A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

IVAN  JUNQUEIRA

Biografia

 

Poesias Eternas

E Se Eu Disser

Palimpsesto

Talvez O Vento Saiba

 

 

 

 

 

 

 

Talvez O Vento Saiba
 
 
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam, 
das ondas cujas cristas não transbordam 
senão o sal que escorre dos meus braços. 

 

As sereias que ouvi não mais acordam 
à cálida pressão dos meus abraços, 
e o que a infância teceu entre sargaços 
as agulhas do tempo já não bordam. 

 

Só vejo sobre a areia vagos traços 
de tudo o que meus olhos mal recordam 
e os dentes, por inúteis, não concordam 
sequer em mastigar como bagaços. 

 

Talvez se lembre o vento desses laços 
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

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Palimpsesto

                                                                                                                                    A  Antônio Carlos Secchin

 

Eu vi um sábio numa esfera,

os olhos postos sobre os dédalos

de um hermético palimpsesto,

tatear as letras e as hipérboles

de um antiqüíssimo alfabeto. 

Sob a grafia seca e austera

algo aflorava, mais secreto,

por entre grifos e quimeras,

como se um código babélico

em suas runas contivesse

tudo o que ali, durante séculos,

houvesse escrito a mão terrestre.

 

 

Sabia o sábio que o mistério

jamais emerge à flor da pele;

por isso, aos poucos, a epiderme

daquele códice amarelo

ia arrancando como pétalas

e, por debaixo, outros arquétipos

se articulavam, claras vértebras

de um esqueleto mais completo. 

Sabia mais: que o que se escreve,

com a sinistra ou com a destra,

uma outra mão o faz na véspera,

e que o artista, em sua inépcia,

somente o crê quando o reescreve. 

Depois tangeu, em tom profético:

"Nunca busqueis nessa odisséia

senão o anzol daquele nexo

que fisga o presente e o pretérito

entre os corais do palimpsesto."

E para espanto de um intérprete

que lhe bebia o mel do verbo,

pôs-se a brincar, dentro da esfera,

com duendes, górgonas e insetos.

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E Se Eu Disser

 

E se eu disser que te amo - assim, de cara,

sem mais delonga ou tímidos rodeios,

sem nem saber se a confissão te enfara

ou se te apraz o emprego de tais meios? 

E se eu disser que sonho com teus seios,

teu ventre, tuas coxas, tua clara

maneira de sorrir, os lábios cheios

da luz que escorre de uma estrela rara? 

E se eu disser que à noite não consigo

sequer adormecer porque me agarro

à imagem que de ti em vão persigo? 

Pois eis que o digo, amor.  E logo esbarro

em tua ausência - essa lâmina exata

que me penetra e fere e sangra e mata.

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