A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Biografia

 

1920-1999

 

Brasil Brasil

João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife (Brasil), a 9 de Janeiro de 1920, no seio de uma família tradicional com raízes antigas em Pernambuco e na Paraíba. Pelo lado do pai era descendente de António Moraes e Silva, autor do famoso dicionário da língua portuguesa. Entre os seus parentes contam-se outras figuras prestigiadas da cultura brasileira, nomeadamente o poeta Manuel Bandeira e o autor de "Casa Grande e Senzala", Gilberto Freyre. Passou a infância em engenhos de açucar e fez os seus estudos no Recife com os Irmãos Maristas. Em 1945 ingressou na carreira diplomática, tendo prestado serviço em numerosos países. Durante algum tempo foi mesmo Embaixador do Brasil em Lisboa. Em 10 de Junho de 1998 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, pelo presidente português Jorge Sampaio. A produção poética de 1940 a 1965 foi reunida num volume de "Poesias Completas". Desses textos o mais conhecido é certamente Morte e Vida Severina, que tem como subtítulo "auto de natal pernambucano"

Poesias Eternas

Severino Retirante

A Carlos Drummond de Andrade

Vosso Filho é Nascido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SEVERINO RETIRANTE

O meu nome é Severino, 
não tenho outro de pia. 
Como há muitos Severinos, 
que é santo de romaria, 
deram então de me chamar 
Severino de Maria; 
como há muitos Severinos 
com mães chamadas Maria, 
fiquei sendo o da Maria 
do finado Zacarias. 
Mas isso ainda diz pouco: 
há muitos na freguesia, 
por causa de um coronel 
que se chamou Zacarias 
e que foi o mais antigo 
senhor desta sesmaria. 
Como então dizer quem fala 
ora a Vossas Senhorias? 
Vejamos: é o Severino 
da Maria do Zacarias, 
lá da serra da Costela, 
limites da Paraíba. 
Mas isso ainda diz pouco: 
se ao menos mais cinco havia 
com nome de Severino 
filhos de tantas Marias 
mulheres de outros tantos, 
já finados, Zacarias, 
vivendo na mesma serra 
magra e ossuda em que eu vivia. 
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo na vida: 
na mesma cabeça grande 
que a custo é que se equilibra, 
no mesmo ventre crescido 
sobre as mesmas pernas finas, 
e iguais também porque o sangue 
que usamos tem pouca tinta. 
E se somos Severinos 
iguais em tudo na vida, 
morremos de morte igual, 
mesmo morte severina: 
que é a morte de que se morre 
de velhice antes dos trinta, 
de emboscada antes dos vinte, 
de fome um pouco por dia 
(de fraqueza e de doença 
é que a morte severina 
ataca em qualquer idade 
e até gente não nascida). 
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo e na sina: 
a de abrandar estas pedras 
suando-se muito em cima, 
a de tentar despertar 
terra sempre mais extinta, 
a de querer arrancar 
algum roçado da cinza. 
Mas, para que me conheçam 
melhor Vossas Senhorias 
e melhor possam seguir 
a história de minha vida, 
passo a ser o Severino 
que em vossa presença emigra. 


  

                        (João Cabral de Melo Neto)

topo

 

 

 

 

A Carlos Drummond de Andrade

 

Não há guarda-chuva

contra o poema

subindo de regiões onde tudo é surpresa

como uma flor mesmo num canteiro.

 

Não há guarda-chuva

contra o amor

que mastiga e cospe como qualquer boca,

que tritura como um desastre.

 

Não há guarda-chuva

contra o tédio:

o tédio das quatro paredes, das quatro

estações, dos quatro pontos cardeais.

 

Não há guarda-chuva

contra o mundo

cada dia devorado nos jornais

sob as espécies de papel e tinta. 

 

Não há guarda-chuva

contra o tempo,

rio fluindo sob a casa, correnteza

carregando os dias, os cabelos.

 

 (Poema enviado por Clizete Araújo)

topo

 

Vosso Filho é Nascido

 

Compadre José, compadre,

que na relva estais deitado.

Conversais e não sabeis

que vosso filho é chegado?

Estais aí conversando

em vossa prosa entertida.

Não sabeis que vosso filho

saltou para dentro da vida?

Saltou para dentro da vida

ao dar seu primeiro grito.

E estais aí conversando!

Pois sabei que ele é nascido.

topo

Brasil Voltar para Poetas do Brasil

 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

1