A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

MANUEL DUARTE DE ALMEIDA

Biografia

1844-1914

Portugal Portugal

Manuel Duarte de Almeida nasceu em 1844 e faleceu em 1914. Diplomado em Farmácia foi funcionário dos Correios, no Porto e bibliotecário em Lisboa. Cultivou vários géneros literários.

Em 1934 os seus poemas dispersos foram compilados em Terra e Azul.

 

Poesias Eternas

Altívola

Aromatografia

Esfinge

Vae Victis

Vénus do Asfalto

 

 

 

 

 

 

 

 

Aromatografia

 

Se alguma vez tentasse, ó minha amada!

na tela desenhar teu nobre busto hebreu,

não iria pedir, bucólico Dirceu,

à neve, à rosa, ao lírio, a tinta delicada.

 

A gazela medrosa, a pomba acetinada,

o ébano, o marfim, o Sol, o azul do céu,

nada tinham que dar-me, ó fouveiro escarcéu,

flama alongada em lago, onde a minha alma nada!

 

Perfumes na paleta em vez de tintas pondo,

derrama o beijoim no teu seio redondo,

nessa boca a mordente escalínia; e no olhar

 

a magnólia que lembra um antárctico mar;

e a rajada do sul, impregnada de aromas,

pintara o turbilhão das tuas negras comas.

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Vae Victis

 

A situação é clara. O estrangeiro insolente

Impera em nossa casa e dita-nos a lei.

Maldito o que nesta hora a afronta vil não sente,

Quer se chame - nação, quer se apelide - rei!

 

Ah! Se temos de ser o Egipto do ocidente,

Vamos! Venha depressa um quediva ou um bei...

Ó miseranda pátria e miseranda gente,

Dum povo, que foi grande, abastarda grei!

 

Se temos de empunhar libertadora espada,

Se o torpe Egoísmo fez, de ti, sua morada

E os teus foros de livre amarfanhou sem dó,

 

Foge à extrema irrisão de vãos espalhafatos...

Sereno encara a sorte, humilde aceita os factos,

Roja a fronte servil e beija, escravo, o pó!

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Esfinge

 

Não sei o que tu és; nem onde existes,

Ó tu, que eu amo e busco entre as mulheres!

Sombra impalpável de ideais prazeres,

Norte flutuante de meus olhos tristes.

 

Dize-me, ó adorável monstro! assistes,

Na trágica postura que preferes,

Esfinge de olhar profundo sem que alteres

O horror escultural em que persistes,

 

Impassível, ao drama comovente

De meus sombrios êxtases de crente,

Das mágoas vis que o Desalento nutre?

 

Ah! quando as garras tuas me lacerem,

Tapa meus olhos para te não verem,

Ó mistério que adoro! ó doce abutre!

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Altívola

 

Que profunda atracção indecifrável

Há nesse olhar, que me enlouquece e mata!

E nessa voz, tão pura que arrebata,

Quem lhe pôs a magia incontrastável?

 

Chamas-me: - vou. No curso variável

Que ora por céus longínquos se dilata,

Ora, cansado, roça a terra ingrata,

Busco-te sempre! e tu, ah! nunca estável.

 

E quando, exausto de seguir teu rumo,

Mais fugidio do que o alto fumo,

Meu ser vacila, e se contruba, e cai,

 

De novo acenas-me, exclamando: Acima!

E à doce voz todo o meu ser se anima,

E no teu sulcro deslizando vai!...

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Vénus do Asfalto

 

Subjuga, pela forma escultural e bela,

Majestosa e opulenta, as fátuas multidões;

E, ao vê-la passar, muito ingénua donzela

Lhe inveja intimamente as vis adorações.

 

Faz graça do impudor: - acena da janela,

Mesmo em público aceita ignóbeis ovações;

E na lascívia azul dos grandes olhos dela

Nadam, cheios de luz, os falsos corações.

 

Formidável luxúria a verbera sem tréguas,

- Selvática, feroz, furiosa como as águas,

Quando os sopros de Abril lhes insuflam o ardor;

 

Exala as tentações dos seios mais trementes,

E é como um arsenal de graças impudentes

A Vénus Asphaltite, a panóplia do amor.

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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