A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

CHICO BUARQUE

Biografia

1944

Brasil Brasil

Poesias Eternas

Choro Bandido

Construção

Desencontro

Mar e Lua

Tanto Mar - 1ª versão 1975

Tanto Mar - 2ª Versão 1978

 

 

 

 

 

 

 

 

 Construção

Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se! fosse um pássaro

E se acbou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último

Beijou sua mulher como se fosse a única

E cada filho seu como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido

Agonizou no meio do passeio n! áufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contramão atrapalhando o sábado

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Desencontro

A tua lembrança me dói tanto

Que eu canto pra ver se espanto esse mal

Mas só sei dizer um verso banal

Canta você, fala em você, é sempre igual

 

Sobrou desse nosso desencontro

Um conto de amor, sem ponto final

Retrato sem cot, jogado aos meus pés

E saudades fúteis, saudades frágeis, meros papéis

 

Não sei se você ainda é a mesma

Ou se cortou o cabelo, rasgou o que é meu

Se ainda tem saudade, e sofre como eu...

Ou tudo já passou, já tem um novo amor, já me esqueceu.

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João e Maria

Agora, eu era o herói

E o meu cavalo só falava inglês

A noiva do cowboy

Era você além das outras três

 

Eu enfrentava o batalhões

Os alemães e seus canhões

Guardava o meu bodoque

E ensaiava o rock, para as matinês

 

Agora, eu era o rei

Era o bedel e era também juiz

E pela minha lei

A gente era obrigado a ser feliz

E você era a princesa que eu fiz coroar

Era tão linda, de se admirar

E andava nua pelo meu país

 

Não, não fuja não

Finja que agora eu era o seu brinquedo

Eu era o seu peão, o seu bicho preferido

Vem, me dê a mão

A gente agora já não tinha medo

No tempo da maldade, acho que a gente nem tinha nascido

 

Agora era fatal que o faz-de-conta terminasse assim

Pra lá desse quintal

Era uma noite que não tem mais fim

Pois você sumiu do mundo sem me avisar

E agora eu era um louco a perguntar:

-O que é que a vida vai fazer de mim?

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Mar e Lua

Amaram o amor urgente

As bocas salgadas pela maresia

As costas lanhadas pela tempestade

Naquela cidade

Distante do mar

Amaram o amor serenado

Das noturnas praias

Levantavam as saias

E se enluaravam de felicidade

Naquela cidade

Que não tem luar

Amavam o amor proibido

Pois hoje é sabido

Todo mundo conta

Que uma andava tonta

Grávida de lua

E outra andava nua

Ávida de mar

 

E foram ficando marcadas

Ouvindo risadas, sentindo arrepios

Olhando pro rio tão cheio de lua

E que continua

Correndo pro mar

E foram correnteza abaixo

Rolando no leito

Engolindo água

Boiando com as algas

Arrastando folhas

Carregando flores

E a se desmanchar

E foram virando peixes

Virando conchas

Virando seixos

Virando areia

Prateada areia

Com lua cheia

E à beira-mar

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Choro Bandido

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu

Serão bonitas, não importa

São bonitas as canções

Mesmo miseráveis os poetas

Os seus versos serão bons

Mesmo porque as notas eram surdas

Quando um deus sonso e ladrão

Fez das tripas a primeira lira

Que animou todos os sons

E daí nasceram as baladas

E os arroubos de bandidos como eu

Cantando assim:

Você nasceu para mim

Você nasceu para mim

 

Mesmo que você feche os ouvidos

E as janelas do vestido

Minha musa vai cair em tentação

Mesmo porque estou falando grego

Com sua imaginação

Mesmo que você fuja de mim

Por labirintos e alçapões

Saiba que os poetas como os cegos

Podem ver na escuridão

E eis que, menos sábios do que antes

Os seus lábios ofegantes

Hão de se entregar assim:

Me leve até o fim

Me leve até o fim

 

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso

São bonitas, não importa

São bonitas as canções

Mesmo sendo errados os amantes

Seus amores serão bons

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Tanto Mar

 

 

1975 (primeira versão)*

 

 

Sei que estás em festa, pá

Fico contente

E enquanto estou ausente

Guarda um cravo para mim

 

Eu queria estar na festa, pá

Com a tua gente

E colher pessoalmente

Uma flor do teu jardim

 

Sei que há léguas a nos separar

Tanto mar, tanto mar

Sei também quanto é preciso, pá

Navegar, navegar

 

Lá faz primavera, pá

Cá estou doente

Manda urgentemente

Algum cheirinho de alecrim

 

* Letra original,vetada pela censura; gravação editada apenas em Portugal, em 1975.

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Tanto Mar

 

1978 (segunda versão)

 

 

Foi bonita a festa, pá

Fiquei contente

E inda guardo, renitente

Um velho cravo para mim

 

Já murcharam tua festa, pá

Mas certamente

Esqueceram uma semente

Nalgum canto do jardim

 

Sei que há léguas a nos separar

Tanto mar, tanto mar

Sei também quanto é preciso, pá

Navegar, navegar

 

Canta a primavera, pá

Cá estou carente

Manda novamente

Algum cheirinho de alecrim

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