A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

ANTÓNIO BOTTO

Biografia

1897-1959

Portugal Portugal

António Botto nasceu em 1897 e faleceu em 1959 no Brasil para onde se tinha exilado.

António Botto nasceu em Abrantes, em 1897, tendo vindo a falecer em 1957, no Brasil, para onde emigrara em 1947. Viveu em Lisboa e foi contemporâneo e amigo de Fernando Pessoa.

 

António Botto é, por muitos, considerado um dos mais notáveis poetas portugueses, tendo, no entanto, sido algo incompreendido no seu tempo, com algumas das suas obras a gerarem escândalos e celeumas.

 

A obra de António Botto, que lhe granjeou uma grande audiência e popularidade, estende-se pela poesia, prosa, teatro e contos infantis. Publicou a sua primeira obra poética, a colectânea Trovas, em 1917.

 

Obra:

Ficção
Os Contos de António Botto para Crianças e Adultos, 1924
Dandismo, 1932
Ciúme, 1934
 

Teatro
Flor do Mal, 1919
Motivos de Beleza, 1923
Alfama, 1933
António, 1933
Nove de Abril, 1938
Aqui Ninguém nos Ouve, 1942
 

Poesia
Trovas, 1917
Cantigas de Saudade, 1918
Cantares, 1919
Canções, 1921
Os Sonetos, 1938
As Canções de António Botto, 1941
Fátima – Poema do Mundo, 1955
Canções, 1956
 

Reportagem
O Meu Amor Pequenino, 1934
 


Motivos de Beleza, 1923
Curiosidades Estéticas, 1924
Pequenas Esculturas, 1925
Olimpíadas, 1927
Cartas que me Foram Devolvidas, 1928
Dar de Beber a quem Tem Sede, 1935
Baionetas da Morte, 1936
A Vida que Te Dei, 1938
O Livro do Povo, 1944
Ódio e Amor, 1947
Ainda não se Escreveu, 1959
 

Sítios:

Alguns poemas de António Botto
   http://www.terravista.pt/Guincho/2482/botto.html

António Botto, algumas poesias
   http://usuarios.cultura.com.br/migliari/po_ab1.htm

Biografia
   http://www.ipn.pt/literatura/botto.htm

Poemas de António Botto
   http://viriato.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/a.botto.html

Soneto de António Botto
   http://planeta.clix.pt/cmaduro/botto.html

Vida e obra
   http://www.webspace.com.br/borret/cancoesbotto.html

 

Poesias Eternas

O Campino

Cantiga

Cinco Reis de Gente

Sem título 1.

Transformação

No Tejo

 

 

 

 

 

 

 

 

Cinco Réis de Gente

 

Cinco réis de gente

Vai sempre na frente

Dos outros que vão

Cedo para a Escola;

Corpinho delgado,

O olhar mariola,

- Belos os cabelos,

Quantos caracóis!

Mas as mangas rotas

Nos dois cotovelos

São de andar no chão

Atrás dos novelos!

Nos olhos dois sóis

Que alumiam tudo!

A mãe, tecedeira,

Perdeu o marido,

Mas vive encantada

Para o seu miúdo!

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Transformação

 

É noite: na escuridão

As nuvens parecem fumo

E não deixam ver a Vénus,

Linda estrela da manhã!

Vai rebentar um chuveiro

Porque a ventania pucha

Uma grande tempestade:

Gaivotas em terra, fujo -

E fico ao pé de um guindaste;

Mas, nisto, uma divina claridade

- É o dia que rompe e a luz do Sol

Já numa tira ou faxa cor de rosa

Com misturas de azul e um verde claro

Que eu nunca tinha visto pelos céus!,

A chuva suspendeu, não houve nada

Senão a maravilha sem par

De uma linda madrugada!

Fiquei, sòzinho, a fixar

Os astrod que se abraçaram

Na luz de um silêncio quente

E em que se ouvia somente

No meu coração cheio de amor,

Mas sempre pronto para amar,

O riso inúmero das ondas

Na infinita vastidão do mar!

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No Tejo

 

Depois da faina, o navio -

Já lá vai pelo mar fora!

A faina foi dura e a carga

Foi tanta que o alcatrate

Quase que ficou rez-vez;

Tinham que olhar com cuidado

Aonde se punha os pés!

 

Mas tudo se fez e em bem!

 

O peor foi a noite perdida

Sempre a mexer e a trabalhar

Para o navio largar

Ao romper da madrugada!

Noite fria de Novembro

Em que as estrelas tristes lá no céu

Pareciam distantes e perdidas

De tudo a que elas dão amparo e guia!

 

Parecia que a noite era infinita

Que não deixava

Nascer o dia!

Ninguém dormiu. O camarada,

O arrais, o moço - e ao porão,

Uma contra-mestre aloirado,

Tipo nórdico a fumar,

Continuamente, cachimbo,

Ia dizendo a uns dois

Que arrumassem com cuidado

A carga que ia descendo...

O barulho dos guindastes

Raspava na pele impulsos

Que davam tosse e mau-estar

E como de um gigante que dormisse

Ouvia-se a respiração do mar!

 

Mas com a luz do Sol, oiro e alegria!

Passam, agora, lentos e lavados

- Só a vela de estaia vai erguida!

Os barcos com os mastros levantados

A caminho das docas onde ficam

À espera de outras sáfaras iguais!

 

Uma mulher dá de mamar ao filho

Ali sentada a um canto sobre o cais!

 

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Cantiga

 

Se os meus olhos te incomodam

Quando estou na tua frente

Desde já posso arrancá-los

Para te amar cegamente.

 

Seja o que for, não me importa,

Mas sei que não é por mim

Que os teus nervos adoecem

E andam sem governo, e assim...

Outra vida, não a minha,

Outro abraço e outro beijo

Te perturba e te desvaira

- Não mintas!, porque eu bem vejo!

Mas, continua, vai indo

Sim, vai até te cansares!,

Para ver o que tu contas

Se algum dia me voltares!

 

Não te incomodes comigo.

Nas lágrimas também há

Satisfação e conforto;

Nem tudo o que alguém nos mata

Fica perdidou ou é morto.

O coração ressuscita

Muita coisa que julgámos

Esquecida para sempre

Nas sombras da realidade;

O coração tem uma vida

Que pode tudo no mundo,

Chama-se apenas: Saudade!

 

Com ela é que eu vou vencendo

Este grande desalento

Que apaga os gritos da carne

Em falas do pensamento!

Agarro-me às sensações

Que foram o dia de ontem

- Felicidade sem névoa

Dos nossos dias felizes!

E fico a chorar de raiva

Por não ver bem a mentira

Que há nos silêncios marcados

De tudo quanto me dizes!

 

Acabou-se. E tu desculpa.

Falei, agora, e não digo

Nunca mais uma palavra

Acerca do nosso amor.

Fica por lá se quiseres

Até mudares ou seres

Numa nova reacção,

Límpida, pura, fremente,

Outra tortura presente

Na minha humilde paixão!

Outro céu, outro destino,

Ou outra condenação!

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O Campino

 

Campino do Ribatejo!

 

Figura que nasce e morre

Nos campos da beira-mar!

Tão portuguesa e tão bela

Na sua simplicidade

Que até na sua pobreza

Nunca sabe mendigar!

 

Entre cavalos e toiros

Na lezíria assoalhada

A sua figura esbelta

Tem um encanto infinito:

Barrete verde; o colete

Encarnado sobre a neve

 

Da camisa de algodão;

Jaleca bem recortada,

Meia branca, os albardões,

As esporas, o calção

Azul cobalto justinho

E a cinta escarlate quente

Da cor do sangue ou do vinho.

 

Além, naquele valado,

As papoilas e o junquilho

Fazem trofeu, há mais luz!

 

Um harmónio no fadango

Vibra e salta no compasso

Magoadamente agitado!

 

Anda no ar o farrapo

Dolente de uma cantiga

Mordida pelo ciúme!

 

E o fandango vai dançado!

 

Ninguém se mexe. Só ele,

Bamboleado, rirail

Desempenado, perfeito,

- E as pernas? Como ele as dobra?

 

E aquela curva do peito?

Trás um cravo na orelha,

E dança, dança, - o harmónio

Vai-lhe graduando o alento,

A luz perturba, - mulheres

Ficaram mudas a olhá-lo!

 

A garotada assobia

Acentuando o mitovo

Musical, mas, a preceito;

E o Sol, apesar do dia

Nascer fosco e marralheiro,

Parece lume! - O fandango

Com a graça de um campino

É Portugal verdadeiro!

 

Ódio e Amor, Edições Ática, 1947

 

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Não queiram saber quem ele é.

Deixem-no andar

No tristíssimo segredo

Que o meu coração

Tem guardado avaramente!...

 

Quem ele é? - Não perguntem.

É um sonho, uma ilusão,

- Não é ninguém! Não é gente.

 

E teimam em perguntar

Quem é que assim me domina

Com tamanha realidade?

 

Não é ninguém! É um sonho

Que anda a ficar em saudade!

 

Em Ciúme

As Canções de António Botto, Livraria Bertrand, 1956, p.147

 

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