JOÃO
LÚCIO
Biografia 1880-1918 Poeta algarvio nasceu em 1880 e faleceu em 1918. Obra poética: O Meu Algarve, Descendo, Nas Asas do Sonho e postumamente Espalhando Fantasmas.
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Poesias Eternas
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Cada curva de fumo tem um
som,
Tão vago e tão subtil
como o gerar
Dum perfume suave, ou dum
tom,
Que apenas comece a
palpitar.
Torce-se o fumo sempre, e
os ruídos
Das suas crispações
podem-se ouvir;
Mas não bastam apenas os
ouvidos
Para os compreender, para
os sentir.
Alguma coisa em nós,
muito interior,
Um sentido criado, p'ra
que a dor
E a voz de tudo o que há
seja escutada;
Dá-nos a percepção dos
sons das curvas,
Da música ideal das
ondas turvas
Do fumo, onde está presa
uma balada.
(Ao Bernardo de Passos, Júnior)
Há tanta sensação que
não conheço
Tanto vibrar de nervos
que não sinto;
E, contudo, parece que os
pressinto,
Apesar de ver bem que os
desconheço.
A sensação que tem, à
noite, o Ar,
Quando o orvalho o toca,
em beijos d'água
É, porventura, irmã
daquela mágoa
Que sente, quando chora,
meu olhar?!
Tem, porventura, alguma
semelhança
A sensação dum cravo
numa trança,
Com a ânsia de quem
morre afogado?
E fico-me a pensar que
sentirá
Uma vidraça quando o Sol
lhe dá
E a rasga a mão da luz,
de lado a lado...
Ó neve que Deus fez para
as montanhas
Brilharem ao luar,
transfiguradas.
Ó neve, que lhes dás
formas estranhas,
E as ergues para o Céu,
purificadas:
Tu que sabes tirar a
sensação,
Sob o gelar da tua mão
serena,
E que toda a crispada
convulsão
Podes fazer, depressa,
bem pequena:
Tu que os lírios pões
petrificados
Parecendo do mármore
talhados,
Que aos rios imobilizas a
corrente:
Como cais nos montes e
nos prados,
Tomba no coração dos
desgraçados:
Tira-lhe as sensações
eternamente.
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.