MANUEL BANDEIRA
Biografia 1886-1968 Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em 1886 e faleceu em 1968. Manuel Bandeira, caracterizou-se, num poema autobiográfico, como "arquiteto falhado" e um "tísico profissional". A primeira vista, esta classificação pode parecer estranha mas consegue, com toda a auto-ironia dos versos, precisar um traço fundamental da vida de um poeta que mais parece personagem do Romantismo. "Manuel, bandeira da poesia modernista", é assim que Oswald de Andrade chamava o poeta pernambucano. Com efeito, poucos autores do século XX conseguiram incorporar tantos textos ao patrimônio afetivo do brasileiro como Bandeira. A própria tuberculose parece tê-lo forçado a impregnar em seus versos a ironia de quem tem que aceitar, com naturalidade, as coisas como elas são. Os grandes momentos de efusão, liberados numa ternura risonha e triste, dão o tom de pureza, desinteresse, e liberdade que marcam sua poesia. Finíssimo na percepção do desentendimento amoroso retrata a mulher numa escala que passa rapidamente do pudor à lubricidade. Nasceu na cidade do Recife, onde passou a parte mais marcante da infância.Com a mudança da família para o Rio de Janeiro, foi estudar no Colégio Pedro 11. Em 1902, publicou seu primeiro poema, na primeira página do jornal Correio da Manhã, um soneto em versos alexandrinos. Em 1903, esteve em São Paulo, cursando arquitetura na Escola Politécnica. Contraindo tuberculose, foi obrigado a abandonar os estudos. Em 1913, foi tratar-se no sanatório de Clavadel, Suíça, tornando-se amigo de Paul Éluard, que veio a sei um dos grandes poetas do surrealismo francês. Os anos seguintes á sua volta ao Brasil (1914) foram marcados pela morte de toda a família: mãe, irmã, pai e irmão. Nessa quadra difícil, publicou seus dois primeiros livros. Embora não participasse pessoalmente da Semana de 22, seu poema "Os Sapos" foi lido no Teatro Municipal de São Paulo, causando escândalo. Sozinho e inválido, vivia do montepio deixado pelo pai, residindo treze anos na Rua do Curvelo, um lugar muito modesto. Ali escreveu os livros O ritmo dissoluto, Libertinagem e boa parte dos poemas de Estrela da manhã. Em 1938, foi nomeado professor de literatura do Colégio Pedro II. Exerceu o magistério até 1956, aposentando-se como professor da Faculdade Federal de Filosofia. Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 1940, morreu, no Rio de Janeiro, aos 82 anos de idade, reconhecido como um dos maiores poetas da literatura brasileira. |
Poesias Eternas |
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos;
Pelas pequeninas aranhas.
Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser.
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.
Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.
Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.
Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite de um túmulo.
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
O nosso menino
Nasceu em Belém.
Nasceu tão-somente
Para querer bem.
Nasceu sobre as palhas
O nosso menino.
Mas a mãe sabia
Que ele era divino.
Vem para sofrer
A morte na cruz,
O nosso menino,
Seu nome é Jesus.
Por nós ele aceita
O humano destino:
Louvemos a glória
De Jesus menino.
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
Porque da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Porque tão alta e luzidia?
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do dia.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu
quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma
aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de
Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais
triste
Mas triste de não ter
jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu
quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
ESTRELA DA MANHÃ Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda a parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
(Manuel Bandeira)
OS SAPOS Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - "Meu pai foi à guerra!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!" O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: - "Meu cancioneiro É bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatos. Que arte! E nunca rimo Termos cognatos. O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinqüenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma . Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas…" Urra o sapo-boi - "Meu pai foi rei!" - "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!" Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - "A grande arte é como Lavor de Joalheiro. Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo." Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), falam pelas tripas: - "Sei!" - "Não sabe!" -"Sabe!" . Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imersa; Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio… (Manuel Bandeira)
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.