A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

JORGE DE LIMA

Biografia

1893-1953

Brasil Brasil

Jorge de Lima Nascido em União, no estado do Alagoas, em 1893, Jorge de Lima veio a falecer aos 60 anos, em 1953. Depois de estudar humanidades em Maceió, foi para Salvador iniciar a Faculdade de Medicina, que foi concluída no Rio de Janeiro. Exerceu a profissão em sua terra natal e na ex-capital. Mas as artes sempre lhe chamaram a atenção. Além de gostar das artes plásticas ­ quadros e fotomontagens ­ foi professor de Literatura na Universidade do Brasil e fez política nos anos que se seguiram à queda da ditadura de Getúlio Vargas. Sua carreira como literato inclui várias fases. Iniciou como sonetista neoparnasiano, desenvolveu poesia social, religiosa e onírica. Porém, conservou-se um poeta lírico por excelência. Suas obras : entre os poemas "XIV Alexandrinos", "O Mundo do Menino Impossível", "Tempo e Eternidade" com colaboração de Murilo Mendes e "Invenção de 'Orfeu'". Segundo G. Mendonça Teles, Jorge de Lima "aprendeu a ser poeta com os parnasianos e os simbolistas; aprendeu a pensar na ideologia científica dos positivistas; e aprendeu a ter fé na religião da família...". De início, ele escreveu poemas ao gosto parnasiano, utilizando para isto uma linguagem culta, esmerada nos versos, na métrica e nas rimas. Numa fase posterior, o poeta aderiu ao movimento modernista, expandindo seus horizontes e seus temas, utilizando uma linguagem mais coloquial e praticando o uso de versos livres e de intertextos. A religiosidade de Jorge de Lima se manifestou desde o início, porém, de forma esporádica. Apesar de ganhar livre expressão em toda a obra do poeta, que foi favorecida por uma autêntica originalidade alcançada pelo aprofundamento modernista e surrealista (poesia do inconsciente, escrita automática, poesia de impulso), ela ganhou mais força na fase modernista, por causa da maior liberdade de pesquisa, de criação e de expressão permitida pelo movimento. "A caminhada termina ao entardecer, quando realmente o homem começa a entender as limitações do seu saber e vai de encontro ao absoluto."

Poesias Eternas

As Grandes Horas E A Antiga Vigília

 

Distribuição da Poesia

 

O Poeta Diante de Deus

 

Tarde Oculta No Tempo

 

 


As Grandes Horas e a Antiga Vigília

A multidão era imensa
e a voz começa a dizer
que não podia falar na primeira pessoa,
que os poetas eram inúmeros na terra.
E todos se entreolharam e viram que eram poetas.
Todos tinham sido humilhados, todos tinham sido roubados, todos tinham setas no lado esquerdo do corpo.
E já era de tarde e todos aqueles poetas cantaram
a Véspera do Senhor.E a noite chegou e todos aqueles poetas ficaram acordados escutando as grandes horas e esperando na antiga vigília.

E o galo cantou : e milhões e milhões de sirenas 
De fábricas cantaram matinas. E o dia acordou .E todos aqueles poetas viram o Dia subir. E subira, com o Dia.
E cantaram Laudes ao Senhor.

  

                        (Jorge de Lima)
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Distribuição da Poesia

Mel silvestre tirei das plantas,

sal tirei das águas, luz tirei do céu.

Escutai, meus irmãos : poesia tirei de tudo

para oferecer ao Senhor.

Não tirei ouro da terra

nem sangue de meus irmãos.

Estalajadeiros e banqueiros

Sei fabricar distâncias

para vos recuar.

A vida está malograda,

creio nas mágicas de Deus.

Os galos não cantam,

a manhã não raiou.

Vi os navios irem e voltarem.

Vi os infelizes irem e voltarem.

Vi homens obesos dentro do fogo.

Vi ziguezagues na escuridão.

Capitão-mor, onde é o Congo?

Onde é a ilha de São Brandão?

Capitão-mor, que noite escura!

Uivam molossos na escuridão.

Ó indesejáveis, qual o país,

qual o país que desejais?

Me silvestre tirei das plantas,

sal tirei das águas, luz tirei do céu.

Só tenho poesia para vos dar.

Abancai-vos, meus irmãos.

  

                        (Jorge de Lima)
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O POETA DIANTE DE DEUS



Senhor Jesus, o século está pobre.

Onde é que vou buscar poesia?

Devo despir-me de todos os mantos,

os belos mantos que o mundo me deu.

Devo despir o manto da poesia.

Devo despir o manto mais puro.

Senhor Jesus, o século está doente,

o século está rico, o século está gordo.

Devo despir-me do que é belo,

devo despir-me da poesia,

devo despir-me do manto mais puro

que o tempo me deu, que a vida me dá.

Quero leveza no vosso caminho.

Até o que é belo me pesa nos ombros,

até a poesia acima do mundo,

acima do tempo, acima da vida,

me esmaga na terra, me prende nas coisas.

Eu quero uma voz mais forte que o poema,

mais forte que o inferno, mais dura que a morte :

eu quero uma força mais perto de Vós.

Eu quero despir-me da voz e dos olhos,

dos outros sentidos, das outras prisões,

não posso Senhor : o tempo está doente.

Os gritos da terra, dos homens sofrendo

me prendem, me puxam ­ me daí Vossa mão.


  

                        (Jorge de Lima)
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TARDE OCULTA NO TEMPO


Andarilho sem destino reparou então

que seus sapatos tinham a poeira diferente

de todas as pátrias pitorescas;

e que seus olhos conservavam as noites e os dias

dos climas mais vários do universo;

e que suas mãos se agitaram em adeuses

a milhares de cais sem saudades e amigos;

e que todo o seu corpo tinha conhecido

as mil mulheres que Salomão deixou.

E o andarilho sem destino viu

que não conhecia a Tarde que está oculta no tempo

sem paisagens terrenas, sem turismos, sem povos,

mas com a vastidão infinita onde os horizontes

são as nuvens que fogem.

  

                        (Jorge de Lima)

 

 

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