A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

MANUEL ALEGRE

Biografia

1936

Portugal Portugal

Manuel de Melo Duarte Alegre nasceu em 1936 em Águeda. Estudou na Faculdade de Direito de Coimbra onde fundou o CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e participou no TEUC (Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra). Em 1962 foi para a guerra de Angola e aí dirigiu uma tentativa de revolta militar contra a guerra colonial tendo sido preso pela Pide e detido em Luanda. Regressou a Portugal em 1964 e, com residência fixa em Coimbra, continuou a sua actividade clandestina dentro do movimento estudantil. Teve de se exilar - 1º em Paris e seguidamente em Argel onde foi dirigente da FPLN e a voz da Rádio Voz da Liberdade (clandestinamente escutada em Portugal). Após o 25 de Abril de 1974 aderiu ao Partido Socialista tendo desempenhado vários cargos políticos.

Voz inconformada e inconformista destacou-se em vários géneros literários mas é na poesia que o seu nome é bem conhecido.

Da sua obra poética destacamos: Praça da Canção (1965), O Canto e as Armas (1967), Rua de Baixo (1990), Com que Pena - Vinte Poemas para Camões (1922), Sonetos do Obscuro Quê (1993), Coimbra Nunca Vista (1995), Trinta Anos de Poesia (1995), Senhora das Tempestades (1998) este último livro valeu-lhe os prémios Crítica e Associação dos Escritores Portugueses.

Alguns dos seus poemas foram musicados e cantados por alguns ditos cantores de intervenção.

Obra:

Poesia
Praça da Canção, 1965
O Canto e as Armas, 1967
O Canto e as Armas, 1989
Com que Pena: Vinte Poemas para Camões, 1992
Sonetos do Obscuro Quê, 1993
30 Anos de Poesia, 1995
As Naus de Verde Pinho, 1996
Poema de Che, 1997
 


Um Barco para Ítaca, 1971
Coisas Amar, 1976
Nova do Achamento, 1979
Atlântico, 1981
Chegar Aqui, 1984
Jornada de África, 1989
O Homem do País Azul, 1989
Coimbra Nunca Vista, 1995
Senhora das Tempestades, 1998
 

Sítios:

Alguns poemas
   
http://www.terravista.pt/mussulo/1917/malegre.html

Manuel Alegre - o encontro da música
   
http://www.cm-lisboa.pt/servicos/dc/resistencia/alegre.htm

Manuel Alegre – página do Parlamento
   
http://www.parlamento.pt/biograf_viii/manuel_alegre.htm

Página do autor Manuel Alegre
   
http://www.spautores.pt/autores/manuel_alegre.html

Página sobre Manuel Alegre e a sua música
   
http://www.citi.pt/cultura/musica/musicos/jose_afonso/alegre.html

Poemas de Manuel Alegre
   
http://viriato.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/alegre.html

 

Poesias Eternas

 

Senhora das Tempestades

Coração Polar

Quinto Poema do Pescador

E Alegre se Fez Triste

As mãos

Ilha de Cos

Salamina

Bicicleta de Recados

Crónica dos Filhos de Viriato

Livreiro da Esperança

Para João XXII

Trova do Vento que Passa

 

 

 

 

 

 



 

Senhora das Tempestades

(Lisboa/Nice/Lisboa, Março, 1966)

 

Senhora das tempestades e dos mistérios originais

quando tu chegas a terra treme do lado esquerdo

trazes o terramoto a assombração as conjunções fatais

e as vozes negras da noite Senhora do meu espanto e do meu medo.

 

Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento

há uma lua do avesso quando chegas

crepúsculos carregados de presságios e o lamento

dos que morrem nos naufrágios Senhora das vozes negras.

 

Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma

nasce uma estrela cadente de chegares

e há um poema escrito em página nenhuma

quando caminhas sobre as águas Senhora dos sete mares.

 

Conjugação de fogo e luz e no entanto eclipse

trazes a linha magnética da minha vida Senhora da minha morte

teu nome escreve-se na areia e é uma palavra que só Deus disse

quando tu chegas começa a música Senhora do vento norte.

 

Escreverei para ti o poema mais triste

Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades

quando me tocas há um país que não existe

e um anjo poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades.

 

Senhora do sol do sul com que me cegas

a terra toda treme nos meus músculos

consonância dissonância Senhoras das vozes negras

coroada de todos os crepúsculos.

 

Senhora da vida que passa e do sentido trágico

do rio das vogais Senhora da litúrgia

sibilação das consoantes com seu absurdo mágico

de que não fica senão a breve música.

 

Senhora do poema e da oculta fórmula da escrita

alquimia de sons Senhora do vento norte

que trazes a palavra nunca dita

Senhora da minha vida Senhora da minha morte.

 

Senhora dos pés de cabra e dos parágrafos proibidos

que te disfarças de metáfora e de soprar marítimo

Senhora que me dóis em todos os sentidos

como um ritmo só ritmo como um ritmo.

 

Batem as sílabas da noite na oclusão das coronárias

Senhora da circulação que mata e ressuscita

trazes o mar a chuva as procelárias

batem as sílabas da noite e és tu a voz que dita.

 

Batem os sons os signos os sinais

trazes a festa e a despedida Senhora dos instantes

fica o sentido trágico do rio das vogais

o mágico passar das consoantes.

 

Senhora nua deitada sobre o branco

com tua rosa-dos-ventos e teu cruzeiro do sul

nascem faunos com tridentes no teu flanco

Senhora de branco deitada no azul.

 

Senhora das águas transbordantes no cais de súbito vazio

Senhora dos navegantes com teu astrolábio e tua errância

teu rosto de sereia à proa de um navio

tudo em ti é partida tudo em ti é distância.

 

Senhora da hora solitária do entardecer

ninguém sabe se chegas como graça ou como estigma

onde tu moras começa o acontecer

tudo em ti é surpresa Senhora do grande enigma.

 

Tudo em ti é perder Senhora quantas vezes

Setembro te levou para as metrópoles excessivas

batem as sílabas do tempo no rolar dos meses

tudo em ti é retorno Senhora das marés vivas.

 

Senhora do vento com teu cavalo cor de acaso

tua ternura e teu chicote sobre a tristeza e a agonia

galopas no meu sangue com teu cateter chamado Pégaso

e vais de vaso em vaso Senhora da arritmia.

 

Tudo em ti é magia e tensão extrema

Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos

batem as sílabas da noite no coração do poema

Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos.

 

Tudo em ti é milagre Senhora da energia

quando tu chegas a terra treme e dançam as divindades

batem as sílabas da noite e tudo é uma alquimia

ao som do nome que só Deus sabe Senhoras das tempestades.

 

SENHORA DAS TEMPESTADES, PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE, Lisboa, 1998 P. 25

 

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Coração Polar

(Lisboa, 5 e 6.1.98)

 

1.

Não sei de que cor são os navios

 

quando naufragam no meio dos teus braços

sei que há um corpo nunca encontrado algures no mar

e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial

a tua promessa nos mastros de todos os veleiros

a ilha perfumada das tuas pernas

o teu ventre de conchas e corais

a gruta onde me esperas

com teus lábios de espuma e de salsugem

os teus naufrágios

e a grande equação do vento e da viagem

onde o acaso floresce com seus espelhos

seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha

onde se cruza a lua e a mastreação

mas sei que em cada rua há uma esquina

uma abertura entre a rotina e a maravilha

há uma hora de fogo para o azul

a hora em que te encontro e não te encontro

há um ângulo ao contrário

uma geometria mágica onde tudo pode ser possível

há um mar imaginário aberto em cada página

não me venham dizer que nunca mais

as rotas nascem do desejo

e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos

quero o teu nome escrito nas marés

nesta cidade onde no sítio mais absurdo

num sentido proibido ou num semáforo

todos os poentes me dizem quem tu és.

 

2.

 

Ouvi dizer que há um veleiro que saiu do quadro

é ele que vem talvez na nuvem perigosa

esse veleiro desaparecido que somos todos nós.

Da minha janela vejo-o passar no vento sul

outras vezes sentado olhando o ângulo mágico

sinto a sua presença logarítmica

vem num alexandrino de Cesário Verde

traz a ferragem e a maresia

traz o teu corpo irrepetível

o teu ventre subitamente perpendicular

à recta do horizonte e dos presságios

ou simplesmente a outra margem

o enigma cintilante a florir no cedro em frente

qual é esse país pergunto eu

qual é esse país onde tudo existe e não existe

qual é esse país de onde chega este perfume

este sabor a alga e despedida

esta lágrima só de o pensar e de o sentir.

 

Não é apenas um lugar físico algures no mapa

é talvez o adjectivo ocidental

o verbo ocidentir

o advérbio ocidentalmente

quem sabe se o substantivo ocidentimento.

Está na palma da mão no nervo no destino

e também no teu corpo aberto ao vento do nordeste

é talvez o teu rosto alegre e triste - esse país

que existe e não

existe.

 

Eu não sei de que cor são os navios

sei que por vezes

no mais recôndito recanto

no simples agitar de uma cortina

numa corrente de ar

num ritmo

há um brilho súbito de estrela e bússola

uma agulha magnética no pulso

um mar por dentro um mar de dentrop um mar

no pensamento.

 SENHORA DAS TEMPESTADES, PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE, Lisboa, 1998 P. 33

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 E Alegre se Fez Triste

 

Aquela clara madrugada que

viu lágrimas correrem no teu rosto

e alegre se fez triste como se

chovesse de repente em pleno agosto.

 

Ela só viu meus dedos nos teus dedos

meu nome no teu nome. E demorados

viu nossos olhos juntos nos segredos

que em silêncio dissemos separados.

 

A clara madrugada em que parti.

Só ela viu teu rosto olhando a estrada

por onde um automóvel se afastava.

 

E viu que a pátria estava toda em ti.

E ouviu dizer-me adeus: essa palavra

que fez tão triste a clara madrugada.

 

O CANTO E AS ARMAS, CENTELHA, COIMBRA, 1974, 3ª EDIÇÃO, P.61

 

 

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As mãos

 

Com mãos se faz a paz se faz a guerra

Com mãos tudo se faz e se desfaz

Com mãos se faz o poema - e são de terra.

Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

 

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.

Não são de pedra estas casas mas

de mãos. E estão no fruto e na palavra

as mãos que são o canto e são as armas.

 

E cravam-se no Tempo como farpas

as mãos que vês nas coisas transformadas.

Folhas que vão no vento: verdes harpas.

 

De mãos é cada flor cada cidade.

Ninguém pode vencer estas espadas:

nas tuas mãos começa a liberdade.

 

O CANTO E AS ARMAS, CENTELHA, COIMBRA, 1974, 3ª EDIÇÃO, P. 121

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Ilha de Cos

 

Eu sabia que tinha de haver um sítio

Onde o humano e o divino se tocassem

Não propriamente a terra do sagrado

Mas uma terra para o homem e para os deuses

Feitos à sua imagem e semelhança

Um lugar de harmonia

Com sua tragédia é certo

Mas onde a luz incita à busca da verdade

Eonde o homem não tem outros limites

Senão os da sua própria liberdade

CHEGAR AQUI, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1984, 1ª edição, p. 31

 

 

 

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Salamina

Irei morrer ainda a Salamina

Mesmo que da antiga perdida grandeza

Não reste mais do que desordem e ruína

Irei morrer ainda a Salamina

Pelo sol pela luz pela beleza

 

CHEGAR AQUI, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1984, 1ª edição, p. 41

 

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Bicicleta de Recados

 

Na minha bicicleta de recados

eu vou pelos caminhos.

Pedalo nas palavras atravesso as cidades

bato às portas das casas e vêm homens espantados

ouvir o meu recado ouvir minha canção.

 

Na minha bicicleta de recados

eu vou pelos caminhos.

Vem gente para a rua a ver a novidade

como se fosse a chegada

do João que foi à Índia

e era o moço mais galante

que havia nas redondezas.

Eu não sou o João que foi à Índia

mas trago todos os soldados que partiram

e as cartas que não escreveram

e as saudades que tiveram

na minha bicicleta de recados

atravessando a madrugada dos poemas.

 

Desde o Minho ao Algarve

eu vou pelos caminhos.

E vêm homens perguntar se houve milagre

perguntam pela chuva que já tarda

perguntam pelos filhos que foram à guerra

perguntam pelo sol perguntam pela vida

e vêm homens espantados às janelas

ouvir o meu recado ouvir minha canção.

 

Porque eu trago notícias de todos os filhos

eu trago a chuva e o sol e a promessa dos trigos

e um cesto carregado de vindima

eu trago a vida

na minha bicicleta de recados

atravessando a madrugada dos poemas.

 

A PRAÇA DA CANÇÃO, CENTELHA, COIMBRA, 1975, P. 46

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Crónica dos Filhos de Viriato

 

História: não a que vem nos livros

com fogueiras de Deus nos campos de Sant'Ana

com santos e guerreiros e façanhas e milagres

com bandeiras e naus no Terreiro do Paço.

Dos mitos nada sei. Falo dos vivos

dos que todos os dias ficam vencidos em Sagres

no mar dum íntimo cansaço

 

Dos que sempre adiaram o seu 5 de Outubro

derrotados nas salas dum escritório

filhos de Viriato submetidos aos romanos

no Império da Grande Capitulação.

Filhos de Viriato. (E já Sertório

em todos eles foi traído ou gasto pelos anos).

Só não morreu ainda El-Rei Sebastião.

 

E os que esperam ainda nas naus romãnticas

lusíadas parados no Rossio

filhos de Viriato pálidos e desarmados

falam em D. Sebastião à mesa dos cafés

os que não se afogaram nas águas atlânticas

frustrados habitantes dum navio

que nunca foi além dos sonhos adiados

marinheiros de agosto que molham no mar os pés.

 

E ainda aqueles que se vão todos os dias

não em busca das Índias mas do pão que falta

filhos de Viriato nos caminhos dos Brasis

porque os romanos nada lhes deixaram.

Terras do Alentejo - Bartolomeu Dias

passando além da fome em cada herói da malta.

Eu falo dos heróis sem nome dum país

onde os romanos sobre os homens se assentaram.

 

Dos homens falo. Nada sei dos mitos.

Homens de mil trezentos e oitenta e cinco

esperando em mil novencentos e sessenta e três

a verdadeira independência do país.

Dos homens falo. Suas tragédias seus ritos

sua maneira de perder e seu afinco

em tentar mais uma vez

E ficam uns em Sagres vão outros para os Brasis.

 

Falo da história que não vem na História.

(A que na escola me ensinaram já esqueci.

Aprendi o passado nos restos do passado).

Falo de Sagres. Dos que estão em Sagres.

Não dos antigos plainos da memória

vos trago os meus heróis. Ei-los aqui:

filhos de Viriato (e já Sertório assassinado)

lusíadas sem pão e sem milagres.

 

A PRAÇA DA CANÇÃO, CENTELHA, COIMBRA, 1975, P. 48

 

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Livreiro da Esperança

 

Há homens que são capazes

duma flor onde

as flores não nascem.

Outros abrem velhas portas

em velhas casas fechadas há muito

Outros ainda despedaçam muros

acendem nas praças uma rosa de fogo.

Tu vendes livros quer dizer

entregas a cada homem

teu coração dentro de cada livro.

 

A PRAÇA DA CANÇÃO, CENTELHA, COIMBRA, 1975, P. 57

 

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Para João XXIII

 

Porque não sei de Deus não trago preces.

Sou apenas um homem de boa vontade.

Creio nos homens que acreditam como tu nos homens

creio no teu sorriso fraternal

e no teu jeito de dizer

quase como quem semeia

as palavras que são

trigo da vida.

Creio na paz e na justiça

creio na liberdade

e creio nesse coração terreno e alto

com raízes no céu e em Sotto il Monte

De Deus não sei. Mas quase creio

que Deus poisou nas mãos cheias de terra

dum jovem camponês de Sotto il Monte.

 

Por isso mando à Praça de S. Pedro

não uma prece

mas a minha canção fraterna e livre

esta canção

que vai pedir-te a humana benção

João XXIII avô do século.

 

A PRAÇA DA CANÇÃO, CENTELHA, COIMBRA, 1975, P. 58

 

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Trova do Vento que Passa

 

Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.

 

Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.

 

Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém me diz.

 

Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que eu morro por meu país.

 

Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio - é tudo o que tem

quem vive na servidão.

 

Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.

 

E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.

 

Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.

 

Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)

vi minha pátria florir

(verdes folhas verdes mágoas).

 

Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.

 

E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira dum rio triste.

 

Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.

 

E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e o vento nada me diz.

 

Quatro folhas tem o trevo

liberdade quatro sílabas.

Não sabem ler é verdade

aqueles pra quem eu escrevo.

 

Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.

 

Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não.

 

A PRAÇA DA CANÇÃO, CENTELHA, COIMBRA, 1975, P. 102

 

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Quinto Poema do Pescador

 

Eu não sei de oração senão perguntas

ou silêncios ou gestos ou ficar

de noite frente ao mar não de mãos juntas

mas a pescar.

 

Não pesco só nas águas mas nos céus

e a minha pesca é quase uma oração

porque dou graças sem saber se Deus

é sim ou não.

 

Lisboa, 9.12.96

 

SENHORA DAS TEMPESTADES, PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE, 1998, P. 51

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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