A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

MANUEL LARANJEIRA

Biografia

1877-1912

 

Manuel Laranjeira, médico, nasceu em 1877 e faleceu em 1912.

 

Poesias Eternas

 

À Tarde

Vendo a Morte

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

À Tarde

 

A tarde lenta cai. E cai também

Uma melancolia venenosa,

Meu Deus! que se não sabe de onde vem...

 

E vem como uma sombra vagarosa

Que chovesse dum céu crepuscular...

Vem subindo da terra delorosa

Como um grande dilúvio de pesar,

Como um olhar de dor silenciosa

Que tentasse subir para as estrelas

E ficasse disperso pelo ar...

 

E vem do fundo de alma... Perscrutasse

A gente o coração pr'a sentir bem

Que é lá no fundo de alma que a dor nasce

E é de lá sobretudo que ela vem...

 

De lá! De lá do fundo! Bem do fundo

De nós mesmos... E, lenta, vem subindo

Aos olhos que a reflectem, reflectindo

Na nossa dor a dor de todo o mundo!

 

Dolorosamente

A tarde exausta morre de cansaço

E parece que sofre a natureza...

Anda uma luz de cinza pelo espaço

E lentamente

Envolve as coisas todas de tristeza...

 

E a tarde cai nos olhos e entristece-os...

 

E toda a melancolia,

De lá do fundo de alma aonde está,

~Vem-nos subindo aos olhos e escurece-os...

 

Os olhos escurecem e dir-se-ia

Que é de lá

Que a tristeza das coisas irradia...

 

A tristeza das coisas... Afinal,

Ó tristeza das coisas, tu existes

Dentro de nós, em nossas almas tristes

Como um eco da dor universal!

 

Ó silêncio das coisas, é ouvindo

O próprio coração que te escutamos!

E as lágrimas das coisas vão caindo

... E somos nós que as choramos!

 

Sim, nós!... Quem sofre e chora, somos nós!

Um choro de cobardes e vencidos,

Nessa hora de sombra em que, transidos,

Olhamos em redor... e estamos sós!

 

Sós! Todos sós! Ó almas solitárias,

Vede a tristeza da tarde!

É vendo-a que a noss'alma desolada

Se sente mais sòzinha, abandonada,

E o nosso coração é mais cobarde...

 

É vendo a claridade agonizar,

Como um olhar voluptuoso e triste,

Que sentimos subir-nos surdamente

Aos olhos o desejo de chorar

Baixinho, docemente,

Sobre o peito de alguém... que não existe!

 

E, quando sobre o mar

Cai a noite do céu pesadamente,

A gente, sem querer... põe-se a chorar!

 

 

COMIGO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 113

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Vendo a Morte

 

Em tudo vejo a morte! E, assim, ao ver

Que a vida já vem morta cruelmente

Logo ao surgir, começo a compreender

Como a vida se vive inùtilmente...

 

Debalde (como um náufrago que sente,

Vendo a morte, mais fúria de viver)

Estendo os olhos mais àvidamente

E as mãos p'ra a vida... e ponho-me a morrer.

 

A morte! sempre a morte! em tudo a vejo,

Tudo ma lembra! E invade-me o desejo

De viver toda a vida que perdi...

 

E não me assusta a morte! Só me assusta

Ter tido tanta fé na vida injusta

... E não saber sequer p'ra que a vivi!

 

 

COMIGO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 114

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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