GONÇALVES CRESPO
Biografia
1846-1883
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Poesias Eternas
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Para alguém sou o lírio entre os abrolhos
e tenho as formas ideais do Cristo;
para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
e, se na terra existe, é porque existo.
Esse alguém, que prefere ao namorado
cantar das aves minha rude voz,
não és tu, anjo meu idolatrado,
nem, meus amigos, é nenhum de vós!
Quando alta noite me reclino e deito
melancólico, triste e fatigado,
esse alguém abre as asas no meu leito,
e o meu sono desliza perfumado.
Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
por mim, além dos mares! Esse alguém
é de meus olhos a esplendente aurora:
és tu, doce velhinha, ó minha mãe!
MINIATURAS,
SELECTA LITERÁRIA,
LIVRARIA SIMÕES LOPES, PORTO, P. 76
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.
Dos céus a curva era tranquila e pura;
das gementes alcíones o bando
via-se ao longe, em círculos, voando
dos mares sobre a cérula planura.
Nas ondas se atufara o Sol radioso,
e a Lua sucedera, astro mavioso,
de alvor banhando os alcantis das fragas...
E aquela pobre mãe, não dando conta
que o Sol morrera, e que o luar desponta,
a vista embebe na amplidão das vagas...
NOCTURNOS,
SELECTA LITERÁRIA,
LIVRARIA SIMÕES LOPES, PORTO, P. 77
Baçus, mulher de Ali,
pastora de camelas,
viu de noite, ao fulgor
das rútilas estrelas,
Vail, chefe minaz de bárbara
pujança,
matar-lhe um animal. Baçus
jurou vingança;
corre, célere voa, entra
na tenda e conta
a um hóspede de Ali a
grave e inulta afronta.
- "Baçus!" -
disse, tranquilo, o hóspede gentil -
"Vingar-te-ei com
meu braço: eu matarei Vail".
Disse e cumpriu.
Foi esta a causa verdadeira |
da guerra pertinaz, horrível,
carniceira,
que as tribos dividiu. Na
luta fratricida,
Omar, filho de Anru,
perdera o alento e a vida.
Anru, que lanças mil aos
rudes prélios leva
e que em sangue inimigo,
irado, os ódios ceva,
incansável procura, e é
sempre embalde, o vil
matador de seu filho, o
tredo Mualhil.
Uma noite, na tenda, a um
moço prisioneiro,
recém-colhido em campo,
o indómito guerreiro
falou severo assim:
- "Escravo, atende e escuta: |
Aponta-me a região, o
monte, o plaino, a gruta
em que vive o traidor
Mualhil; dize a verdade;
dá-me que o alcance
vivo, e é tua a liberdade!"
E o moço perguntou:
- "È por Alá que o juras?" |
- "Juro!" - o
chefe tornou.
- "Sou o homem que procuras! |
Mualhil é o meu nome: eu
fui que espedacei
a lança de teu filho e
aos pés o subjuguei!"
E, intrépido, fitava o
atónito inimigo.
Anru volveu:
- "Ès livre! Alá seja contigo!" |
NOCTURNOS, SELECTA LITERÁRIA, LIVRARIA SIMÕES LOPES, PORTO, P. 79
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.