LUÍS AMARO
Biografia
|
Poesias Eternas
|
Alguém que se ignora
Passeia a sua mágoa
Lá pela noite fora.
Já sem saber se existe,
Entre silêncio e treva,
Nem alegre nem triste,
Alguém que a própria sorte
Enjeita, vai absorto
Num sonho que é a morte
E é vida - sendo morto.
Dádiva
Ainda refulge a chama
que perturbou um dia meus sentidos?
Não se apaga jamais
a luz de certo olhar que em segredo amei?
Chora, em meu coração,
a nostalgia do bem com que sonhei?
Da noite, abismo imenso,
oiço indistinta voz chamar por mim?
O que me falta e inquieta
serás tu, de quem não sei o nome?
Ou todo o sonho erguido é cinza ao vento,
estrela fria, cada vez mais longe
do puro silêncio em que se esvai a vida?
In Diário de Notícias
9-2-56
(memorando
Manuel Ribeiro de Pavia)
Não reveleis o sonho. A luz do dia
Fere de mais a alma; e, oculta,
A face esquece a sua chaga rubra.
A dor, amordaçando, purifica:
Que ela te dê, no sangue, o novo alento
Para outros voos de que sairás vencido
(Mas entretanto vives...) E procura
Haurir na solidão a graça, o
prémio
Daquele instante puro, essencial
A que não chega o vão rumor do tempo
Desfigurado e vil. E, já liberto,
Conhecerás tua verdade inteira
Ouvindo alguém, sem corpo nem memória,
Segredar-te as palavras invisíveis
De que é tecida a Noite - tua esperança!
In Diário de Notícias
30-7-57
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.