HILDA
HILST
Biografia 1930
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Poesias Eternas
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E por que haverias de
querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas,
deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era
assim que gostávamos.
Mas não menti gozo
prazer lascívia
Nem omiti que a alma está
além, buscando
Aquele Outro. E te
repito: por que haverias
De querer minha alma na
tua cama?
Jubila-te da memória de
coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo.
Obriga-me.
(Do Desejo - 1992)
Colada à tua boca a
minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se
fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas
descomedida
Árdua
Construtor de ilusões
examino-te sôfrega
Como se fosses morrer
colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à
luz do amanhecer.
( Do Desejo - 1992)
Que canto há de cantar o
que perdura?
A sombra, o sonho, o
labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa,
o grito.
Que mitos, meu amor,
entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão
finito
E o que pensas amor é
muito mais.
Como cobrir-te de pássaros
e plumas
E ao mesmo tempo te dizer
adeus
Porque imperfeito és
carne e perecível
E o que eu desejo é luz
e imaterial.
Que canto há de cantar o
indefinível?
O toque sem tocar, o
olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada
dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca
merecer?
(Do Desejo - Campinas, SP: Pontes, 1992.)
Que Este Amor Não Me Cegue Nem Me Siga
Que este amor não me
cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se
aperceba.
Que me exclua de estar
sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber
estar sendo.
Que o olhar não se perca
nas tulipas
Pois formas tão
perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das
trevas.
E o meu Senhor habita o
rutilante escuro
De um suposto de heras em
alto muro.
Que este amor só me faça
descontente
E farta de fadigas. E de
fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E
diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas
e formigas.
Que este amor só me veja
de partida.
Trovas De Muito Amor Para Um Amado
Senhor
Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso caminho.
Dizeis que tenho
vaidades.
E que no vosso entender
Mulheres de pouca idade
Que não se queiram
perder
É preciso que não
tenham
Tantas e tais veleidades.
Senhor, se a mim me
acrescento
Flores e renda, cetins,
Se solto o cabelo ao
vento
É bem por vós, não por
mim.
Tenho dois olhos
contentes
E a boca fresca e rosada.
E a vaidade só consente
Vaidades, se desejada.
E além de vós
Não desejo nada.
(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]:
INL, 1980.)
Se te pareço noturna e
imperfeita
Olha-me de novo. Porque
esta noite
Olhei-me a mim, como se
tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que
é o rio
E deslizando apenas, nem
tocar a margem.
Te olhei. E há tanto
tempo
Entendo que sou terra. Há
tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água
mais fraterno
Se estenda sobre o meu.
Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com
menos altivez.
E mais atento.
(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]:
INL, 1980.)
Antes que o mundo acabe,
Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço
israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se
acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) -
Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.