A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

CARLOS NEJAR

Biografia

 

Poesias Eternas

 

Os Cavalos

Contra a Esperança

Entreato

Entre as Cinzas

De Longo Curso

Luís Vaz de Camões

Soneto aos Sapatos Quietos

 

 

 

 

 

De  Longo Curso

 

(Para Elza)

 

 

 Minha alma descansa

 na tua alma,

 onde a luz jamais

 desativada:

 é um navio de longo

 curso pela água.

 

 Redonda a luz e nós

 atracamos na foz

 com o fundo calmo.

 Em mim te almas

 e te amando, eu almo.

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Contra  a Esperança

 

 

 É  preciso esperar contra a esperança.

 Esperar, amar, criar

 contra a esperança

 e depois desesperar a esperança

 mas esperar, enquanto

 um fio de água, um remo,

 peixes existem e sobrevivem

 no meio dos litígios;

 enquanto bater

 a máquina de coser

 e o dia dali sair

 como um colete novo.

 

 É preciso esperar

 por um pouco de vento,

 um toque de manhãs.

 E não se espera muito.

 Só um curto-circuito

 na lembrança. Os cabelos,

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Entreato

 

 

 Testemunhei o desconcerto

 meu e de todos;

 não escondi o logro.

 

 Se nunca me rendi,

 somente desarmei

 o que perdi.

 

 Nada retirei

 dos arsenais

 a não ser

 (por meu mal)

 este revólver

 sem balas,

 calibre de horas

 padecidas

 e um coldre

 de ambições.

 

 Sim, muito trabalhei

 por natureza e lei.

 Medir não aprendi:

 a morte, a vida.

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Entre as Cinzas

 

 

 Confesso às formigas

 as cruas penas e elas

 na terra da noite lerda

 Serão futuras amigas

 

 e confidentes. Meu corpo

 poderá falar as ternas

 coisas que nos ignoram.

 Só falarei com meu corpo,

 

 que a alma estará longe.

 E as formigas não precisam

 que alma exista. Cotovias

 da escuridão, sabidas,

 

 mínimas, deixam suas folhas

 no formigueiro. Entre as cinzas,

 o pó se encherá de falas.

 E minha boca de formigas.

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Os Cavalos

 

 

 Os cavalos tinham o ardor de nuvens se empinando.

 Vinham, inteiros, no nitrir das tardes, junto às oliveiras.

 Meninos em férias, focinhavam dálias. Eram exaltados,

 amoráveis e as ervas das crinas mugiam de verdor.

 As  pálpebras  amor  baixavam. E às vezes, os cavalos

 se riam , a dentuça à mostra. Coçavam-se nas ancas, com

 a ferrugem de sediciosas vespas.

 Eternos, quando saltam. Ou descarregam rolos de ares

 bêbados. Todo galope é um pássaro.

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Luiz Vaz de Camões

 

 

 Não sou um tempo

 ou uma cidade extinta.

 Civilizei a língua

 e foi reposta em cada verso.

 E à fome, condenaram-me

 os perversos e alguns

 dos poderosos. Amei

 a pátria  injustamente

 cega, como eu, num

 dos olhos. E não pôde

 ver-me enquanto vivo.

 Regressarei a  ela

 com os ossos de meu sonho

 precavido? E o idioma

 não passa de um poema

 salvo da espuma

 e igual a mim,bebido

 pelo sol de um país

 que me desterra. E agora

 me ergue no Convento

 dos Jerônimos o túmulo,

 quando não morri.

 Não morrerei, não

 quero mais morrer.

 Nem sou cativo ou mendigo

 de uma pátria. Mas da língua

 que me conhece e espera.

 E a razão que não me dais,

 eu crio. Jamais pensei

 ser pai de tantos filhos.

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Soneto aos Sapatos Quietos

 

 

 Os pés dos sapatos juntos.

 Hei-de calçá-los, soltos

 e imensos, e talvez rotos,

 como dois velhos marujos.

 

 Nunca terão o desgosto

 que tive. Jamais o sujo

 desconsolo: estando postos,

 como eu, em chãos defuntos.

 

 Em vãos de flor, sem o riacho

 de um pé a outro, entre guizos.

 Não há demência ou fome.

 

 Sapatos nos pés não comem.

 Só dormem. Porém, descalço

 pela alma, o paraíso.

topo

 

 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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