LUÍS
CARLOS PATRAQUIM
Biografia
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Poesias Eternas |
A D. QUIXOTE, SEU SENHOR
Para António Assunção
"La existencia es
una letra"
Ibn' Arabî
"Teimoso é ele pois
que não vê
e vai de lanço e cu alçado
a espadeirar um tuboso
vento.
O coiro tenho já
enregelado,
ó meu senhor do tempo,
em trocada hora achado.
"Se a uns moinhos não
viu
senão desvairados
cavaleiros,
como se em um palco os
lesse
imagem de livros
desordeiros
e lhes brandisse e afoito
desse
o que se não dá a
bandoleiros,
"pois que de roubo e
sonho
se nos vai a vida
esvaindo
em real compasso de
sextelhos,
mais que de sextinas se
vindo
ou heróicas crinas e
pentelhos
afagando-se-nos e mui
rindo
"da letra etérea
indescoberta,
eis que me assomo e alto
digo
este arrazoado de surdas
penas,
a seu mando fazendo-me
amigo
da noite sem tecto nem
empenas
e do caminho que se esvai
comigo."
Tal falei eu, temeroso,
subindo
ao pano rude onde me
embrulho,
já de borco rocinando as
tábuas;
ferido era Ele sobre as
fráguas,
ora só cenário e
lamentoso entulho
de seco golpe e rumorosas
águas.
(Publicado no "GrandAmadora" de 29/10/1998)
Mpurukuma, Língua, corpo
quase,
o que sou de sobrepostas
vozes,
Bayete!
E tu, pássaro da alma,
Mpipi adejando
sobre o losango
tumultuante de cores,
Templo onde me cerco,
não me abandones, cão
inflando para o rio
uma escarninha balada que
nos enforca.
Esfumou-se a Torre na
praia nocturna,
a preposição que
olfactava o nervo
e Ele dorme ainda e
expulso.
Quando a palavra surge,
inteira, das águas
e os espíritos batem a
respiração do batuque,
Ele tacteia os nomes nas
abóbadas de sangue
e entra pelo silêncio,
dobrando-se
em número.
Leva-o nas tuas asas, ó
sombra
que as patas de cinza
espargiram no vento,
soluço de Leanor
em saínhos sete de
capulanas mil,
Ilha mineral, Mpipi
hílare no azul
onde me cego.
Que sinais sobre que mar
do exílio ou
som de algas lavando-te o
rosto, se inscreveram
em ti, mulher larga no Índico,
língua por dentro dos lábios
cavando, obscuro,
um reino por achar?
Língua, Mpurukuma quase.
02/05/1997
Vocabulário:
Mpurukuma: conceito de
oralidade em língua makua.
Bayete: saudação.
Mpipi: pássaro.
METAMORFOSE
ao poeta José
Craveirinha
quando o medo puxava lustro à cidade
eu era pequeno
vê lá que nem casaco tinha
nem sentimento do mundo grave
ou lido Carlos Drummond de Andrade
os jacarandás explodiam na alegria secreta
de serem vagens e flores vermelhas
e nem lustro de cera havia
para que o soubesse
na madeira da infância
sobre a casa
a Mãe não era ainda mulher
e depois ficou Mãe
e a mulher é que é a vagem e a terra
então percebi a cor
e a metáfora
mas agora morto Adamastor
tu viste-lhe o escorbuto e cantaste a madrugada
das mambas cuspideiras nos trilhos do mato
falemos dos casacos e do medo
tamborilando o som e a fala sobre as planícies verdes
e as espigas de bronze
as rótulas já não tremulam não
e a sete de Março chama-se Junho desde um dia de há muito
com meia dúzia de satanhocos moçambicanos
todos poetas gizando a natureza e o chão no parnaso das balas
falemos da madrugada e ao entardecer
porque a monção chegou
e o último insone povoa a noite de pensamentos grávidos
num silêncio de rãs a tisana do desejo
enquanto os tocadores de viola
com que latas de rícino e amendoim
percutem outros tendões de memória
e concreta
a música é o brinquedo
a roda
e o sonho
das crianças que olham os casacos
e riem
na despudorada inocência deste clarão matinal
que tu
clandestinamente plantaste
Aos Gritos
(in "Monção", Maputo/Lisboa, 1981)
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