JOSÉ
FERNANDES FAFE
Biografia
|
Poesias Eternas Testamento, Entre os Pinheiros e o Mar
|
A Eugénio de Andrade Agradecendo
"Até Amanhã"
Lembras-te da primeira
vigília que fizeste,
à espera, trémulo, da
madrugrada nova?
Deu o meio-dia, tilintava
o oiro,
e anoiteceu-nos como se a
nossa amada
fosse a descer à cova.
Depois,
tu esperaste sempre a
madrugada,
mas sempre a noite paria
nados-mortos,
sempre a esperança
espancada cada dia:
frágil, de luz e de
cristal, a tua fé
embaciou-se de
melancolia...
Mas tu esperas ainda
- porque os teus versos
ainda são
os do rapaz maravilhado
pela afogueada cor duma
romã.
E vem dele a saúde a
quem se cruza
contigo, no branco
litoral:
"Até amanhã".
In o Comércio do Porto, 12-2-57
Testamento, Entre os Pinheiros e o Mar
Se eu morrer primeiro do
que tu,
salva a ternura que
salvei.
Depois, se te doer, firma
o olhar
nas ondas mais longínquas
do mar largo,
destrói a dor nas lágrimas,
e o vento
que te escoace a saia e o
cabelo,
pinheiro firme, cego dos
sentidos,
entre as flores
silvestres e a espuma...
E o indício de tudo ter
passado
(eu, um tempo feliz que
se recorda)
é sentires o longo, íntimo
afago
do marulho do mar, mãos
pelos cabelos...
O ANJO TUTELAR
De que é feito esse
amor?, perguntam-me e não sei...
Da matéria da noite mais
impávida,
onde as estrelas
inscrevem uma lei...
Da estrada longa e da
cegueira ávida
com que quiseste povoar
de amor os ermos...
Longe, os cães das
quintas ladravam-te com raiva...
(Vejo o teu gesto, um
franciscano aceno,
vejo a minha mão
crispar-se, dolorida,
vejo unir-nos num abraço
o desespero...)
Das trevas, do linho
negro em que tecemos
a manta na noite dos
pobres estendida...
(Senhora, acamaradando-se
dói menos...)
Das mãos dadas, pelo
sono dos casais, pela Vida,
pela emboscada - onde caíste
de cansaço
e me rasgaram a rubra e
funda ferida
donde manam - o baço
tempo, o alaranjado lume
e a inexorável frialdade
de aço
que um anjo tutelar em si
reúne.
O ANJO TUTELAR
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.