A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

Cruz e Souza

Biografia

1861-1898

Brasil Brasil

     Cruz e Souza nasceu em 24 de novembro de 1861, na cidade de Nossa Senhora do Desterro, conhecida atualmente por Florianópolis ­ capital do estado de Santa Catarina. Seu pai, Guilherme, era escravo e a sua mãe, Carolina, era lavadeira. Por isso, foi criado como filho adotivo na casa do Marechal Guilherme Xavier e Sousa.
      Seus estudos foram realizados no Ateneu Provincial Catarinense, onde se destacou como aluno nas disciplinas de Grego, Latim, Inglês, Francês, Português, Matemática e Ciências Naturais. Já nessa época denotava gosto pela palavra, através do estudo de diversas línguas.
      Aos dezesseis anos, Cruz e Sousa dava aulas particulares e já publicava artigos em jornais de sua terra. Porém, ele foi hostilizado pelo ambiente racista e provinciano que reinava na sociedade. Apesar de filho adotivo, sua origem verdadeira era motivo para a marginalização. Assim, aos vinte anos, embarcou em um navio. Durante dois anos, incorporado a uma companhia teatral, realizou conferências abolicionistas em várias capitais, do Rio Grande do Sul ao norte do País.
      A Vida Longe da Terra Natal
      Em 1884, aos 23 anos, é nomeado promotor para a cidade de Laguna ­ também em Santa Catarina, mas não consegue tomar posse do cargo por devido à pressão racista de alguns políticos da região. Depois deste incidente, aos vinte e cinco anos, o poeta tem um caso amoroso com uma pianista loura que lhe inspira vários poemas. Em 1890, Cruz e Sousa muda-se definitivamente para o Rio de Janeiro. No ano seguinte, forma com outros poetas o grupo "Os Novos", todos adversários dos parnasianos e conhece Gavita, uma costureira negra.
      Em 1893, publica Missal ­ textos em prosa poética - e Broquéis ­ poemas ­ que iniciam oficialmente o Simbolismo no Brasil. Neste ano, casa-se com Gavita.
      Mas, as coisas não vão bem para Cruz e Sousa. As dificuldades financeiras, a loucura da mulher, o falecimento do pai em Santa Catarina formam um acúmulo de preocupações que abatem o poeta e, ao mesmo tempo, dão-lhe subsídios para escrever belíssimos poemas.
      É o processo da "sublimação" que caracteriza sua obra.
      Aos trinta e seis anos é atacado pela tuberculose, doença comum entre os poetas, que o faz mergulhar na mais dolorosa miséria física e moral. Cruz e Sousa tinha pavor da morte. Mas a amizade do poeta paranaense Nestor Vítor, ameniza os sofrimentos do simbolista.
      No ano de 1898, o Brasil inteiro se comove com a doença, a pobreza e o desamparo deplorável em que se encontra Cruz e Sousa. Diversos jornais promovem listas para arrecadar dinheiro em seu favor. Enquanto isso, o medo da morte que continua assombrando o poeta, é o que mais inspira os seus últimos poemas.
      Grávida do quarto filho de Cruz e Sousa, Gavita acompanha o poeta na viagem que faz a Sítio, em busca de saúde. Mas, três dias após a chegada, Cruz e Sousa falece ­ 19/03/1898 ­
aos 36 anos de idade, vítima da tuberculose, da pobreza e, principalmente, do racismo e da incompreensão. Seu corpo é trazido para o Rio de Janeiro.

Poesias Eternas

Acrobata da Dor

Ângelus

O Grande Momento

Oração ao Mar

Som

Sinfonias do Ocaso

 
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ÂNGELUS



Um sol em sangue alastra, mancha prodigiosamente
o luxuoso e largo damasco do Firmamento.
Opulentos, riquíssimos esplendores de púrpurasluminosas 
dão uma glória sideral à tarde.

E, pela sugestão cultual, quase religiosa da hora
os deslumbrantes efeitos escarlates do grande astro
que desce, de envolta com douramentos faustosos,
fazem lembrar a magnificência romana, a ritual
majestade dos Papas, um festivo desfilar católico de 
bispos e cardeais, através dos resplandecentes vitrais
do Vaticano, com os báculos e as mitras altas,
sob os pálios aurilavrados.
  

                        Cruz e Souza
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ORAÇÃO AO MAR



Ó Mar! Estranho Leviatã verde! Formidável pássaro
selvagem, que levas nas tuas asas imensas, através
do mundo, turbilhões de pérolas e turbilhões
de músicas!


Órgão maravilhoso de todos os nostalgismos, 
de todas as plangências e dolências...
Mar! Mar azul! Mar de ouro! Mar glacial!
Mar das luas trágicas e das luas serenas, meigas, 
como castas adolescentes! Mar dos sóis purpurais,
sangrentos, dos nababescos ocasos rubros! No teu
seio virgem, de onde derivam as correntes cristalinas
da Originalidade, de onde procedem os rios largos e
claros do supremo vigor, eu quero guardar, vivos,
palpitantes, estes Pensamentos, como tu guardas 
os corais e as algas. 

Nessa frescura iodada, nesse acre e ácido salitre
Vivificante, Eles se perpetuarão, sem mácula, à saúde
Das tuas águas mucilaginosas onde geram-se prodígios
Como de uma luz imortal fecundadora.

  

                        Cruz e Souza
 
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SOM

Trago todas as vibrações da rua, por um dia de
sol, quando uma elétrica corrente de movimento 
circula no ar...

Mas, de todas as vibrações recolhidas, só me ficou,
vivendo a música do som no ouvido deliciado,
a canção da tua voz, que eu no ouvido guardo,
para sempre conservo, como um diamante dentro
de um relicário de ouro.

Cá está, cá a sinto harmonizar, alastrar em som
o meu corpo todo, como flexuosa serpente ideal,
a tua clara voz de filtro luminoso, magnético,
dormente como um ópio...

Muitas vezes, por noite em que as estrelas
Marchetam o céu, tenho pulsado à sensação de notas 
errantes, de vagos sons que as aragens trazem.

As fundas melancolias que as estrelas e a noite
Fazem descer pelo meu ser, da amplidão silenciosa
do firmamento, dão-me à alma abstratas suavidades,
vaporosos fluidos, sinfonias solenes, misticismos,
ondas imensas de inaudita sonoridade.
  

                        Cruz e Souza

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Sinfonias do Ocaso
                                                     
                            
Musselinosas como brumas diurnas
descem do ocaso as sombras harmoniosas, 
sombras veladas e musselinosas 
para as profundas solidões noturnas.  
Sacrários virgens, sacrossantas urnas, 
os céus resplendem de sidéreas rosas, 
da Lua e das Estrelas majestosas 
iluminando a escuridão das furnas.  
Ah! por estes sinfônicos ocasos 
a terra exala aromas de áureos vasos, 
incensos de turíbulos divinos.
Os plenilúnios mórbidos vaporam ...
E como que no Azul plangem e choram 
cítaras, harpas, bandolins, violinos ...
 
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O Grande Momento
 
 
Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
os Dons que vão te consagrar Artista.
 
Toda uma Esfera te deslumbra a vista, 
os ativos sentidos requintados.  
Céus e mais céus e céus transfigurados 
abrem-te as portas da imortal Conquista.
 
Eis o grande Momento prodigioso 
para entrares sereno e majestoso
num mundo estranho d'esplendor sidéreo.
 
Borboleta de sol, surge da lesma...
oh! vai, entra na posse de ti mesma, 
quebra os selos augustos do Mistério!

 

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Flor do Mar
                                                     
                            
És da origem do mar, vens do secreto, 
do estranho mar espumaroso e frio 
que põe rede de sonhos ao navio 
e o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
Possuis do mar o deslumbrante afeto, 
as dormências nervosas e o sombrio
e torvo aspecto aterrador, bravio
das ondas no atro e proceloso aspecto.
Num fundo ideal de púrpuras e rosas 
surges das águas mucilaginosas 
como a lua entre a névoa dos espaços... 
Trazes na carne o eflorescer das vinhas, 
auroras, virgens músicas marinhas, 
acres aromas de algas e sargaços...
 
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Acrobata da dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.

 

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