A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

DARCY DAMASCENO

Biografia

1922

Brasil Brasil

Darcy Damasceno dos Santos nasceu em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, em 2 de agosto de 1922.

Obra poética: Poemas, 1946; Fábula Serena, 1949; A Vida Breve seguida de O Pajem Constante, 1951; Jogral Caçurro e Outros Poemas, 1958.

 

Poesias Eternas

 

I

II

Canção Atrevida

A Dama

O Encontro

Luna Marena

Morrer de Amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- I -

 

Minha mãe, quando eu morrer,

Vai dizer que foi dos versos

Que morri, que foi dos versos...

Olhando os olhos defuntos

Nas órbitas fundas enxutas:

bulletDos versos, que era poeta...

E no avesso de minha alma

(Nem verso pôde contar)

O luto que ando vestindo...

Mãe, agora só te peço:

Vai pedir que falem baixo,

Quando a minha dor passar...

topo

 

 

- II -

 

Ao vento a mais alta, aquela

Que ao vento se arredonda.

A que acelera

A quilha que roça a onda.

Ao vento aquela, a mais larga

Que contra o céu se estende.

A que só cabe

Na extensão que não se entende.

Ao vento aquela, a curtida

Numa viagem funesta.

A que Deus mira

E colhe o que dela resta.

topo

 

 

 

Canção Atrevida

 

Na casa em frente ( à janela

Há flores, mas nem todo o ano)

Morava, morou ninguém,

Alto colo de cambraia

Para lá do cortinado

Encardido, mas aquém

Do meu desejo. Ignorou-me,

Em seu desprezo; em meu sonho,

Outrora, foi ela quem,

Felina sombra ciosa,

Mordeu em fúrias de estio

Os lençóis; o seu desdém,

Lançou-o à rua. Consente

Minha lembrança lembrá-la

Na casa em frente, porém

Alto colo, toda nua,

Toda pura entre cambraias.

Noutro tempo foi meu bem.

topo

 

 

 

A Dama

 

Era dama, eu não sabia,

Pois tratava-a por princesa.

Sabia, sim, mas fazia

Como se não, porque à mesa

Donde deserta a alegria,

Se dois bebem, a tristeza

Se aventura em companhia.

Era dama, eu bem sabia,

Mas a queria princesa,

Porque em seu silêncio havia

Algo tirante a nobreza

E o meu silêncio dizia

Que, se bebem dois à mesa,

Algo além da carne os lia.

Era dama, e consentia

No rosto a frágil firmeza

De quem não quer, não queria,

Mas quisera, com certeza,

Se soubesse que eu sabia

Que era dama, embora presa

Do triste que me prendia.

De princesa presumia

Porque éramos dois à mesa

E entre nós e a carne havia

Algo tocante a tristeza,

Que, no silêncio, acendia

A lâmpada da surpresa

E ante a mulher me inibia.

topo

 

 

 

O Encontro

 

- Por que tremes? (A mão arde

No braço do adolescente.)

- A senhora é tão bonita!

- Mas tu só viste o meu rosto

Na sombra e só conheceste

O corpo sob o vestido...

- Parece o rosto de tia

Mariana e o corpo dela,

Quando se encostava em mim.

Me olhava às vezes nos olhos,

Alisando assim meus braços.

- Meu louco! Meu pobre louco!

- Eu então pensava coisas,

Mas depois tinha vergonha.

- Tão moço! Por que não amas

As moças de tua idade?

- A senhora é tão bonita!

- Se eu te mostrasse meu corpo,

Vai ver tu ficavas triste.

Ainda que te lembrasse

O corpo de alguma moça

Que foi tua namorada,

Ou mesmo o da tua tia

Solteirona... Mas vai ver,

Tu ficavas com vergonha...

- É igualzinho ao da tia

Mariana... com vestido...

(Queimava a boca ensaiada

No rosto do adolescente,

Como a de tia Mariana

Quando o beijava na boca.)

- Se eu já não fosse uma velha,

Tu serias meu amante.

(Tremia o moço, colado

Ao corpo de Mariana

E tremia a prostituta,

Colada ao corpo do moço.)

- A senhora é tão bonita!

- Mas também eras meu filho:

Te penteava, arrumava

Direitinho, como as mães,

E havia de ter ciúme

Das moças que namorasses.

- Eu não tenho namorada.

- Gostas de mim, meu benzinho?

(A mão alisava as costas

E era dolorido e bom

Aquele frio na espinha.)

- A senhora é tão bonita!

- Hoje vais dormir comigo.

Vais ver meu corpo sem roupa...

- Estou com pouco dinheiro...

- Ninguém te pediu dinheiro.

Sobe comigo, se queres.

Mas em silêncio. Cuidado,

Não tropeces nos degraus.

topo

 

 

Morrer de Amor

 

Tanto crepe fora pouco

Para o céu daquele dia.

Tanto sol em suas bocas

E dizer que se morriam!

Um lábio de azul e cinza

Roçava a palha do dia,

Quando foram de mãos dadas

Pela estrada amanhecida,

A ver o vale vizinho

Donde era a sombra sumida

E onde o amor todo se inflama

Num perene meio-dia.

Em silêncio caminharam

- E que sol dentro lhes ia!

Entanto, o sol era crepe

Como o sol fora, no dia...

- Quando chegue, Deus me guarde

De lembrança de família.

Fique o pai com seu tesouro,

Minha mãe com suas filhas.

- Quando a estrada chegue ao alto,

Hás-de ver que maravilha!

Tudo é mar em derredor

E sobre ele assenta o dia!

Depois, quando vai descendo,

Vem o vale com a igrejinha

E, verde, o campo de golfe.

- Aperta tua mão na minha...

- Tens medo, amor?  não foi nada.

Mas senti como se um dia

Eu tivesse estado assim,

E tomou-me um calafrio...

Nunca vi jogarem golfe.

- Descansa, amor. Quando aliso

Teus cabelos, um soluço

Fica preso dentro em mim,

E um desejo de chorar

Beijando teus olhos, minhas

Mãos te apertando a cintura...

- Também sempre entristecia,

Quando devia alegrar-me.

Mas tudo vem a seu dia.

- Não lembres mais. Nosso amor

É só o que importa. Este dia

Vai ser nosso a vida inteira,

Que agora é que principia.

- Abraça minha cintura,

Que é mais suave a subida.

Salsa língua de ouro e níquel

Lambia o lábio da fina

Areia, quando desceram

Pela estrada que esplendia,

Chegando ao vale onde a sombra

Era memória abolida

E à fronde do amor inflama-se

A criatura consentida.

No campo verde, os ingleses

Jogavam, passando a vida,

E pela praia passavam

Árdegas éguas sem brida,

Enquanto o pai recontava

Esmeraldas e safiras.

E quando em veludos verdes

Os diamantes mais ardidos

Rolaram, o amor aos ares

Alçou-se, de sob a vide.

topo

 

 

 

Luna Marena

 

Luna Marena, irmã dos anjos, prostituta esplêndida,

Em que outono se aplaca a ânsia de amar, de amar,

A paixão, casto fogo, a entrega leal?

Rude amavas, como quem ia morrer amanhã

Sôfrega e lúcida amavas, e naquela primavera

Só teu corpo floriu e ardeu extenuado recobrava sempre

A inocência selvagem do primeiro amor.

Amaste toda a primavera, e maio com realejos e altas nuvens

Debruçou-se à tua janela fatigado, água e fogo eras tu,

Deslumbrada!

topo

Brasil Voltar para Poetas do Brasil

 

 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

1