MANUEL
DA FONSECA
Biografia Manuel
da Fonseca nasceu no Alentejo em Santiago do Cacém. Principais obras: Rosa dos Ventos, poesia, Lisboa, 1940; Planície, "Novo Cancioneiro", Coimbra, 1941; Cerromaior, romance, Lisboa, 1943; Seara de Vento, romance, Lisboa, 1958; Poemas Completos, Lisboa, 1958; Tempo de Solidão, contos, Lisboa, 1973
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Poesias Eternas
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Se tu soubesses
que em todos os portos
do mundo
há uma mão
desconhecida
a acenar - adeus,
adeus - quando se parte prò mar;
Se tu soubesses
que o mar não tem
fronteiras nem distâncias
é sempre o mar;
se tu soubesses
a noite nas águas
onde os barcos são
berços
e os marinheiros
meninos a sonhar:
se tu soubesses
o desamor à vida
quando o vento grita temporais
e a morte vem abraçar
os homens na espuma das vagas;
se tu soubesses
que em todos os portos
do mundo
há um sorriso
para quem chega do
mar;
se tu soubesses vinhas
comigo prò mar.
Vinhas comigo prò mar
embora as nuvens do céu
e os ventos que vêm
do este e do oeste, do sul e do norte
digam ao mundo que vai
haver o temporal maior que todos!
POEMAS
COMPLETOS
Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água
fria.
Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém
grita para longe
um nome familiar
se assustam pombos
bravos
e acordam ecos de
descampado
POESIA
COMPLETA
O poeta tem olhos de água
para reflectirem as cores do mundo,
e as formas e as proporções
exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em são olhar estão as
distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas
luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas
escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as
neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas
das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante
das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da Terra
e o gesto desolado dos
homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto
incandescente e trémula, e os gelos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras
sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos
oceanos desvendados maravilhando como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das
mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa
de mãos jogadas prò mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas
as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um
farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando
nas trevas
tocando de esperança o
coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros,
inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de
revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo
POEMAS
Foi para a escola e
aprendeu a ler
e as quatro operações,
de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no
largo.
Depois, foi para a
loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
- vagaroso e sério,
sem um engano
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já
era o "Senhor António"...)
ficou dono da loja e
chefe de família...
Envelheceu, casou,
teve meninos,
tudo como quem soma ou
faz multiplicação!...
E quando o mais
velhinho
já sabia contar, ler,
escrever,
o Senhor António deu
balanço à vida:
tinha setenta anos, um
nome respeitado...
- que mais podia
querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os
braços
e disse: - Vou morrer.
E morreu!, morreu de
congestão!...
POESIA
COMPLETA
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.