A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

Biografia

 

Poesias Eternas

"Eu em 1951..."

O Jovem Mágico

Rua do Ouro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 "Eu em 1951..."

 

"Vivem em harmonia as gaivotas e as taménidas... As

gaivotas brancas e as taménidas lançam um piar horrível..."

Carlos Wallenstein - A Carta e o Mundo

 

 

Eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata (valiosa)

num café da baixa por ser incapaz coitados deles

de escrever os meus versos sem realizar de facto

neles, e à volta sua, a minha própria unidade

- fumar, quere-se dizer.

 

Esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava

ver num livro de versos. Pois é verdade. Denota

a minha essencial falta de higiene (não de tabaco)

e uma ausência de escrúpulo (não de dinheiro) notável.

 

O Armando, que escreve à minha frente

o seu dele poema, fuma também,

Fumamos como perdidos escrevemos perdidamente

e nenhuma posição no mundo (me parece) á mais alta

mais espantosa e violenta incompatível e reconfortável

do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros

(excepto coisas como vergonha, naturalmente,

e mortalhas).

 

(Que se saiba) é esta a primeira vez

que um poeta escreve tão baixo (ao nível das priscas dos outros)

Aqui, e em parte mais nenhuma, é que cintila o tal condicionalismo

de que há tanto se fala e se dispõe

discretamente (como quem as apanha).

Sirva tudo de lição aos presentes e futuros

nas taménidas (várias) da poesia local

- Antes andar por aí relativamente farto

antes para tabaco que para Cesariny

(Mário) de Vasconcelos.

 

Discurso sobre a Reabilitação

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O Jovem Mágico

 

O jovem mágico das mãos de ouro

que a remar não se cansa muito

e olha muito depressa (como se fosse de moto)

veio hoje ficar a minha casa

 

Vivia longe já se sabia

tão longe que era absurdo querer determinar

Metade campo metade luz

aí era a sua casa o sítio onde era longe

 

mesmo de olhos fechados (como ele estava)

e de braços cruzados (como parecia dormir)

o jovem mágico das mãos de ouro

que era todo de empréstimo à minha noite

 

que falou por acaso que nem se chamava assim

(segundo também contou) tinha vivido há muito

ele, que estava ali, era um falsário

um fugido de outro basta ver os meus olhos

 

nada sabemos de nós a não ser que chegámos

sem uma luz a esconder-nos o rosto

belos e apavorados de estranhos casacos vestidos

altos de meter medo às aves de longo curso

 

nem há noites assim não há encontros

ao longo das enseadas

não há corpos de amantes não há luzeiros de astros

sob tanto silêncio tão duradouro treva

 

 

e não me fales nunca eu sou surdo eu não te oiço

eu vou nascer feliz numa cidade futura

eu sei atravessar as fronteiras das coisas

olha para as minhas mãos que te pareço agora?

 

No entanto surgiu como simples criança

conseguia sorrir sentar-se verter águas

com as mãos na cintura livre natural

ele que era um fantasma um fugido de outro

 

um que nem mesmo se chamava assim

o jovem mágico das mãos de ouro

desaparecido nu de todos os sítios da Terra

 

Pena Capital

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Rua do Ouro

 

Ai dele que tanto lutou e afinal

está tão só. Tão sòzinho. Chora.

Direcção da Companhia Tantos de Tal.

Cincoenta e três anos. Chove, lá fora.

 

 

Chora, porquê? Ora, chora.

Uma crise de nervos, coisa passageira.

É, talvez, pela mulher que o adora?

(A êle ou à carteira?)

 

 

Seis horas. Foi-se o pessoal.

O homem que venceu está sòzinho.

Mas reage:que diabo. Afinal... 

E olha para o cofre cheínho.

 

 

Sim estou só ainda bem porque não? ele diz

batengo com os punhos na mesa.

Lutei e venci. Sou feliz

E bate com os punhos na mesa.

 

 

Seis e meia. Ó neurastenia

o homem que venceu está de borco

e sente uma grande agonia

que afinal é da carne de porco

que comeu no outro dia.

 

 

É da carne de porco ele diz

vendo a chuva que cai num saguão.

É da carne de porco. Sou feliz.

E ampara a cabeça com as mãos.

 

 

Durante toda a vida explorou o semelhante.

Por causa dele arruinaram-se uns cem.

Agora, tem medo. E o farsante

diz que é feliz diz que está muito bem.

 

 

Sim, reage. Que diabo. Terei medo?

E vê as horas no relógio vizinho.

Mas, ai, não é tarde nem cedo.

Ele, que venceu, está sòzinho.

 

 

Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros

Os outros, os que o queriam vencer!

Arruinou-os, matou-os aos poucos.

Então não o queriam lá ver?

 

 

Sim, reage: Esta noite a Leonor

amanhã de manhã o Sàlemos

e depois? Ah o novo motor

veremos veremos veremos

 

 

Mas pouco do que diz tem sentido.

Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho.

O homem que venceu está vencido.

O dinheiro tapou-lhe o caminho.

 

 

Os filhos? esperam que êle morra.

A mulher? espera que êle morra.

O sóciuo? Pede a Deus que êle morra!

Só a Anita não quer que êle morra!

 

 

Ai, maldita carne, murmura

vendo a água que há no saguão.

Tinha demasiada gordura!

E veste o casaco e o gabão.

 

 

Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se.

Vai sair. Talvez vá jantar?

É inverno. Lá fora, faz frio.

 

 

O homem que venceu matou-se

na margem mais escura do rio

ao volante dum belo Packard

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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