A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

MILLÔR FERNANDES

Biografia

1924

Brasil Brasil

Poesias Eternas

Haikais

Poemas

Acalanto

Predestinação

Poeminha de Louvor ao "Strep Tease" Secular

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acalanto

 

 

Deita, filho

E constrói teu sono

O medo já vem.

Fecha os olhos dos ouvidos

Faz escuro aos ruídos

Amortece o brilho desse som.

Pronto, a angústia gira muda

No longplei sem sulcos

Da noite sem insônia.

Dorme, filho,

Faz silêncio na Amazônia.

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Predestinação

 

Tinha no nome seu destino líquido: mar, rio e lago.

Pois chamava-se Mário Lago.

Viu a luz sob o signo de Piscis.

Brilhava no céu a constelação de Aquário.

Veio morar no Rio.

Quando discutia, sempre levava um banho.

Pois era um temperamento transbordante.

Sua arte preferida: água-forte.

Seu provérbio predileto: "Quem tem capa, escapa".

Sua piada favorita: "Ser como o rio:

seguir o curso sem deixar o leito".

Pois estudava: engenharia hidráulica.

Quando conheceu uma moça de primeira água.

Foi na onda.

Teve que desistir dos estudos quando

estava na bica para se formar.

Então arranjou um emprego em Ribeirão das Lajes.

Donde desceu até ser leiteiro.

Encarregado de pôr água no leite.

Ficou noivo e deu à moça uma água marinha.

Mas ela o traiu com um escafandrista.

E fugiu sem dizer água vai.

Foi aquela água.

Desde então ele só vivia na chuva

Virou pau de água.

Portanto, com hidrofobia.

Foi morar numa água furtada.

Deu-lhe água no pulmão.

Rim flutuante.

Água no joelho.

Hidropsia.

Bolha d'água.

Gota.

Catarata.

Morreu afogado.

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Poeminha de Louvor ao "Strip-tease" Secular

 

Eu sou do tempo em que a mulher

Mostrar o tornozelo

Era um apelo!

Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas

De mulher

Sem saia;

Mas foi na praia!

 

 

A moda avança

A saia sobe mais

Mostra os joelhos

Infernais!

 

 

As fazendas

Com os anos

Se fazem mais leves

E surgem figurinhas

Em roupas transparentes

Pelas ruas:

Quase nuas.

E a mania do esporte

Trouxe o short.

O short amigo

Que trouxe consigo

O maiô de duas peças.

E logo, de audácia em audácia,

A natureza ganhando terreno

Sugeriu o biquíni,

O maiô de pequeno ficando mais pequeno

Não se sabendo mais

Até onde um corpo branco

Pode ficar moreno.

 

 

Deus,

A graça é imerecida,

Mas dai-me ainda

Uns aninhos de vida!

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Poesia Matemática

 

Às folhas tantas

Do livro matemático

Um Quociente apaixonou-se

Um dia

Doidamente

Por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável

E viu-a, do Ápice à Base,

Uma Figura Ímpar;

Olhos rombóides, boca trapezóide,

Corpo otogonal, seios esferóides.

Fez da sua

Uma vida

Paralela a dela

Até que se encontraram

No Infinito.

"Quem és tu?" indagou ele

Com ânsia radical.

"Sou a soma dos quadrados dos catetos.

Mas pode me chamar de Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram

- O que, em aritmética, corresponde

A almas irmãs -

Primos-entre-si.

E assim se amaram

Ao quadrado da velocidade da luz

Numa sexta potenciação

Traçando

Ao sabor do momento

E da paixão

Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas

E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.

E, enfim, resolveram se casar

Constituir um lar.

Mais que um lar,

Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos

O Poliedro e a Bissetriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro

Sonhando com uma felicidade

Integral

E diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones

Muito engraçadinhos

E foram felizes

Até aquele dia

Em que tudo, afinal,

Vira monotonia.

Foi então que surgiu

O Máximo Divisor Comum

Freqüentador de Círculos Concêntricos.

Viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,

Uma Grandeza Absoluta,

E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu

Que com ela não formava mais Um Todo,

Uma Unidade. Era o Triângulo,

Tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era a fração

Mais ordinária.

Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade

E tudo que era espúrio passou a ser

Moralidade

Como, aliás, em qualquer

Sociedade.

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Haikais

 

 

há colcha mais dura

que a lousa

da sepultura?

 

 

Na poça da rua

O vira-lata

Lambe a Lua.

 

 

Com que habilidade

Você estraga

Qualquer felicidade!

 

 

Nos dias quotidianos

É que se passam

Os anos.

 

 

O desenvolvimento cerebral

Nunca se compara

Ao abdominal.

 

 

Não é segredo.

Somos feitos de pó, vaidade,

E muito medo.

 

 

No falecimento

Lenço grande demais

Pro sentimento.

 

 

Eremita, me afundo

No deserto, pra ser

O centro do mundo.

 

 

Esnobar

É exigir café fervendo

E deixar esfriar.

 

 

Aniversário é uma festa

Pra te lembrar

Do que resta.

 

 

Olha,

Entre um pingo e outro

A chuva não molha.

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