A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

MACHADO DE ASSIS

Biografia

1839-1908

Brasil Brasil

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e morreu na mesma cidade em 1908. Poeta, romancista, contista, cronista, dramaturgo, ensaísta e crítico. 

Obra poética: Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875) e Ocidentais (1901). 

É a referência clássica da literatura brasileira, considerado o maior escritor do país e um mestre da língua.

 

Poesias Eternas

 

Círculo Vicioso

Uma Criatura

Horas Vivas

Soneto de Natal

As Ventoinhas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Soneto de Natal

 

Um homem, — era aquela noite amiga,

Noite cristã, berço do Nazareno, —

Ao relembrar os dias de pequeno,

E a viva dança, e a lépida cantiga,

 

 

Quis transportar ao verso doce e ameno

As sensações da sua idade antiga,

Naquela mesma velha noite amiga,

Noite cristã, berço do Nazareno.

 

 

Escolheu o soneto . . . A folha branca

Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,

A pena não acode ao gesto seu.

 

 

E, em vão lutando contra o metro adverso,

Só lhe saiu este pequeno verso:

"Mudaria o Natal ou mudei eu?"

 

 

 

topo

 

Horas Vivas

 

Noite: abrem-se as flores . . .

Que esplendores!

Cíntia sonha seus amores

Pelo céu.

Tênues as neblinas

Às campinas

Descem das colinas,

Como um véu.

 

 

Mãos em mãos travadas,

Animadas,

Vão aquelas fadas

Pelo ar;

Soltos os cabelos,

Em novelos,

Puros, louros, belos,

A voar.

 

 

- "Homem, nos teus dias

Que agonias,

Sonhos, utopias,

Ambições;

Vivas e fagueiras,

As primeiras,

Como as derradeiras

Ilusões!

 

 

- "Quantas, quantas vidas

Vão perdidas,

Pombas mal feridas

Pelo mal!

Anos após anos,

Tão insanos,

Vêm os desenganos

Afinal.

 

 

- "Dorme: se os pesares

Repousares,

Vês? — por estes ares

Vamos rir;

Mortas, não; festivas,

E lascivas,

Somos — horas vivas

De dormir. —"

topo

 

 

 

 

 

 

As Ventoinhas

 

Com seus olhos vaganaus,

Bons de dar, bons de tolher.

Sà de Miranda

 

 

A mulher é um cata-vento,

Vai ao vento,

Vai ao vento que soprar;

Como vai também ao vento

Turbulento,

Turbulento e incerto o mar.

Sopra o sul; a ventoinha

Volta asinha,

Volta asinha para o sul;

Vem taful; a cabecinha

Volta asinha,

Volta asinha ao meu taful.

 

Quem lhe puser confiança,

De esperança,

De esperança mal está;

Nem desta sorte a esperança

Confiança,

Confiança nos dará.

 

Valera o mesmo na areia

Rija ameia,

Rija ameia construir;

Chega o mar e vai a ameia

Com a areia,

Com a areia confundir.

 

Ouço dizer de umas fadas

Que abraçadas,

Que abraçadas como irmãs,

Caçam almas descuidadas...

Ah! que fadas!

Ah! que fadas tão vilãs!

 

Pois, como essas das baladas,

Umas fadas,

Umas fadas dentre nós,

Caçam, como nas baladas;

E são fadas,

E são fadas de alma e voz.

 

É que - como o cata-vento,

Vão ao vento,

Vão ao vento que lhes der;

Cedem três coisas ao vento:

Cata-vento,

Cata-vento, água e mulher.

topo

 

 

 

 

Uma Criatura

 

Sei de uma criatura antiga e formidável,

Que a si mesma devora os membros e as entranhas,

Com a sofreguidão da fome insaciável.

 

Habita juntamente os vales e as montanhas;

E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,

Espreguiça-se tôda em convulsões estranhas.

 

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;

Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,

Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

 

Friamente contempla o desespêro e o gôzo,

Gosta do colibri, como gosta do verme,

E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

 

Para ela o chacal é, como a rôla, inerme;

E caminha na terra imperturbável, como

Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

 

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo

Vem a fôlha, que lento e lento se desdobra,

Depois a flor, depois o suspirado pomo.

 

Pois essa criatura está em tôda a obra:

Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;

E é dêsse destruir que as suas fôrças dobra.

 

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;

Começa e recomeça uma perpétua lida,

E sorrindo obedece ao divino estatuto.

Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.

topo

 

 

 

 

 

Circulo Vicioso

 

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:

-- "Quem me dera que fosse aquela loura estrela,

Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

 

--"Pudesse eu copiar o transparente lume,

Que, da grega coluna à gótica janela,

Comtemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"

Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

 

--"Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela

Claridade imortal, que toda a luz resume!"

Mas o sol, inclinando a rútila capela*:

 

--"Pesa-me esta brilhante aureóla de nume

Enfara-me* esta azul e desmedida umbela

Porque não nascí eu um simples vaga-lume?"

topo

Brasil Voltar para Poetas do Brasil

 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

1