A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

CORA CORALINA

Biografia

1889-1985

Brasil Brasil

Cora Coralina nasceu em Goiás em 20/08/1889 e morreu em 10/04/1985.

Sua obra se caracteriza pela espontaneidade e pelo retrato que traça do povo do seu Estado, seus costumes e seus sentimentos. Utilizando-se de ricos jogos de palavras, comenta a própria vida (ou vidas) e sua terra natal, abordando temas profundos, mas com simplicidade.

 

Poesias Eternas

Das Pedras

Israel...Israel...

Todas as Vidas

Eu Voltarei

Mãe Didi

Meu Epitáfio

Não Conte Pra Ninguém

 

 

 

 

 

 

 

 

Das Pedras

 

Ajuntei todas as pedras

que vieram sobre mim.

Levantei uma escada muito alta

e no alto subi.

Teci um tapete floreado

e no sonho me perdi.

 

Uma estrada,

um leito,

uma casa,

um companheiro.

Tudo de pedra.

 

Entre pedras

cresceu a minha poesia.

Minha vida...

Quebrando pedras

e plantando flores.

 

Entre pedras que me esmagavam

Levantei a pedra rude

dos meus versos.

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Israel... Israel...

 

O débito universal

jamais quitado.

 

Perseguidos. Espoliados. Rejeitados.

Discriminados.Escravizados, Gaseados Redivivos.

 

Povo Heróico.

 

De tua crença indômita veio o Deus único.

De teu povo veio o Cristo.

Veio a Virgem Maria.

Vieram os Profetas.

Os evangelistas.

E os grandes ensinamentos dos Evangelhos.

 

No Decálogo orienta-se

toda a Civilização do Ocidente.

 

Ainda não existiam os códigos

dos povos civilizados e já os princípios imutáveis

da Lei e da Justiça estavam inseridos

nas páginas remotas do Pentateuco

e deles serve-se o Direito Contemporâneo.

 

Judeu, meu irmão.

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Meu Epitáfio

 

Morta... serei árvore

serei tronco, serei fronde

e minhas raízes

enlaçadas às pedras de meu berço

são as cordas que brotam de uma lira

 

Enfeitei de folhas verdes

a pedra de meu túmulo

num simbolismo

de vida vegetal

 

Não morre aquele

que deixou na terra

a melodia de seu cântico

na música de seus versos.

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Mãe Didi

 

Alguns perguntam pela minha vida, pelo embrião primário,

de como veio e se encontrou comigo a minha poesia,

a presença primeira do meu primeiro verso, eu respondo:

 

 

Ela cascateia há milênios.

Minha Poesia... Já era viva e eu, sequer nascida.

Veio escorrendo num veio longínquo de cascalho.

De pedra foi o meu berço.

De pedras têm sido meus caminhos.

Meus versos:

pedras quebradas no rolar e bater de tantas pedras.

 

Dura foi a vida que me fez assim. Dura, sem ternura.

Dolorida sem sentir a dor.

Ausente sem sentir a ausência.

Distante tateando na distância.

Tudo cruel. Todos cruéis.

Impiedosos.

 

Em torno, o abandono.

Aninha, a menina boba da casa.

 

Foi uma ex-escrava que me amamentou no seu seio fecundo.

Eram os  seus braços prazenteiros e generosos

que me erguiam, ainda rastejante, e

Aninha adormedia, ouvindo

estórias de encantamento.

 

Minha madrinha Fada...

Eu era Aninha Borralheira.

Era ela que me tirava da cinza

e me calçava sapatinhos de cristal.

Me vestia. Me carregava na Procissão.

Eu dormia na cadeirinha de seus braços.

E sonhava que era um anjo de verdade

aconchegada na nuvem macia do seu xaile.

 

Toda a melhor lembrança da minha puerícia distante

está ligada a essa antiga escrava.

 

No tarde da minha vida assento o seu nome na pedra rude

do meu verso: Mãe Didi.

 

Para você, Mãe Didi, esta página sem brilho

do Meu Livro de Cordel.

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Não Conte Pra Ninguém

 

Eu sou a velha

mais bonita de Goiás.

Namoro a lua.

Namoro as estrelas.

Me dou bem

com o rio Vermelho.

Tenho segredo

como os morros

que não é de adivinhá.

 

Sou do beco do Mingu,

sou do larguinho

do Rintintim.

 

Tenho um amor

que me espera

na rua da Machorra,

outro no Campo da Forca.

Gosto dessa rua

desde o tempo do bioco

e do batuque.

 

Já andei no Chupa Osso.

Saí lá no Zé Mole.

Procuro enterro de ouro.

Vou subir o Canta Galo

com dez roteiros na mão.

 

Se você quiser, moço,

vem comigo:

Vamos caçar esse ouro,

vamos fazer água --- loucos

no Poço da Carioca,

sair debaixo das pontes,

dar que falar

às bocas de Goiás.

 

Já bebi água do rio

na concha da minha mão.

Fui velha quando era moça.

Tenho a idade de meus versos.

Acho que assim fica bem.

Sou velha namoradeira.

Lancei a rede na lua,

ando catando as estrelas.

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Eu Voltarei

 

Meu companheiro de vida será um homem corajoso

                                  de trabalho,

servidor do póximo,

honesto e simples, de pensamentos limpos.

 

Seremos padeiros e teremos padarias.

Muitos filhos à nossa volta.

Cada nascer de um filho

será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.

A árvore de Paulo, a árvore de Manoel,

a árvore de Ruth, a árvorede Roseta.

 

Seremos alegres e estaremos sempre a cantar.

Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas

                                                    portas,

teremos uma fazenda e um Horto Florestal.

Plantaremos o mogno, o jacarandá,

o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.

Plantarei árvores para as gerações futuras.

 

Meus filhos plantarão o trigo e o milho, e serão padeiros.

Terão moinhos e serrarias e panificadoras.

Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens

e mulheres, ligados profundamente ao trablaho e à terra

                                que os ensinarei a amar.

 

E eu morrerei tranqüilamente dentro de um campo

                                    de trigo ou

milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.

Eu voltarei...

A pedra do meu túmulo

será enfeitada de espigas de trigo

e cereais quebrados

minha oferta póstuma às formigas

que têm suas casinhas subterra

e aos pássaros cantores

que têm seus ninhos nas altas e floridas

frondes.

 

Eu voltarei...

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Todas as Vidas

 

 

Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo...

 

Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho. Seu cheiro gostoso d'água e sabão. Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil. Sua coroa verde de são-caetano.

 

Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola. Quitute bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha. Cozinha antiga toda pretinha. Bem cacheada de picumã. Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal.

 

Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.

 

Vive dentro de mim a mulher roceira. - Enxerto de terra, Trabalhadeira. Madrugadeira. Analfabeta. De pé no chão. Bem parideira. Bem criadeira. Seus doze filhos, Seus vinte netos.

 

Vive dentro de mim a mulher da vida. Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada... Fingindo ser alegre seu triste fado.

 

Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida - a vida mera das obscuras.!

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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