio,

Que vais às feiras e à tenda,

Que talhas com teu machado,

As tábuas do meu caixão,

Pode haver quem te defenda,

Quem turve o teu ar sadio,

Quem compre o teu chão sagrada,

Mas a tua vida, não!

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Bendito

 

O Sol liquefaz-se, é rio;

A sua luz, água ao vento;

Sobre o mar turvo, cinzento,

Tem qualquer coisa de frio.

 

Chamam-lhe Deus os pagãos.

Depois, o Sol, quando passa

Solta os cabelos, com graça,

Deixa-nos oiro nas mãos...

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Tempestade

 

Faz mar na ria

Formaram-se ondas

Que ventania

Torna redondas.

 

Correm na ria

Ondas aos centos.

Cavalaria

De água e ventos!

 

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Os Poetas

 

Nunca os vistes

Sentados nos cafés que há na cidade,

Um livro aberto sobre a mesa e tristes,

Incógnitos, sem oiro e sem idade?

 

Com magros dedos, coroando a fronte,

Sugerem o nostálgico sentido

De quem rasgasse um pouco de horizonte

Proíbido...

 

Fingem de reis da Terra e do Oceano

(E filhos são legítimos do vício!)

Tudo o que neles nos pareça humano

É fogo de artíficio.

 

Por vezes, fecham-lhes as portas

- Ódio que a nada se resume -

Voltam, depois, a horas mortas,

Sem um queixume.

 

E mostram sempre novos laivos

De poesia em seu olhar...

 

Adolescentes! Afastai-vos

Quando algum deles vos fitar!

 

 

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Fonte

 

Meu amor diz-me o teu nome

- Nome que desaprendi...

Diz-me apenas o teu nome.

Nada mais quero de ti.

Diz-me apenas se em teus olhos

Minhas lágrimas não vi,

Se era noite nos teus olhos,

Só porque passei por ti!

Depois, calaram-se os versos

- Versos que desaprendi...

E nasceram outros versos

Que me afastaram de ti.

Meu amor, diz-me o teu nome.

Alumia o meu ouvido.

Diz-me apenas o teu nome,

Antes que eu rasgue estes versos,

Como quem rasga um vestido!

 

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Melodia

 

Dedos,

Pés,

Mãos

Não podem ser mentira.

 

- Porque o teu corpo

É harpa que respira...

 

POEMAS ESCOLHIDOS, IMPRENSA NACIONAL/CASA DA MOEDA, LISBOA

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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