VICENTE DE CARVALHO
Biografia
1866-1924
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Poesias Eternas
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Tange o sino, tange, numa
voz de choro
Numa voz de choro... tão
desconsolado...
No caixão dourado, como
em berço de ouro,
Pequenino, levam-te
dormindo... Acorda!
Olha que te levam para o
mesmo lado
De onde o sino tange numa
voz de choro...
Pequenino, acorda!
Como o sono apaga o teu
olhar inerte
Sob a luz da tarde tão
macia e grata!
Pequenino, é pena que não
possas ver-te...
Como vais bonito, de
vestido novo
Todo azul celeste com
debruns de prata!
Pequenino, acorda! E
gostarás de ver-te
De vestido novo.
Como aquela imagem de
Jesus, tão lindo
Que até vai levado em
cima dos andores,
Sobre a fronde loura um
resplendor fulgindo
- Com a grinalda feita de
botões de rosas
Trazes na cabeça um
resplendor de flores...
Pequenino, acorda! E te
acharás tão lindo
Florescido em rosas!
Tange o sino, tange, numa
voz de choro,
Numa voz de choro... tão
desconsolado...
No caixão dourado, como
em berço de ouro,
Pequenino, levam-te
dormindo... Acorda!
Olha que te levam para o
mesmo lado
De onde o sino tange numa
voz de choro...
Pequenino, acorda!
Que caminho triste, e que
viagem! Alas
De ciprestes negros a
gemer no vento;
Tanta boca aberta de
famintas valas
A pedir que as fartem, a
esperar que as encham...
Pequenino, acorda!
Recupera o alento,
Foge das cobiças dessas
fundas valas.
Vai chegando a
hora, vai chegando a hora
Em que a mãe ao
seio chama o filho... A espaços,
Badalando, o sino
diz adeus, e chora
Na melancolia do
cair da noite;
Por aqui só cruzes
com seus magros braços
Que jamais se
fecham, hirtos sempre... É a hora
Do cair da noite...
Pela Ave-Maria,
como procuravas
Tua mãe!... Num
eco de sua voz piedosa,
Que suaves coisas
que tu murmuravas,
De mãozinhas
postas, a rezar com ela...
Pequenino, em casa,
tua mãe saudosa
Reza a sós... É a
hora quando a procuravas...
Vai rezar com ela!
Depois... teu
quarto era tão lindo! Havia
Na janela jarras
onde abriam rosas;
E no meio a cama,
toda alvor, macia,
De lençóis de
linho no colchão de penas.
Que acordar alegre
nas manhãs cheirosas!
Que dormir suave,
pela noite fria,
No colchão de
penas...
Tange o sino,
tange, numa voz de choro,
Numa voz de
choro... tão desconsolado...
No caixão dourado,
como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te
dormindo... Acorda!
Olha que te levam
para o mesmo lado
De onde o sino
tange numa voz de choro...
Pequenino, acorda!
Por que estacam
todos dessa cova à beira?
Que é que diz o
padre numa língua estranha?
Por que assim te
entregas a essa mão grosseira
Que te agarra e
leva para a cova funda?
Por que assim cada
homem um punhado apanha
De caliça e
espalha-a, debruçado à beira
Dessa cova funda?
Vais ficar sozinho
no caixão fechado...
Não será bastante
para que te guarde?
Para que essa terra
que jazia ao lado
Pouco a pouco rola,
vai desmoronando?
Pequenino, acorda!
— Pequenino!... É tarde!...
Sobre ti cai todo
esse montão que ao lado
Vai desmoronando...
Eis fechada a cova.
Lá ficaste... A enorme
Noite sem aurora
todo amortalhou-te.
Nem caminho deixam
para quem lá dorme,
Para quem lá fica
e que não volta nunca...
Tão sozinho sempre
por tamanha noite!...
Pequenino, dorme!
Pequenino dorme...
Nem acordes nunca!
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.