A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

LEITE DE VASCONCELOS

Biografia

 

1944-1997

Moçambique Moçambique

Teodomiro Alberto Azevedo LEITE DE VASCONCELOS nasceu a 4 de Agosto de 1944. Faleceu no dia 29 de Janeiro de 1997, vítima de prolongada doença.

 

Poesias Eternas

Canto Do Verbo Em Busca Da Forma

Declaração

Ladainha

 

 

 

 

 

 

 

Canto do Verbo em Busca da Forma

Eu presido a todos os enganos

os do céu os da terra há tantos anos

que nem o tempo os lembra Antes do mar

fui voo Antes do sal fui mar

e sede antes da água fresca Antes do verso

eu fui a poesia Eu sou antes de Deus e do universo

Estando antes eu nunca fui ontem

e sendo a tudo preso nunca fui refém

nem de mim mesmo porque a minha fome

na~o tem distância horizonte não tem nome

Sempre que me contam sou inumerável

sempre que me caçam sou invulnerável

Eu nunca estou no pé e nunca estou no passo

a minha dimensão é outra sou o compasso

cósmico a que palpitam todas as galáxias

e a que se geram flores nos ramos das acácias

Não fui planeado nem projecto Não sou vontade

Nas letras de prisão lêem-me liberdade

não a minha a tua a deles ou a de todos

Eu sou a liberdade do desejo Do desejo dos lodos

e das aves dos rios dos homens e mulheres

de todo o espaço de todas as coisas de todos os seres

Por isso eu presido a todos os enganos

os do céu os da terra há tantos anos

que nem o tempo os lembra Sou a razão

de todas as derrotas o coração

da mágoa as mãos do desespero

Eu sempre estou e permaneço e espero

desde o caos e canto o refazer do desejo

na sua liberdade como lábios no beijo

Em mim tudo recomeça

grão a grão ponto a ponto peça a peça

mão a mão sol a sol segundo a segundo

porque comigo recomeça o mundo

até que tudo seja o que não vejo

até que o mundo seja o do desejo

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Declaração

 

Eu, abaixo assinado, embalsamador de profissão,

declaro por minha honra

que deste corpo extraí o que pulsava

e fazia cumprir suas funções

quando funcionava.

Mais declaro que nele não encontrei

outro elemento além dos ditos e descritos

nos comuns manuais de anatomia.

Ausentes dele qualquer abstracção,

sintomas de tristeza, desagrado,

sinais de medo ou discordância

em relação à hora da paragem.

Por minha fé ainda certifico

a apropriada condição estéril

do que remanesceu e expeço via aérea

com garantia firme

de ser reconhecido por quem o conheceu

quando o corpo era inteiro e se reconhecia.

 

Ladainha

        Pela noite pela rua
        passamos gatos e cães
        somos as lendas raivosas
        do sangue das nossas mães

        Pela noite pela rua
        somos cavernas e vento
        temos a boca cansada
        do asfalto e do cimento

        Pela noite pela rua
        somos navalhas abertas
        já fomos estátuas mas
        tivemos canções e festas

        Pela noite pela rua
        vendemos a mocidade
        somos canções esquecidas
        parasitas da saudade

        Pela noite pela rua
        de braço em braço tocado
        tecemos o nosso tempo
        levamos a morte ao lado

        Pela noite pela rua
        já nem somos o pecado
        perdoou-nos o silêncio
        deste seio amarrotado."

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