ALEXANDRE
HERCULANO
Biografia 1810-1877 Da sua vasta obra romântica que se estendeu pela poesia, drama, romance, novela, etc. há a destacar, entre tantas outras, Eurico, o Presbítero - O Monge de Cister - Lendas e Narrativas e A Harpa do Crente.
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Poesias Eternas |
Nas horas do silêncio,
à meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os
mares rugidores,
E os abismos do inferno.
Pela amplidão dos céus
meus cantos soem
E a Lua prateada
Pare no giro seu,
enquanto pulso
Esta harpa a Deus
sagrada.
Antes de tempo haver,
quando o infinito
Media a eternidade,
E só do vácuo as solidões
enchia
De Deus a imensidade,
Ele existia, em sua essência
envolto,
E fora dele o nada:
No seio do Criador a vida
do homem
Estava ainda guardada:
Ainda então do mundo os
fundamentos
Na mente se escondiam
Do Onipotente, e os
astros fulgurantes
Nos céus não se
volviam.
Eis o Tempo, o Universo,
o Movimento
Das mãos sai do Senhor:
Surge o Sol, banha a
terra, e desabrocha
Sua primeira flor:
Sobre o invisível eixo
range o globo:
O vento o bosque ondeia:
Retumba ao longe o mar:
da vida a força
A natureza anseia!
Quem, dignamente, ó
Deus, há de louvar-te
Ou cantar teu poder?
Quem dirá de teu braço
as maravilhas,
Fonte de todo o ser,
No dia da criação;
quando os tesouros
Da neve amontoaste;
Quando da terra nos mais
fundos vales
As águas encerraste?!
E eu onde estava, quando
o Eterno os mundos,
Com destra poderosa,
Fez, por lei imutável,
se livrassem
Na mole poderosa?
Onde existia então? No
tipo imenso
Das gerações futuras;
Na mente do meu Deus.
Louvor a Ele
Na terra e nas alturas!
Oh, quanto é grande o
Rei das tempestades,
Do raio, e do trovão!
Quão grande o Deus, que
manda, em seco estio,
Da tarde a viração!
Por sua Providência
nunca, embalde,
Zumbiu mínimo inseto;
Nem volveu o elefante, em
campo estéril,
Os olhos inquieto.
Não deu ele à avezinha
o grão da espiga,
Que ao ceifador esquece;
Do norte ao urso o Sol da
primavera,
Que o reanima e aquece?
Não deu Ele à gazela
amplos desertos,
Ao cervo a amena selva,
Ao flamingo os pauis, ao
tigre o antro,
No prado ao touro a
relva?
Não mandou Ele ao mundo,
em luto e trevas,
Consolação e luz?
Acaso, em vão, algum
desventurado
Curvou-se aos pés da
cruz?
A quem não ouve Deus?
Somente ao ímpio
No dia da aflição,
Quando pesa sobre ele,
por seus crimes,
Do crime a punição.
Homem, ente imortal, que
és tu perante
A face do Senhor? És a
junça do brejo, harpa quebrada
Nas mãos do trovador!
Olha o velho pinheiro,
campeando
Entre as nuvens alpinas:
Quem irá derribar o rei
dos bosques
Do trono das colinas?
Ninguém! Mas ai do
abeto, se o seu dia
Extremo Deus mandou!
Lá correu o aquilão:
fundas raízes
Aos ares lhe assoprou.
Soberbo, sem temor, saiu
na margem
Do caudaloso Nilo,
O corpo monstruoso ao Sol
voltando,
Medonho crocodilo.
De seus dentes em volta o
susto habita;
Vê-se a morte assentada
Dentro em sua garganta,
se descerra
A boca afogueada:
Qual duro arnês de intrépido
guerreiro
É seu dorso escamoso;
Como os últimos ais de
um moribundo
Seu grito lamentoso:
Fumo e fogo respira
quando irado;
Porém, se Deus, mandou,
Qual do norte impelida a
nuvem passa,
Assim ele passou!
Teu nome ousei cantar!
— Perdoa, ó Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são
meus frouxos hinos,
Mas são hinos de amor.
Embora vis hipócritas te
pintem
Qual bárbaro tirano:
Mentem, por dominar, com
férreo cetro,
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio!
Recear-te
É maldizer-te, ó Deus;
É o trono dos déspotas
da terra
Ir colocar nos céus.
Eu, por mim, passarei
entre os abrolhos
Dos males da existência
Tranqüilo, e sem terror,
à sombra posto
Da tua Providência.
I
Salve, oh vale do sul,
saudoso e belo!
Salve, oh pátria da paz,
deserto santo,
Onde não ruge a grande
voz das turbas!
Solo sagrado a Deux,
pudesse ao mundo
O poeta fugir, cingir-se
ao ermo,
Qual ao freixo robusto a
frágil hera,
E a romagem do túmulo
cumprindo,
Só conhecer, ao
despertar na morte,
Essa vida sem mal, sem
dor, sem termo,
Que íntima voz contínuo
nos promete
No trânsito chamado o
viver do homem.
II
Suspira o vento no álamo
frondoso;
As aves soltam matutino
canto;
Late o lebréu na
encosta, e o mar sussurra
Dos alcantis na base
carcomida:
Eis o ruído do ermo! Ao
longe o negro,
Insondado oceano, e o céu
cerúleo
Se abraçam no horizonte.
Imensa imagem
Da eternidade e do
infinito, salve!
III
Oh, como surge majestosa
e bela,
Com viço da criação, a
natureza
No solitário vale! E o
leve insecto
E a relva e os matos e a
fragância pura
Das boninas da encosta
estão contando
Mil saudades de Deus, que
os há lançado,
Com mão profusa, no regaço
ameno
Da solidão, onde se
esconde o justo.
E lá campeiam no alto
das montanhas
Os escalvados píncaros,
severos,
Quais guardadores de um
lugar que é santo;
Atalaias que ao longe o
mundo observam,
Cerrando até o mar o último
abrigo
Da crença viva, da oração
piedosa,
Que se ergue a Deus de lábios
inocentes.
Sobre esta cena o sol
verte em torrentes
Da manhã o fulgor; a
brisa esvai-se
Pelos rosmaninhais, e
inclina os topos
Do Zimbro e alecrineiro,
ao rés sentados
De tronos de fragas
sobrepostas,
Que alpestres matas de
medronhos vestem;
O rocio da noite à
branca rosa
No seio derramou frescor
suave,
E inda existência lhe
dará um dia.
Formoso ermo do sul,
outra vez, salve!
IV
Negro, estéril rochedos,
que contrastas,
Na nudez tua, o plácido
sussuro
Das árvores do vale, que
vicejam
Ricas d'encantos, coa
estação propícia;
Suavíssimo aroma, que
manando
Das variegadas flores,
derramadas
Na sinuosa encosta da
montanha,
Do altar da solidão
subindo aos ares,
É digno incenso ao
Criador erguido;
Livres aves, vós filhas
da espessura,
Que só teceis da
natureza os hinos,
O que crê, o cantor, que
foi lançado,
Estranho ao mundo, no bulício
dele,
Vem saudar-vos, sentir um
gozo puro,
Dos homens esquecer paixões
e opróbio,
E ver, sem ver-lhe a luz
prestar a crimes,
O sol, e uma só vez pura
saudar-lha.
Convosco eu sou maior;
mais longe a mente
Pelos seios dos céus se
imerge livre,
E se desprende de mortais
memórias
Na solidão solene, onde,
incessante,
Em cada pedra, em cada
flor se escuta
Dp Sempiterno a voz, e vê-se
impressa
A dextra sua em
multiforme quadro.
V
Escalvado penedo, que
repousas
Lá no cimo do monte,
ameaçando
Ruína ao roble secular
da encosta,
Que sonolento move a coma
estiva
Ante a aragem do mar,
foste formoso;
Já te cobriram cespedes
virentes;
Mas o tempo voou, e nele
envolta
A formusura tua.
Despedidos
Das negras nuvens o
chuveiro espesso
E o granizo, que o solo
fustigando
Tritura a tenra
lanceolada relva.
Durante largos séculos,
no inverno,
Dos vendavais no dorso a
ti desceram,
Qual amplexo brutal de
ardor grosseiro,
Que, maculando virginal
pureza,
De pudor varre a auréola
celeste,
E deixa, em vez de um
serafim na terra,
Queimada flor que devorou
o raio.
VIII
Ontem sentado num
penhasco, e perto
Das águas, então
quedas, do oceano,
Eu também o louvei sem
ser um justo:
E meditei, e amante
extasiada
Deixei correr pela amplidão
das ondas.
Como abraço materno era
suave
A aragem fresca do cair
das trevas,
Enquanto, envolta em glória,
a clara lua
Sumia em seu fulgor milhões
d'estrelas.
Tudo caldo estava: o mar
somente
As harmonias da criação
soltava,
Em seu rugido; e o
ulmeiro do deserto
Se agitava, gemendo e
murmurando
Ante o sopro de oeste:
ali dos olhos
O pranto me ocorreu, sem
que o sentisse,
E aos pés de Deus se
derramou minha alma.
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