FRANCISCO BUGALHO
Biografia
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Poesias Eternas
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Acabei o romance policial,
E sinto a amargura indefinível
Daquela personagem principal.
(Lá fora há silêncio na modorra
Que o sol lança sobre as coisas).
Pobre mulher loira que matou por amor!
Afinal, isto é banal;
Mas hoje, não sei porquê,
Sinto bem fundo o drama
Daquela personagem principal.
(Zumbe sobre a minha mesa uma mosca cansada...
Lá fora anda o calor do sol; não há mais nada).
Só eu estou cheio de sonho
Da mulher loira que matou por amor...
E, não sei bem porquê, também componho
Um drama em que entro, e que é desolador.
Sinto-me simplesmente comovido
Como uma colegial,
Com esta história simples, sem sentido,
E superficial.
Há dias assim,
E eu bem estou vendo como é falso
O caso do romance policial.
Mas...
Queria poder salvar
Aquela mulher dócil e franzina
Que matou por amor,
E cuja morte
Fez surgir esta dor
Que me domina.
É enternecedor
O fim do tal romance policial!!
E é de mau gosto, frágil e bamal!
(Lá fora, que calor!...)
Dentro de mim canta, intenso
Um cantar que não é meu:
Cantar que ficou suspenso
Cantar que já se perdeu.
Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido:
Cantar que passa perdido,
Que não é meu estando em mim.
Depois, sonâmbulo, sonho:
Um sonho lento, tristonho,
De nuvens a esfiapar...
E, novamente, no sonho
Passa de novo a cantar...
Sobre um lago onde, em sossego,
As águas olham o céu,
Roça a asa de um morcego...
E ao longe o cantar morreu.
Onde terei eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido...
E este cenário partido
Volta a voltar, repetido,
E o cantar recanta em mim.
in "Líricas Portuguesas" (segunda série) Portugália Editora, 1967, 2ª edição
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.