RUI KNOPFLI
Biografia
Rui Knopfli deixou a sua marca na
escrita em língua portuguesa, e na vida literária moçambicana.
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Poesias Eternas
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AEROPORTO
É o fatídico mês de Março, estou
no piso superior a contemplar o vazio.
Kok Nam, o fotógrafo, baixa a Nikon
e olha-me, obliquamente, nos olhos:
Não voltas mais? Digo-lhe só que não.
Não voltarei, mas ficarei sempre,
algures em pequenos sinais ilegíveis,
a salvo de todas as futurologias indiscretas,
preservado apenas na exclusividade da memória
privada. Não quero lembrar-me de nada,
só me importa esquecer e esquecer
o impossível de esquecer. Nunca
se esquece, tudo se lembra ocultamente.
Desmantela-se a estátua do Almirante,
peça a peça, o quilómetro cem durando
orgulhoso no cimo da palmeira esquiva.
Desmembrado, o Almirante dorme no museu,
o sono do bronze na morte obscura das estátuas
inúteis. Desmantelado, eu sobreviverei
apenas no preca'rio registo das palavras.
"Mangas verdes com sal
Mangas verdes com sal
sabor longínquo, sabor acre
da infância a canivete repartida
no largo semicírculo da amizade.
Sabor lento, alegria reconstituída
no instante desprevenido,
na maré-baixa,
no minuto da suprema humilhação.
Sabor insinuante que retorna devagar
ao palato amargo,
à boca ardida,
à crista do tempo,
ao meio da vida."
MIRADOURO
Entre a rampa e o caracol da barreira,
o picadeiro ideal para o exibicionismo
laurentino, ao fim da tarde, passeio raso,
sobranceiro à baía e à Catembe.
Enquanto a malta ia e vinha, até ser Marrocos.
Pavoneavam-se as meninas e nós,
idem, flexionando peito e músculo,
miradas discretas em redor. Rotina
diária, sempre cumprida sem atropelos.
Mesmo com a ruidosa chegada do Cagalhim,
a cavalo na sua desconjuntada carrinha Ford,
a tossir e a resfolegar, cansada das correrias
da véspera. Presumido herói, o Cagalhim
era só o bobo daquela festa. Caçador furtivo
e nocturno, sua maior aventura -
rezava a lenda - fora a de ter enfrentado,
sob o holofote, um cocone que, falhado o tiro,
o terá colhido, arrancando-lhe da cara os óculos.
De borco, espezinhado, dizem que o Cagalhim,
faca em punho, o teria capado. Pior ainda,
que vexado, o boi-cavalo, envergando os óculos
do caçarreta, até hoje percorre os matos
em busca dos testículos perdidos. Entretanto,
no Miradouro, para gáudio do pessoal,
o Cagalhim exibe, com alarido, os que não tem.
"Naturalidade
Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.
Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum
pensamento europeu.
É provaável... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.
Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando."
Rui Knopfli escreveu no seu livro "O país dos outros", 1959
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.