CASTRO ALVES
Biografia 1847-1871 Aos quatorze dias do mês de março, no ano de 1847, nasceu Antônio de Castro Alves, na fazenda Cabaceiras, a sete léguas da vila de Curralinho, hoje cidade de Castro Alves. Era filho do Dr. Antônio José Alves e D. Clélia Brasília da Silva Castro. Passou a infância no sertão natal, e em 54 iniciou os estudos na capital baiana. Aos dezesseis anos foi mandado para o Recife.
Ia completar os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito. A liberdade aos 16 anos é coisa perigosa.
O poeta achou a cidade insípida. |
Poesias Eternas
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A AMÉRICA E O LIVRO A América e o Livro Talhado para as grandezas, Pra crescer, criar, subir, O Novo Mundo nos músculos Sente a seiva do porvir. - Estatuários de colossos - Cansado doutros esboços, Disse um dia Jeová: "Vai, Colombo, abre a cortina Da minha eterna oficina... Tira a América de lá". Olhando em torno então brada: "Tudo marcha!...Ó grande Deus! As cataratas - pra terra, As estrelas - para os céus Lá, do pólo sobre as plagas, O seu rebanho de vagas Vai o mar apascentar... Eu quero marchar com os ventos, Com os mundos...c'os firmamentos!!!" E Deus responde - "Marchai!" Filhos do céu das luzes! Filhos da Grande Nação! Tereis um livro na mão: O livro esse audaz guerreiro Que conquista o mundo inteiro Sem nunca Ter Waterloo... Pólo de pensamentos, Que abrira a gruta dos ventos Donde a Igualdade voou! Por isso na impaciência Desta sede de saber, Como as aves do deserto As almas buscam beber... Oh, bendito o que semeia Livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar! O livro caindo n'alma É germe que faz a palma, É chuva que faz o mar. Bravo! A quem salva o futuro Fecundando a multidão!... Num poema amortalhada Nunca morre uma nação. Como Goeth moribundo Brada "Luz!", o Novo Mundo, Num brado de Briaréu... Luz! Pois, no vale e na serra... Que, se a luz rola na terra, Deus, colhe gênios no céu!...
(Castro Alves)
BOA NOITE Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora. A lua nas janelas bate em cheio. Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde... Não me apertes assim contra teu seio. Boa-noite!... E tu dizes - Boa-noite. Mas não mo digas assim por entre beijos... Mas não mo digas descobrindo o peito, - Mar de amor onde vagam meus desejos. Julieta do céu! Ouve... a calhandra. Já rumoreja o canto da matina. Tu dizes que eu menti? ...Pois é mentira... ... Quem cantou foi teu hálito, divina! Se a estrela d'Alva os derradeiros raios Derrama nos jardins do Capuleto, Eu direi, me esquecendo da alvorada: "É noite ainda em teu cabelo preto..." É noite ainda! Brilha na cambraia - Desmanchando o roupão, a espádua nua O globo de teu peito, entre os arminhos Como entre as névoas se balouça a lua... É noite, pois! Durmamos, Julieta! Rescende a alcova aos trescalar das flores, Fechemos sobre nós estas cortinas... - São as asas do arcanjo dos amores. A frouxa luz da alabastrina lâmpada Lambe voluptuosa os teus contornos... Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos Ao doudo afago de meus lábios mornos.
(Castro Alves)
MOCIDADE E MORTE Oh! Eu quero viver, beber perfumes Na flor silvestre que embalsama os ares; Ver minha alma adejar pelo infinito, Qual branca vela na amplidão dos mares. No seio da mulher há tanto aroma... Nos seus beijos de fogo há tanta vida... - Árabe errante, vou dormir à tarde À sombra fresca da palmeira erguida. Mas uma voz responde-me sombria : Terás o sono sob a lájea fria. Morrer... quando este mundo é um paraíso, E a alma um cisne de douradas plumas: Não! O seio da amante é um lago virgem... Quero boiar à tona das espumas... Vem! Formosa mulher camélia pálida, Que banharam de pranto as alvoradas, Minha alma é a borboleta, que espaneja O pó das asas lúcidas, douradas... E a mesma voz repete-me terrível, Com gargalhar sarcástico: - Impossível! Do sepulcro escutando triste grito Sempre, sempre bradando-me : Maldito! E eu morro, ó Deus! na aurora da existência, Quando a sede e o desejo em nós palpita... Levei aos lábios o dourado pomo, Mordi o fruto podre do Asfaltita. No triclínio da vida novo Tântalo O vinho do viver ante mim passa... Sou dos convivas da legenda hebraica, O estilete de deus quebra-me a taça. É que até minha sombra é inexorável, Morrer! Morrer! Soluça-me implacável. Adeus, pálida amante dos meus sonhos! Adeus, vida! Adeus, glória! Amor! Anelos! Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga Os prantos de meu pai nos teus cabelos. Fora louco esperar, fria rajada Sinto que do viver me extingue a lampa... Resta-me agora por futuro a terra, Por glória nada, por amor - a campa. Adeus!... arrasta-me uma voz sombria. Já me foge a razão da noite fria!... (Castro Alves)
O ADEUS DE TERESA A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos gritos seus... E amamos juntos... E depois na sala "Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala... E ela, corando, murmurou-me: " Adeus". Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... E da alcova saía um cavalheiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... Era a pálida Teresa! "Adeus" lhe disse conservando-a presa... E ela entre beijos murmurou-me : "Adeus!" Passaram tempos ... séculos de delírio Prazeres divinais... gozos do Empírio... Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse - "Voltarei!... descansa!..." Ela, chorando mais que uma criança. Ela em soluços murmurou-me: "Adeus!" Quando voltei...era o palácio em festa!... E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa!... E ela arquejando murmurou-me: "Adeus!"
(Castro Alves)
O LAÇO DE FITA Não sabes, criança? Estou louco de amores... Prendi meus afetos, formosa Pepita. Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?! Não rias, prendi-me Num laço de fita. Na selva sombria de tuas madeixas, Nos negros cabelos de moça bonita, Fingindo a serpente que enlaça a folhagem Formoso enroscava-se O laço de fita. Meu ser, que voava nas luzes da festa, Qual o pássaro bravo, que os ares agita, Eu vi de repente cativo, submisso Rolar prisioneiro Num laço de fita. E agora enleada na tênue cadeia Debalde minha alma se embate, se irrita... O braço, que rompe cadeias de ferro, Não quebra teus elos, Ó laço de fita!
(Castro Alves)
OS TRÊS AMORES I Minh'alma é como a fronte sonhadora Do louco bardo, que Ferrara chora. Sou Tasso! ... a primavera de teus risos De minha vida as solidões enflora... Longe de ti eu bebo os teus perfumes, Sigo na terra de teu passo os lumes... - Tu és Eleonora... II Meu coração desmaia pensativo, Cismando em tua rosa predileta, Sou teu pálido amante vaporoso, Sou teu Romeu ... teu lânguido poeta!... Sonho-te às vezes virgem... seminua... Roubo-te um casto beijo à luz da lua... E tu é Julieta... III Na volúpia das noites andalusas O sangue ardente em minhas veias rola... Sou D. Juan! ... Donzelas amorosas, Vós conheceis-me os trenos na viola! Sobre o leito do amor teu seio brilha... Eu morro, se desfaço-te a mantilha... Tu és Julia, a espanhola!...
(Castro Alves)
VOZES D'ÁFRICA Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?... Qual Prometeu tu me amarraste um dia Do deserto na rubra penedia — Infinito: galé! ... Por abutre — me deste o sol candente, E a terra de Suez — foi a corrente Que me ligaste ao pé... O cavalo estafado do Beduíno Sob a vergasta tomba ressupino E morre no areal. Minha garupa sangra, a dor poreja, Quando o chicote do simoun dardeja O teu braço eternal. Minhas irmãs são belas, são ditosas... Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas Dos haréns do Sultão. Ou no dorso dos brancos elefantes Embala-se coberta de brilhantes Nas plagas do Hindustão. Por tenda tem os cimos do Himalaia... Ganges amoroso beija a praia Coberta de corais ... A brisa de Misora o céu inflama; E ela dorme nos templos do Deus Brama, — Pagodes colossais... A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ... A mulher deslumbrante e caprichosa, Rainha e cortesã. Artista — corta o mármor de Carrara; Poetisa — tange os hinos de Ferrara, No glorioso afã! ... Sempre a láurea lhe cabe no litígio... Ora uma c'roa, ora o barrete frígio Enflora-lhe a cerviz. Universo após ela — doudo amante Segue cativo o passo delirante Da grande meretriz. .................................... Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada Em meio das areias esgarrada, Perdida marcho em vão! Se choro... bebe o pranto a areia ardente; talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! Não descubras no chão... E nem tenho uma sombra de floresta... Para cobrir-me nem um templo resta No solo abrasador... Quando subo às Pirâmides do Egito Embalde aos quatro céus chorando grito: "Abriga-me, Senhor!..." Como o profeta em cinza a fronte envolve, Velo a cabeça no areal que volve O siroco feroz... Quando eu passo no Saara amortalhada... Ai! dizem: "Lá vai África embuçada No seu branco albornoz. . . " Nem vêem que o deserto é meu sudário, Que o silêncio campeia solitário Por sobre o peito meu. Lá no solo onde o cardo apenas medra Boceja a Esfinge colossal de pedra Fitando o morno céu. De Tebas nas colunas derrocadas As cegonhas espiam debruçadas O horizonte sem fim ... Onde branqueia a caravana errante, E o camelo monótono, arquejante Que desce de Efraim ....................................... Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É, pois, teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor?... E que é que fiz, Senhor? que torvo crime Eu cometi jamais que assim me oprime Teu gládio vingador?! ........................................ Foi depois do dilúvio... um viadante, Negro, sombrio, pálido, arquejante, Descia do Arará... E eu disse ao peregrino fulminado: "Cão! ... serás meu esposo bem-amado... — Serei tua Eloá. . . " Desde este dia o vento da desgraça Por meus cabelos ululando passa O anátema cruel. As tribos erram do areal nas vagas, E o Nômada faminto corta as plagas No rápido corcel. Vi a ciência desertar do Egito... Vi meu povo seguir — Judeu maldito — Trilho de perdição. Depois vi minha prole desgraçada Pelas garras d'Europa — arrebatada — Amestrado falcão! ... Cristo! embalde morreste sobre um monte Teu sangue não lavou de minha fronte A mancha original. Ainda hoje são, por fado adverso, Meus filhos — alimária do universo, Eu — pasto universal... Hoje em meu sangue a América se nutre Condor que transformara-se em abutre, Ave da escravidão, Ela juntou-se às mais... irmã traidora Qual de José os vis irmãos outrora Venderam seu irmão. Basta, Senhor! De teu potente braço Role através dos astros e do espaço Perdão p'ra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito... escuta o brado meu lá no infinito, Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
GUILHERME DE CASTRO ALVES
Na Cordilheira altíssima dos Andes
Os Chimborazos solitários, grandes
Ardem naquelas hibernais regiões.
Ruge embalde e fumega a solfatera...
É dos lábios sangrentos da cratera
Que a avalanche vacila aos furacões.
A escória rubra com os geleiros brancos
Misturados resvalam pelo francos
Dos ombros friorentos do vulcão...
.................................
Assim, Poeta, é tua vida imensa,
Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença...
E são lavas lá dentro o coração.
A pomba d'aliança o vôo espraia
Na superfície azul do mar imenso,
Rente... rente da espuma já desmaia
Medindo a curva do horizonte extenso...
Mas um disco se avista ao longe... A praia
Rasga nitente o nevoeiro denso!...
Ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba forasteira! ...
Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...
O mar atira-lhe a saliva amarga,
O céu lhe atira o temporal de inverno. . .
O triste verga à tão pesada carga!
Quem abre ao triste um coração paterno?...
É tão bom ter por árvore — uns carinhos!
É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!
Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito!
Que importa? De uma cruz ao longe os braços
Vejo abrirem-se ao mísero precito...
Os túmulos dos teus dão-te regaços!
Ama-te a sombra do salgueiro aflito...
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste
Traz-me no bico um ramo de... cipreste!
ESPUMAS FLUTUANTES
ERA U'A MÃO de luxo... Era um brinquedo!...
Mas tão bonita que metera medo,
Se não fosse, meu Deus! tão meiga e franca!
Mão p'ra se encher de gemas e brilhantes,
De suspiros, de anelos palpitantes...
Mas p'ra estalar as jóias e os amantes...
Aquela mão tão branca!
Era u'a mão fidalga... exígua, escassa!
Mão de Duquesa! Era u'a mão de raça
De sangue azul, em veios de Carrara!
Alva, tão alva que vencia a idéia
Das neblinas, dos gelos e da garça!...
Amassada no leite de Amaltéia
Aquela mão tão rara!
Tinha um gesto de musa! — Mão que voa,
Que do piano na ideal lagoa,
As asas banha em rapidez não vista!...
Como a andorinha que se arroja à toa,
Cruzando em beijos a extensão das teclas!
Acendendo no seio a luz dos Eclas...
Aquela mão de artista!
Mão de criança! Era u'a mão de arminhos,
Tendo essas covas, esses alvos ninhos,
De aves que a terra desconhece ainda!
Lembrando as conchas dos parcéis marinhos,
A polpa branca dos nascentes lírios...
Covas... porque se enterram mil delírios
Naquela mão tão linda!
No teatro, uma noite, casta, esquiva,
Na luva de pelica a mão cativa,
Recordava um eclipse de lua...
Mas um momento após, deixando o guante,
Vi salvar-se da espuma, rutilante,
Como Vênus despida e palpitante,
Aquela mão tão nua!
Era uma régia mão! Que largas vezes
Sonhei torneios, morriões, arneses,
Bravos ginetes de nevada crina,
Justas feridas entre mil reveses,
Da média idade a sanguinosa palma...
Só p'ra o louro atirar... e a lança e a alma...
Aquela mão tão fina!
Uma noite sonhei que, em minha vida,
Deus acendia a estrela prometida,
Que leva os Reis ao trilho da ventura;
Mas, quando, ao longo da poenta estrada,
O suor me escorria d'amargura...
Passava em meus cabelos perfumada
Aquela mão tão pura!
Era u'a mão que iluminara um cetro...
Mão que ensinava d’harmonia o metro
As esferas de luz que o dia encobres...
Tão santa que uma pérola indiscreta
Talvez toldasse esta nudez tão nobre...
Vazia Era a riqueza do Poeta
Aquela mão tão pobre!
Era u'a mão que provocava o roubo!
Era u'a mio para conter o globo!
Tinha a luz que arrebata, a luz que encanta!
Fôra o gênio de Sócrates o Grego!
Domara em Roma os cônsules e o lobo?
Mão que em trevas buscara Homero cego
Aquela mão tão santa!
POESIAS DIVERSAS
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