A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

FERREIRA GULAR

Biografia

 

Poesias Eternas

Galo Galo

Madrugada

Ocorrência

 

 

 

 

   

 

 

 

Madrugada

 

Do fundo de meu quarto, do fundo

de meu corpo

clandestino

ouço (não vejo) ouço

crescer no osso e no músculo da noite

a noite

a noite ocidental obscenamente acesa

sobre meu país dividido em classes

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 Ocorrência

 

Aí o homem sério entrou e disse: bom dia.

Aí outro homem sério respondeu: bom dia.

Aí a mulher séria respondeu: bom dia.

Aí a menininha no chão respondeu: bom dia.

Aí todos riram de uma vez

Menos as duas cadeiras, a mesa, o jarro, as flores

as paredes, o relógio, a lâmpada, o retrato, os livros

o mata-borrão, os sapatos, as gravatas, as camisas, os lenços.

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Galo Galo

 

 

 

Leia-o também em holandês

 

 

O galo

no salão quieto.

 

 

Galo galo

de alarmante crista, guerreiro,

medieval.

 

 

De córneo bico e

esporões,  armado 

contra a morte,

passeia.

 

 

 

Mede os passos.  Pára.

Inclina a cabeça coroada

dentro do silêncio:

 

 

—— que faço entre coisas ?

 

—— de que me defendo ?

 

Anda.

No saguão.

O cimento esquece

o seu último passo. 

 

 

Galo: as penas que

florescem da carne silenciosa

e duro bico e as unhas e o olho

sem amor.  Grave

solidez.

Em que se apóia

tal arquitetura ?

 

 

Saberá que, no centro

de seu corpo, um grito

se elabora ? 

Como,  porém, conter,

uma vez concluído,

o canto obrigatório ?

 

 

Eis que bate as asas, vai

morrer, encurva o vertiginoso pescoço

donde o canto rubro escoa

 

 

Mas a pedra, a tarde,

o próprio feroz galo

subsistem ao grito.

 

 

Vê-se:  o canto é inútil.

 

 

O galo permanece — apesar

de todo o seu porte marcial — 

só, desamparado,

num saguão do mundo.

Pobre ave gurreeira!

 

 

Outro grito cresce

agora no sigilo

de seu corpo; grito

que, sem essas penas

e esporões e crista

e sobretudo sem esse olhar

de ódio,

não seria tão rouco

e sangrento

 

 

Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.

Mas que, fora dele,

é mero complemento de auroras. 

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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