A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

ALEXANDRE HERCULANO

Biografia

1810-1877

Portugal Portugal

Da sua vasta obra romântica que se estendeu pela poesia, drama, romance, novela, etc. há a destacar, entre tantas outras, Eurico, o Presbítero - O Monge de Cister - Lendas e Narrativas e A Harpa do Crente.

Alexandre Herculano, de seu nome completo Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, nasceu em Lisboa, em 1810 e faleceu em 1877.

Devido a dificuldades económicas não pode iniciar os seus estudos universitários tendo, no entanto, estudado várias línguas e frequentado a Aula do Comércio.

Opositor do Absolutismo Miguelista, Alexandre Herculano abandonou o país em 1831, tendo vivido em Inglaterra e em França. Voltou mais tarde integrado no contingente militar do Mindelo.

Após a queda do Miguelismo continuou-se a dedicar à política, à investigação, à poesia e à ficção histórica.

Alexandre Herculano foi deputado, romancista, crítico, polemista, poeta, investigador e historiador, tendo revelado grande rigor e seriedade na recolha, análise e publicação de manuscritos históricos que perduraram até aos dias de hoje.

Colaborou com produções suas em várias publicações literárias e dirigiu outras. Foi, ainda, fundador dos jornais O País e O Português. Organizou a biblioteca pública do Porto e em 1839 foi nomeado director da Real Biblioteca da Ajuda, por D. Fernando II.

Aquando da publicação da História de Portugal, em 1846, viu-se envolvido em polémicas com o clero. A sua obra enquadra-se plenamente no movimento do romantismo, sendo considerado, por muitos, como a personalidade mais completa do primeiro romantismo português. Foi o introdutor do romance histórico em Portugal de que são exemplo Eurico, o Presbítero e o Monge de Cister.

 

Obra:

Ficção
Eurico, o Presbítero , 1844
História de Portugal (1º volume), 1846
O Monge de Cister , 1848
Lendas e Narrativas , 1851
O Bobo, 1878
 

Poesia
A Voz do Profeta , 1836
A Harpa do Crente , 1838
Poesias, 1850
 


Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e Forais, 1844
História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal , 1859
Estudos sobre o Casamento Civil, 1866
Opúsculos, 1872
Cartas Inéditas, 1944
Cartas de Alexandre Herculano ao Duque de Palmela, 1952
Herculano Inédito, 1953
 

 


Poesias Eternas

Arrábida

Deus

 

 

 

 

Deus

 

Nas horas do silêncio, à meia-noite,

Eu louvarei o Eterno!

Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,

E os abismos do inferno.

Pela amplidão dos céus meus cantos soem

E a Lua prateada

Pare no giro seu, enquanto pulso

Esta harpa a Deus sagrada.

 

 

 

Antes de tempo haver, quando o infinito

Media a eternidade,

E só do vácuo as solidões enchia

De Deus a imensidade,

Ele existia, em sua essência envolto,

E fora dele o nada:

No seio do Criador a vida do homem

Estava ainda guardada:

Ainda então do mundo os fundamentos

Na mente se escondiam

Do Onipotente, e os astros fulgurantes

Nos céus não se volviam.

 

 

 

Eis o Tempo, o Universo, o Movimento

Das mãos sai do Senhor:

Surge o Sol, banha a terra, e desabrocha

Sua primeira flor:

Sobre o invisível eixo range o globo:

O vento o bosque ondeia:

Retumba ao longe o mar: da vida a força

A natureza anseia!

 

 

 

 

Quem, dignamente, ó Deus, há de louvar-te

Ou cantar teu poder?

Quem dirá de teu braço as maravilhas,

Fonte de todo o ser,

No dia da criação; quando os tesouros

Da neve amontoaste;

Quando da terra nos mais fundos vales

As águas encerraste?!

E eu onde estava, quando o Eterno os mundos,

Com destra poderosa,

Fez, por lei imutável, se livrassem

Na mole poderosa?

Onde existia então? No tipo imenso

Das gerações futuras;

Na mente do meu Deus. Louvor a Ele

Na terra e nas alturas!

Oh, quanto é grande o Rei das tempestades,

Do raio, e do trovão!

Quão grande o Deus, que manda, em seco estio,

Da tarde a viração!

Por sua Providência nunca, embalde,

Zumbiu mínimo inseto;

Nem volveu o elefante, em campo estéril,

Os olhos inquieto.

Não deu ele à avezinha o grão da espiga,

Que ao ceifador esquece;

Do norte ao urso o Sol da primavera,

Que o reanima e aquece?

Não deu Ele à gazela amplos desertos,

Ao cervo a amena selva,

Ao flamingo os pauis, ao tigre o antro,

No prado ao touro a relva?

Não mandou Ele ao mundo, em luto e trevas,

Consolação e luz?

Acaso, em vão, algum desventurado

Curvou-se aos pés da cruz?

A quem não ouve Deus? Somente ao ímpio

No dia da aflição,

Quando pesa sobre ele, por seus crimes,

Do crime a punição.

 

 

 

Homem, ente imortal, que és tu perante

A face do Senhor? És a junça do brejo, harpa quebrada

Nas mãos do trovador!

Olha o velho pinheiro, campeando

Entre as nuvens alpinas:

Quem irá derribar o rei dos bosques

Do trono das colinas?

 

                                                          

 

Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia

Extremo Deus mandou!

Lá correu o aquilão: fundas raízes

Aos ares lhe assoprou.

Soberbo, sem temor, saiu na margem

Do caudaloso Nilo,

O corpo monstruoso ao Sol voltando,

Medonho crocodilo.

De seus dentes em volta o susto habita;

Vê-se a morte assentada

Dentro em sua garganta, se descerra

A boca afogueada:

Qual duro arnês de intrépido guerreiro

 

                                                          

 

É seu dorso escamoso;

Como os últimos ais de um moribundo

Seu grito lamentoso:

Fumo e fogo respira quando irado;

Porém, se Deus, mandou,

Qual do norte impelida a nuvem passa,

Assim ele passou!

 

                                                          

 

Teu nome ousei cantar! — Perdoa, ó Nume;

Perdoa ao teu cantor!

Dignos de ti não são meus frouxos hinos,

Mas são hinos de amor.

Embora vis hipócritas te pintem

Qual bárbaro tirano:

Mentem, por dominar, com férreo cetro,

O vulgo cego e insano.

Quem os crê é um ímpio! Recear-te

É maldizer-te, ó Deus;

É o trono dos déspotas da terra

Ir colocar nos céus.

Eu, por mim, passarei entre os abrolhos

Dos males da existência

Tranqüilo, e sem terror, à sombra posto

Da tua Providência.

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Arrábida

 

I

 

Salve, oh vale do sul, saudoso e belo!

Salve, oh pátria da paz, deserto santo,

Onde não ruge a grande voz das turbas!

Solo sagrado a Deux, pudesse ao mundo

O poeta fugir, cingir-se ao ermo,

Qual ao freixo robusto a frágil hera,

E a romagem do túmulo cumprindo,

Só conhecer, ao despertar na morte,

Essa vida sem mal, sem dor, sem termo,

Que íntima voz contínuo nos promete

No trânsito chamado o viver do homem.

 

 

 

II

 

Suspira o vento no álamo frondoso;

As aves soltam matutino canto;

Late o lebréu na encosta, e o mar sussurra

Dos alcantis na base carcomida:

Eis o ruído do ermo! Ao longe o negro,

Insondado oceano, e o céu cerúleo

Se abraçam no horizonte. Imensa imagem

Da eternidade e do infinito, salve!

 

 

III

 

Oh, como surge majestosa e bela,

Com viço da criação, a natureza

No solitário vale! E o leve insecto

E a relva e os matos e a fragância pura

Das boninas da encosta estão contando

Mil saudades de Deus, que os há lançado,

Com mão profusa, no regaço ameno

Da solidão, onde se esconde o justo.

 

E lá campeiam no alto das montanhas

Os escalvados píncaros, severos,

Quais guardadores de um lugar que é santo;

Atalaias que ao longe o mundo observam,

Cerrando até o mar o último abrigo

Da crença viva, da oração piedosa,

Que se ergue a Deus de lábios inocentes.

 

Sobre esta cena o sol verte em torrentes

Da manhã o fulgor; a brisa esvai-se

Pelos rosmaninhais, e inclina os topos

Do Zimbro e alecrineiro, ao rés sentados

De tronos de fragas sobrepostas,

Que alpestres matas de medronhos vestem;

O rocio da noite à branca rosa

No seio derramou frescor suave,

E inda existência lhe dará um dia.

 

Formoso ermo do sul, outra vez, salve!

 

 

IV

 

Negro, estéril rochedos, que contrastas,

Na nudez tua, o plácido sussuro

Das árvores do vale, que vicejam

Ricas d'encantos, coa estação propícia;

Suavíssimo aroma, que manando

Das variegadas flores, derramadas

Na sinuosa encosta da montanha,

Do altar da solidão subindo aos ares,

É digno incenso ao Criador erguido;

Livres aves, vós filhas da espessura,

Que só teceis da natureza os hinos,

O que crê, o cantor, que foi lançado,

Estranho ao mundo, no bulício dele,

Vem saudar-vos, sentir um gozo puro,

Dos homens esquecer paixões e opróbio,

E ver, sem ver-lhe a luz prestar a crimes,

O sol, e uma só vez pura saudar-lha.

 

Convosco eu sou maior; mais longe a mente

Pelos seios dos céus se imerge livre,

E se desprende de mortais memórias

Na solidão solene, onde, incessante,

Em cada pedra, em cada flor se escuta

Dp Sempiterno a voz, e vê-se impressa

A dextra sua em multiforme quadro.

 

 

V

 

Escalvado penedo, que repousas

Lá no cimo do monte, ameaçando

Ruína ao roble secular da encosta,

Que sonolento move a coma estiva

Ante a aragem do mar, foste formoso;

Já te cobriram cespedes virentes;

Mas o tempo voou, e nele envolta

A formusura tua. Despedidos

Das negras nuvens o chuveiro espesso

E o granizo, que o solo fustigando

Tritura a tenra lanceolada relva.

 

Durante largos séculos, no inverno,

Dos vendavais no dorso a ti desceram,

Qual amplexo brutal de ardor grosseiro,

Que, maculando virginal pureza,

De pudor varre a auréola celeste,

E deixa, em vez de um serafim na terra,

Queimada flor que devorou o raio.

 

 

VIII

 

Ontem sentado num penhasco, e perto

Das águas, então quedas, do oceano,

Eu também o louvei sem ser um justo:

E meditei, e amante extasiada

Deixei correr pela amplidão das ondas.

 

Como abraço materno era suave

A aragem fresca do cair das trevas,

Enquanto, envolta em glória, a clara lua

Sumia em seu fulgor milhões d'estrelas.

 

Tudo caldo estava: o mar somente

As harmonias da criação soltava,

Em seu rugido; e o ulmeiro do deserto

Se agitava, gemendo e murmurando

Ante o sopro de oeste: ali dos olhos

O pranto me ocorreu, sem que o sentisse,

E aos pés de Deus se derramou minha alma.

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