FREI JOSÉ DE SANTA RITA DURÃO
Biografia |
Poesias Eternas |
CARAMURU Canto II XVII Não era assim nas aves fugitivas, Que umas frechava no ar, e outras em laços Com arte o caçador tomava vivas; Uma, porém, nos líquidos espaços Faz com a pluma as setas pouco ativas, Deixando a lisa pena os golpes lassos. Toma-a de mira Diogo e o ponto aguarda: Dá-lhe um tiro e derruba-a com a espingarda. Estando a turba longe de cuidá-lo, Fica o bárbaro ao golpe estremecido E cai por terra no tremendo abalo Da chama do fracasso e do estampido; Qual do hórrido trovão com raio e estalo Algum junto a quem cai fica aturdido, Tal Gupeva ficou, crendo formada No arcabuz de Diogo uma trovoada. Toda em terra prostrada, exclama e grita A turba rude em mísero desmaio, E faz o horror que estúpida repita Tupã, Caramuru, temendo um raio. Pretendem ter por Deus, quando o permita O que estão vendo em pavoroso ensaio, Entre horríveis trovões do márcio jogo, Vomitar chamas e abrasar com fogo. Desde esse dia, é fama que por nome Do grão Caramuru foi celebrado O forte Diogo; e que escutado dome Este apelido o bárbaro espantado. Indicava o Brasil no sobrenome, Que era um dragão dos mares vomitado; Nem de outra arte entre nós antiga idade Tem Joce, Apolo e Marte por deidade. (Frei José de Santa Rita Durão)
MOEMA O Afogamento de Moema do sexto canto do Caramuru XXXVI É fama então que a multidão formosa as damas, que Diogo pretendiam, Vendo avançar-se a nau na via undosa, E que a esperança de o alcançar perdiam, Entre as ondas com ânsia furiosa, Nadando o esposo pelo mar seguiam, E nem tanta água que flutua vaga ardor que o peito tem, banhando apaga. XXXVII Copiosa multidão da nau francesa Corre a ver o espetáculo assombrada; E, ignorando a ocasião de estranha empresa, Pasma da turba feminil que nada. Uma, que às mais precede em gentileza, Não vinha menos bela do que irada: Era Moema, que de inveja geme, E já vizinha à nau se apega ao leme.
XXXVIII "Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem... Porém o tigre, por cruel que brame, Acha forças amor que enfim o domem; Só a ti não domou, Por mais que eu te ame. Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem, Como não consumis aquele infame? Mas pagar tanto amor com tédio e asco... Ah! que corisco és tu... raio... penhasco! XXXIX Bem puderes, cruel, ter sido esquivo, Quando eu a fé rendia ao teu engano; Nem me ofenderas a escutar-me altivo, Que é favor, dado a tempo, um desengano; Porém, deixando o coração cativo Com fazer-te a meus rogos sempre humano, Fugiste-me, traidor, e desta sorte Paga meu fino amor tão crua morte? XL Tão dura ingratidão menos sentira, E esse fado cruel doce me fora, Se a meu despeito triunfar não vira Essa indigna, essa infame, essa traidora! Por serva, por escrava, te seguira, Se não temera de chamar senhora A vil Paraguassu, que, sem que o creia, Sobre ser-me inferior é néscia e feia.
XLI Enfim, tens coração de ver-me aflita, Flutuar moribunda entre estas ondas; Nem o passado amor teu peito incita A um ai somente com que aos meus respondas! Bárbaro, se esta fé teu peito irrita, (Disse, vendo-o fugir), ah! não te escondas Dispara sobre mim teu cruel raio... E indo a dizer o mais, cai num desmaio. XLIII Perde o lume dos olhos, pasma e trema, Pálida a cor, o aspecto moribundo, Com mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar, que irado freme, Tornando a aparecer desde o profundo: "Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa, E, sem mais vista ser, sorveu-se n'água. XLIII Choraram da Bahia as ninfas belas Que, nadando, a Moema acompanhavam; E, vendo que sem dor navegam delas, branca praia com furor tornavam. Nem pode o claro herói sem pena vê-las, Com tantas provas que de amor lhe davam; Nem mais lhe lembra o nome de Moema, Sem que ou amante a chore, ou grato gema. (Frei José de Santa Rita Durão)
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.