A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

Fernando Pessoa

Biografia

1888-1930

Portugal Portugal

    

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, em 1888 e faleceu também em Lisboa, em 1935.

Frequentou o ensino primário e secundário em Durban, na África do Sul, onde foi um excelente aluno. A sua estadia na África do Sul deveu-se ao facto de a mãe ter casado em segundas núpcias com um cônsul português que ocupou este cargo na cidade de Durban, entre 1895 e 1905.

Frequentou o Curso Superior de Letras, que abandonou para se dedicar ao mundo do trabalho, tendo sido correspondente de diversas casas comerciais e tradutor de correspondência estrangeira. Durante os seus tempos livres estudou filosofia, ciências humanas e políticas, teosofia e literatura moderna.

Os seus primeiros trabalhos literários datam de 1912 e foram publicados na revista Águia. Em 1913 publicou também nesta revista o poema Paúis.

Fernando Pessoa é o animador do movimento modernista português, tendo fundado a revista Orpheu, em 1915, com Mário de Sá-Carneiro e Luís de Montalvor. Colaborou em diversas outras publicações nomeadamente Centauro, Exílio, Presença, Portugal Futurista, Athena e Contemporânea, tendo sido co-director das duas últimas.

É um dos nomes mais conhecidos e de maior mérito da literatura portuguesa, no entanto, quando faleceu apenas tinha publicada a obra Mensagem, que lhe havia merecido em 1934, num concurso literário do Secretariado da Propaganda Nacional, um prémio na categoria B, pelo facto da sua reduzida extensão em número de páginas.

Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Bernardo Soares são os heterónimos criados por Fernando Pessoa para exprimir os seus sentimentos face ao mundo. Concebidos por Fernando Pessoa como personalidades distintas, possuem uma biografia e um horóscopo próprios criados pelo próprio poeta.

Fernando Pessoa é um dos maiores vultos da literatura portuguesa e um dos maiores nomes da literatura europeia do séc. XX.

A Casa Fernando Pessoa, http://www.casafernandopessoa.com é um espaço cultural da Câmara Municipal de Lisboa, criado em homenagem ao poeta e concebido como Casa da Poesia. Situa-se na Rua Coelho da Rocha 16, em Campo de Ourique, no prédio onde Fernando Pessoa ocupou, entre 1920 e 1935, o 1º andar direito.

 

Obra:

Ficção
English Poems - I, II, III, 1921
Aviso por Causa da Moral (Álvaro de Campos), 1923
O Banqueiro Anarquista, 1981
 

Poesia
Poemas Ingleses
Ultimatum (Álvaro de Campos), 1917
35 Sonnets, 1918
Antinous, 1918
A Mensagem , 1935
Antologia - 2 volumes, 1942
Poesia (Álvaro de Campos), 1944
Odes (Ricardo Reis), 1945
Poemas (Alberto Caeiro), 1946
Poemas Inéditos Destinados ao nº 3 do Orpheu, 1953
Poesias Inéditas (1930-1935), 1955
Poesias Inéditas (1919-1930), 1956
Quadras ao Gosto Popular, 1965
Oito Poemas Ingleses Inéditos de Fernando Pessoa, 1968
Novas Poesias Inéditas, 1973
 

Reportagem
O Preconceito da Ordem, 1949
 


Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária
Sobre um Manifesto de Estudantes, 1923
A Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, 1928
Interregno, Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal, 1928
(A Maçonaria) Associações Secretas, 1935
20 Cartas de Fernando Pessoa, 1944
A Nova Poesia Portuguesa, 1944
Cartas de Fernando Pessoa a Armando Cortes Rodrigues, 1945
Páginas de Doutrina Estética, 1946
A Nossa Crise, Seus Aspectos Político, Moral e Intelectual, 1950
O Orpheu e a Literatura Portuguesa, 1950
Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, 1957
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, 1966
Textos Filosóficos - 2 volumes, 1968
O Rosot e as Máscaras - Antologia, 1976
Cartas de Amor de Fernando Pessoa, 1978
Da República (1910-1935), 1979
Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional, 1979
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, 1980
O Livro do Desassossego (Bernardo Soares) - 2 volumes, 1982
 

Cronologia

1888

Nasce Fernando Antônio Nogueira Pessoa, em 13 de junho, no Largo de São Carlos, em Lisboa.

1893

O pai morre de tuberculose. A família é obrigada a leiloar parte de seus bens.

1894

Fernando Pessoa cria seu primeiro heterônimo, Chevalier de Pas.

1895

Escreve o seu primeiro poema, intitulado À Minha Querida Mamã. A mãe casa por procuração com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban.

1896

Parte com a mãe e um tio-avô para Durban.

1897

Faz o curso primário na escola de freiras irlandesas da West Street. No mesmo instituto, faz a primeira comunhão.

1899

Ingressa na Durban High School, onde permanecerá durante três anos e será um dos primeiros alunos da turma. Cria o heterônimo Alexander Search.

1901

É aprovado com distinção no seu primeiro exame. Escreve os primeiros poemas em inglês. Parte com a família para Portugal.

1902

A família retorna a Lisboa em junho. Em setembro, Pessoa volta sozinho para a África do Sul. Tenta escrever romances em inglês.

1903

Submete-se ao exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Não obtém uma boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês.

1904

Termina seus estudos na África do Sul.

1905

Vai de vez para Lisboa, onde passa a viver com uma tia. Continua a escrever poemas em inglês.

1906

Matricula-se no Curso Superior de Letras. A mãe e o padrasto retornam a Lisboa e Pessoa volta a morar com eles.

1907

A família retorna mais uma vez a Durban. Pessoa passa a morar com a avó. Desiste do Curso de Letras. Em agosto a avó morre e lhe deixa uma pequena herança.

1908

Começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em escritórios comerciais.

1910

Escreve poesia e prosa em português, inglês e francês.

1912

Pessoa estréia como crítico literário, provocando polêmicas junto à intelectualidade portuguesa.

1913

Intensa produção literária. Escreve O Marinheiro.

1914

Cria os heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Escreve os poemas de O Guardador de Rebanhos e também O Livro do Desassossego.

1915

Sai em março o primeiro número de Orpheu.

1918

Pessoa publica poemas em inglês, resenhados com destaque no "Times''.

1920

Conhece Ophélia Queiroz. Sua mãe e seus irmãos voltam para Portugal. Em outubro, atravessa uma grande depressão, que o leva a pensar em internar-se numa casa de sáude. Rompe com Ophélia.

1921

Funda a editora Olisipo, onde publica poemas em inglês.

1925

Morre em Lisboa a mãe do poeta, em 17 de março.

1929

Volta a se relacionar com Ophélia

1931

Rompe novamente com Ophélia.

1934

Publica Mensagem.

1935

Em 29 de novembro, é internado com o diagnóstico de cólica hepática.  Morre no dia 30.

Poesias Eternas

Autopsicografia - Poesia Sonora!

Ascensão de Vasco da Gama

A Última Nau

Epitáfio de Bartolomeu Dias

Fernão de Magalhães

Horizonte

Mar Português

Ocidente

O Infante

O Mostrengo

Os Colombos

Prece

Padrão

 

topo


IX. ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA  

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra 
Suspendem de repente o ódio da sua guerra 
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus 
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,  
Primeiro um movimento e depois um assombro. 
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro, 
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões. 

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta 
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovôes,  
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta. 
   (Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa
topo

XI. A ÚLTIMA NAU  

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, 
E erguendo, como um nome, alto o pendão 
Do Império, 
Foi-se a última nau, ao sol azíago 
Erma, e entre choros de ânsia e de presago 
Mistério. 

Não voltou mais. A que ilha indescoberta 
Aportou? Voltará da sorte incerta 
Que teve? 
Deus guarda o corpo e a forma do futuro, 
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro 
E breve. 

Ah, quanto mais ao povo a alma falta, 
Mais a minha alma atlântica se exalta 
E entorna, 
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço, 
Vejo entre a cerração teu vulto baço 
Que torna. 

Não sei a hora, mas sei que há a hora, 
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora 
Mistério. 
Surges ao sol em mim, e a névoa finda: 
A mesma, e trazes o pendão ainda 
Do Império. 
   (Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa
topo

V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS  

Jaz aqui, na pequena praia extrema, 
O Capitão do Fim.  Dobrado o Assombro, 
O mar é o mesmo:  já ninguém o tema! 
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. 
   (Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa
topo

VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES  

No vale clareia uma fogueira. 
Uma dança sacode a terra inteira. 
E sombras desformes e descompostas 
Em clarões negros do vale vão 
Subitamente pelas encostas, 
Indo perder-se na escuridão. 

De quem é a dança que a noite aterra? 
São os Titãs, os filhos da Terra, 
Que dançam na morte do marinheiro 
Que quis cingir o materno vulto 
— Cingiu-o, dos homens, o primeiro —, 
Na praia ao longe por fim sepulto. 

Dançam, nem sabem que a alma ousada 
Do morto ainda comanda a armada, 
Pulso sem corpo ao leme a guiar 
As naus no resto do fim do espaço: 
Que até ausente soube cercar 
A terra inteira com seu abraço. 

Violou a Terra. Mas eles não 
O sabem, e dançam na solidão; 
E sombras disformes e descompostas, 
Indo perder-se nos horizontes, 
Galgam do vale pelas encostas 
Dos mudos montes. 
   (Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa
topo

II. HORIZONTE  

O mar anterior a nós, teus medos 
Tinham coral e praias e arvoredos. 
Desvendadas a noite e a cerração, 
As tormentas passadas e o mistério, 
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério 
'Splendia sobre as naus da iniciação. 

Linha severa da longínqua costa — 
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta 
Em árvores onde o Longe nada tinha; 
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: 
E, no desembarcar, há aves, flores, 
Onde era só, de longe a abstrata linha 

O sonho é ver as formas invisíveis 
Da distância imprecisa, e, com sensíveis 
Movimentos da esp'rança e da vontade, 
Buscar na linha fria do horizonte 
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte — 
Os beijos merecidos da Verdade. 
   (Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa
topo

X. MAR PORTUGUÊS  

Ó mar salgado, quanto do teu sal 
São lágrimas de Portugal! 
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, 
Quantos filhos em vão rezaram! 
Quantas noivas ficaram por casar 
Para que fosses nosso, ó mar! 

Valeu a pena? Tudo vale a pena 
Se a alma não é pequena. 
Quem quer passar além do Bojador 
Tem que passar além da dor. 
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, 
Mas nele é que espelhou o céu. 
   (Fernando Pessoa)

topo

VII. OCIDENTE  

Com duas mãos — o Ato e o Destino — 
DesvendAmos. No mesmo gesto, ao céu 
Uma ergue o fecho trêmulo e divino 
E a outra afasta o véu. 

Fosse a hora que haver ou a que havia 
A mão que ao Ocidente o véu rasgou, 
Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia 
Da mão que desvendou. 

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal 
A mão que ergueu o facho que luziu, 
Foi Deus a alma e o corpo Portugal 
Da mão que o conduziu. 
   (Fernando Pessoa)

topo

     I. O INFANTE  

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. 
Deus quis que a terra fosse toda uma, 
Que o mar unisse, já não separasse. 
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, 

E a orla branca foi de ilha em continente, 
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, 
E viu-se a terra inteira, de repente, 
Surgir, redonda, do azul profundo. 

Quem te sagrou criou-te portuguez.. 
Do mar e nós em ti nos deu sinal. 
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. 
Senhor, falta cumprir-se Portugal! 
   (Fernando Pessoa)

topo

IV. O MOSTRENGO  

 mostrengo que está no fim do mar 
Na noite de breu ergueu-se a voar; 
A roda da nau voou três vezes, 
Voou três vezes a chiar, 
E disse: «Quem é que ousou entrar 
Nas minhas cavernas que não desvendo, 
Meus tetos negros do fim do mundo?» 
E o homem do leme disse, tremendo: 
«El-Rei D. João Segundo!» 

«De quem são as velas onde me roço? 
De quem as quilhas que vejo e ouço?» 
Disse o mostrengo, e rodou três vezes, 
Três vezes rodou imundo e grosso. 
«Quem vem poder o que só eu posso, 
Que moro onde nunca ninguém me visse 
E escorro os medos do mar sem fundo?» 
E o homem do leme tremeu, e disse: 
«El-Rei D. João Segundo!» 

Três vezes do leme as mãos ergueu, 
Três vezes ao leme as reprendeu, 
E disse no fim de tremer três vezes: 
«Aqui ao leme sou mais do que eu: 
Sou um povo que quer o mar que é teu; 
E mais que o mostrengo, que me a alma teme 
E roda nas trevas do fim do mundo, 
Manda a vontade, que me ata ao leme, 
De El-Rei D. João Segundo!» 
   (Fernando Pessoa)

topo

Vl. OS COLOMBOS  

Outros haverão de ter 
O que houvermos de perder. 
Outros poderão achar 
O que, no nosso encontrar, 
Foi achado, ou não achado, 
Segundo o destino dado. 

Mas o que a eles não toca 
É a Magia que evoca 
O Longe e faz dele história. 
E por isso a sua glória 
É justa auréola dada 
Por uma luz emprestada. 
   (Fernando Pessoa)

topo

XII. PRECE  

Senhor, a noite veio e a alma é vil. 
Tanta foi a tormenta e a vontade! 
Restam-nos hoje, no silêncio hostil, 
O mar universal e a saudade. 

Mas a chama, que a vida em nós criou, 
Se ainda há vida ainda não é finda. 
O frio morto em cinzas a ocultou: 
A mão do vento pode erguê-la ainda. 

Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —  
Com que a chama do esforço se remoça, 
E outra vez conquistaremos a Distância — 
Do mar ou outra, mas que seja nossa! (Fernando Pessoa)

topo
 

III. PADRÃO  

O esforço é grande e o homem é pequeno. 
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei 
Este padrão ao pé do areal moreno 
E para diante naveguei. 
A alma é divina e a obra é imperfeita. 
Este padrão sinala ao vento e aos céus 
Que, da obra ousada, é minha a parte feita: 
O por-fazer é só com Deus. 

E ao imenso e possível oceano 
Ensinam estas Quinas, que aqui vês, 
Que o mar com fim será grego ou romano: 
O mar sem fim é português. 

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma 
E faz a febre em mim de navegar 
Só encontrará de Deus na eterna calma 
O porto sempre por achar. 
   (Fernando Pessoa)

 

 

topo

 

 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

1