FLORBELA ESPANCA
Biografia
1894-1930
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Poesias Eternas
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Ser a moça mais linda do povoado,
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.
Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho...
Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...
Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à "terra da verdade"...
Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
CHARNECA EM FLOR, SONETOS, LIVRARIA BERTRAND, AMADORA, 1978, 16ª EDIÇÃO, P.116
Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!
Andava a procurar-me - pobre louca! -
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
CHARNECA EM FLOR, SONETOS, LIVRARIA BERTRAND, AMADORA, 1978, 16ª EDIÇÃO, P.120
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
É não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
CHARNECA EM FLOR, SONETOS, LIVRARIA BERTRAND, AMADORA, 1978, 16ª EDIÇÃO, P.134
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
CHARNECA EM FLOR, SONETOS, LIVRARIA BERTRAND, AMADORA, 1978, 16ª EDIÇÃO, P.137
Frémito do meu corpo a procurar-te.
Febre das tuas mãos na minha pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel.
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e farte!
E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...
E o meu coração que tu não sentes
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas.
in "Sonetos"
O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarao, ao longe, ja' desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
Sao precisos amores, pra morrer,
E sao precisos sonhos para partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que ha'-de vir!
in "Sonetos"
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Páros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolências de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não t'os digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Janela antiga sobre a rua plana...
Ilumina-a o luar com seu clarão...
Dantes, a descansar de luta insana,
Fui, talvez, flor no poético balcão...
Dantes! da minha glória altiva e ufana,
Talvez... quem sabe?... tonto de ilusão,
Meu rude coração de alentejana
Me palpitasse ao luar nesse balcão...
Mística dona, em outras primaveras,
Em refulgentes horas de outras eras,
Vi passar o cortejo ao sol doirado...
Bandeiras! pajens! o pendão real!
E na tua mão, vermelha, triunfal,
Minha divisa: um coração chagado!...
in "Sonetos"
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.