JOSÉ
PAULO PAES
Biografia 1916 "Poeta,
ensaísta, crítico literário e tradutor de poetas, bem como de algumas prosas,
José Paulo Paes ocupa hoje um lugar privilegiado entre seus pares em cada uma
dessas atividades. E há que considerar, como já o fiz certa vez, que o ensaísmo
de Paes, à diferença de alguns outros que o praticam, deve ser lido — ou
antes degustado — à luz do fino poeta que ele é e do prodigioso tradutor que
nos legou memoráveis versões de textos deKaváfis, Seféris, Paladas de
Alexandria, Auden, William Carlos Williams, Hölderlin, Éluard e um expressivo
punhado de poetas gregos modernos e de outros tantos que, em outras tantas línguas
— grego, latim, alemão, francês, espanhol, italiano, provençal —, freqüentaram
a vertente da poesia erótica, isto sem falar de traduções lapidares que
recentemente recolheu o autor no fundo danáidico de sua Gaveta do Tradutor e
que lhe valeram, com toda a justiça, o Prêmio Paulo Rónai da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Entenda
assim o leitor que, nas páginas suculentas de Os perigos da poesia e outros
ensaios, o que vamos encontrar é o mesmo de sempre: uma prosa límpida, concisa
e elegante que somente os poetas, com disse certa vez Fernando Pessoa, sabem
escrever; uma redução sem pedanterias graças à qual aprendemos sempre mais
um pouco sobre a poesia sem jamais nos entediarmos; uma astúcia exegética que,
no passado, apenas encontramos naqueles ensaios fundadores de Augusto Meyer e
Othon Moacyr Garcia; e, ao fim e ao cabo, uma fluidez de linguagem e de
argumentação conceitual de que somente são capazes os mais exímios usuários
dessa nossa vilipendiada e amiúde quase esquecida língua de cultura." Trecho
da orelha do livro Os
perigos da poesia, de
José Paulo Paes, editora
Topbooks, 1997. |
Poesias Eternas
|
São meus todos os versos
já cantados:
A flor, a rua, as músicas
da infância,
O líquido momento e os
azulados
Horizontes perdidos na
distância.
Intacto me revejo nos mil
lados
De um só poema. Nas lâminas
da estância
Circulam as memórias e a
substância
De palavras, de gestos
isolados.
São meus também, os líricos
sapatos
De Rimbaud, e no fundo
dos meus atos
Canta a doçura triste de
Bandeira.
Drummond me empresta
sempre o seu bigode,
Com Neruda, meu pobre
verso explode
E as borboletas dançam
na algibeira.
(in
O Aluno, 1947, seu primeiro livro)
Meu amor é simples,
Dora,
Como a água e o pão.
Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.
(in
Cúmplices, 1951)
O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão,
mas Deus
Presente em eucaristia.
E como um dia faltasse
Pão ao bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.
(in
Novas Cartas Chilenas, 1954)
O camponês sem terra
Detém a charrua
E pensa em colheitas
Que nunca serão suas.
(in
Epigramas, 1958)
a morte enfim torceu
o pescoço à eloqüência
(in
Meia Palavra, cívicas, eróticas e metafísicas, 1973)
pelo mesmo tietê
onde outrora viajavam
bandeirantes heris
só viajam agora
os dejetos: bandeira
de seus filhos fabris
(in
Resíduos, 1980)
poeta
menormenormenormenormenor
menormenormenormenormenor
enorme
(in
Calendário Perplexo, 1983)
o poema é o autor do
poeta
(in
A poesia está morta mas juro que não fui eu, 1988)
Vendam logo esta casa,
ela está cheia de fantasmas.
Na livraria, há um avô
que faz cartões de boas-festas com corações de purpurina.
Na tipografia, um tio que
imprime avisos fúnebres e programas de circo.
Na sala de visitas, um
pai que lê romances policiais até o fim dos tempos.
No quarto, uma mãe que
está sempre parindo a última filha.
Na sala de jantar, uma
tia que lustra cuidadosamente o seu próprio caixão.
Na copa, uma prima que
passa a ferro todas as mortalhas da família.
Na cozinha, uma avó que
conta noite e dia histórias do outro mundo.
No quintal, um preto
velho que morreu na Guerra do Paraguais rachando lenha.
E no telhado um menino
medroso que espia todos eles;
só que está vivo:
trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos.
Deixem o menino dormir,
mas vendam a casa, vendam-na depressa.
Antes que ele acorde e se
descubra também morto.
tomei um expresso
cheguei de foguete
subi num bonde
desci de um elétrico
pedi cafezinho
serviram-me uma bica
quis comprar meias
só vendiam peúgas
fui dar à descarga
disparei um autoclisma
gritei "ó
cara!"
responderam-me "ó pá!"
positivamente
as aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá
a poesia está morta
mas juro que não fui eu
eu até que tentei fazer
o melhor que podia para salvá-la
imitei diligentemente
augusto dos anjos paulo torres car-
los drummond de andrade
manuel bandeira murilo
mendes vladmir maiakóvski
joão cabral de melo neto
paul éluard oswald de
andrade guillaume appolinaire
sosígenes costa bertolt
brecht augusto de campos
não adiantou nada
em desespero de causa
cheguei a imitar um certo (ou
incerto) josé paulo paes
poeta de ribeirãozinho estrada
de ferro araraquarense
porém ribeirãozinho
mudou de nome a estrada de ferro
araraquarense foi extinta
e josé paulo paes parece
nunca ter existido
nem eu
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia
que é sempre um novo
dia.
Vamos brincar de poesia?
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.